Contou-me
um narrador de histórias de assombrações, que um casal jovem depois de
um ano de feliz matrimônio, ganhou uma linda criança, a qual ao
completar cinco anos, adoeceu.
O sintoma da doença era o seguinte: as mãos cruzadas sobre o peito, o
corpo manchado de roxo e ao anoitecer desatava num choro que metia dó,
principalmente nas sextas-feiras.
Pessoas idosas, entendidas em doenças de bruxarias, quando viram aquela
criança no estado lastimável em que se encontrava não tiveram dúvidas
em afirmar aos pais, que todos aqueles sintomas eram, verdadeiramente, a
confirmação de que as malvadas bruxas a estavam perseguindo.
Uma daquelas pessoas entendidas em assuntos bruxólicos aconselhou ao
jovem pai que devia procurar uma benzedeira e não um médico, como queria
a mãe da criança, pois este não entenderia nada daquela doença causada
pelas forças misteriosas das terríveis mulheres que vêm a este mundo
com a triste sina de ser bruxa.
No sítio, a conselho das pessoas mais velhas que são acatados com todo
respeito, o casal resolveu chamar uma velha benzedeira, muito afamada na
cura de crianças embruxadas.
A velha benzedeira, ao entrar na casa e pôr as vistas sobre a criança
doente, desatou a bocejar tanto, que quase ficou sem poder falar por
muitos minutos, mas logo que se recuperou, voltou-se para o casal e
disse-lhes: "Esta criança está embruxada por bruxas muitos perigosas, de
grandes poderes diabólicos. Recebi toda carga do seu poder maligno, no
meu corpo, logo que entrei nesta casa, para enxotá-la daqui".
Tomou um breve que trazia no bolso do vestido, benzeu a criança e aconselhou aos pais que fizessem o seguinte remédio:
Na sexta-feira daquela semana, ao anoitecer, tomassem uma ceroula do
pai, colocassem-na em cruz em cima da criança, rezassem um Credo de trás
para diante em cima da ceroula, colocassem um pires com água e dentro
um pedaço de cera virgem e a chave da fechadura da porta da entrada, e
ficassem de vigília.
No momento em que a criança chorasse, era o sinal de que as bruxas a
estariam chupando o sangue e, portanto, o pai devia pegar a cera virgem
que estava no pires e introduzi-la no buraco da fechadura, para que
assim as bruxas ficassem presas dentro de casa e aguardassem, ali, o
canto do galo preto para ser descoberto o fado.
As bruxas, que andavam chupando aquela criança, eram moradoras do mesmo
lugar e duas das quais primas irmãs da mãe da criança doente.
Naquela semana, elas fizeram uma reunião numa casa abandonada e
mal-assombrada, para desenvolver o poder do fado em uma moça nova, muito
feia e rude, que começaria a cumprir a sina pela primeira vez.
Para poderem voar por cima das árvores e entrar pelo buraco da
fechadura, além de despirem toda roupa e esconderem-na nas tocas das
bananeiras, grutas, e debaixo dos paneiros de canoas de pescadores e
untarem todo o corpo com unto virgem, elas devem pronunciar certíssimas
as seguintes palavras: "Por cima do silvado e por debaixo do telhado".
A reunião que elas fizeram naquela semana foi para ensinar à bruxa
praticante que o canto do galo branco e amarelo não lhes quebra o
encanto, mais sim o do galo preto.
Que as palavras "Por cima do silvado e por debaixo do telhado" não podem
ser pronunciadas ao contrário, senão perderão uma noite de atividades
diabólicas.
Na mesma reunião, combinaram irem todas, inclusive a bruxa nova,
chuparem a criança na casa onde a velha benzedeira tinha mandado fazer a
armadilha com a ceroula.
Naquela sexta-feira, dia combinado, depois de prontas para entrarem em
estado fadórico a bruxa velha pronunciou as palavras do encanto e mandou
que todas respondessem certo, mas a bruxa nova respondeu ao contrário,
estragando assim, as atividades da noite.
Devido o engano da bruxa nova, não puderam atingir o objetivo visado que era chupar a criança.
Em vez de passarem por cima do silvado, passavam por debaixo, e em vez de passarem por debaixo do telhado ficavam por cima.
Cansadas de tanto voar e não conseguirem entrar no buraco da fechadura,
para chuparem o sangue da criança, resolveram pousar sobre o telhado da
casa.
Devida a benzedeira da velha e as armadilhas que se achavam dentro de
casa, elas ficaram presas sobre o telhado e foram surpreendidas em
estado de encanto, pelo canto do galo preto.
No momento em que elas pousaram sobre o telhado da casa, a criança
começou a chorar, e o pai então tratou de introduzir a cera virgem no
buraco da fechadura. e ficou aguardando o canto do galo preto, quando se
daria justamente, o desencanto das bruxas.
Logo que o galo preto cantou, elas se desencantaram, em cima da casa e
não dentro como o homem esperava, isto devido a bruxa nova ter
pronunciado as palavras de encanto ao contrário.
Mal se desencantaram, viram-se presas pela armadilha que estava dentro de casa e começaram a chorar.
O dono da casa, que estava de vigília, logo que ouviu o choro, abriu a
porta da casa e saiu para o quintal, a fim de ver onde era o choro,
quando, qual não foi sua surpresa, ao deparar com aquele quadro tétrico
sobre o telhado da sua casa.
Apavorado pelo que viu, chamou a mulher e alarmou os vizinhos que acudiram assustados.
Colocaram uma escada e fizeram-nas descer.
O dono da casa foi na cozinha, apanhou um rabo de tatu que estava no
moeiro, deu uma surra em cada uma até deixar caída por terra.
A surra foi tão violenta que, para curar os ferimentos tiveram que usar água com sal bem forte e cachaça com ervas.
Florianópolis, 16 de janeiro de 1957
Franklin
Cascaes (São José, 16 de outubro de 1908 — Florianópolis, 15 de março
de 1983), pesquisador da cultura açoriana, folclorista, ceramista,
gravurista e escritor brasileiro. Dedicou sua vida ao estudo da cultura
açoriana na Ilha de Santa Catarina e região, incluindo aspectos
folclóricos, culturais, suas lendas e superstições. Usou uma linguagem
fonética para retratar a fala do povo no cotidiano. Seu trabalho
somente passou a ser divulgado em 1974, quando tinha 54 anos. Obras: Balanço bruxólico; Nossa Senhora, o linguado e o siri, A Bruxa metamorfoseou o sapato, Balé das mulheres bruxas, Mulheres bruxas atacando cavalos, O Boitatá, Mulheres dando nós em caudas e crinas de cavalos.
Fonte::
http://contosassombrosos.blogspot.com