Mary
Lincoln era paulistana e nasceu no final dos anos 1910. Quando criança,
estudou piano e canto. Formou-se em comércio, mas nunca exerceu a
profissão. Era morena, alta e esguia. Tinha uma belíssima voz. Era
soprano. E muito sensual.
Até 1941, ela só cantava em
festas da sociedade paulistana. Até que, um dia, a apresentaram a Walter
Pinto, no chá do Teatro Santana, onde a Cia. W. Pinto se apresentava.
Mary, como quem não quer nada, foi ao piano, tocou e cantou
desinteressadamente.
Walter Pinto, vislumbrando o
sucesso da jovem, ofereceu-lhe um contrato. Assustada, Mary recusou.
Argumentou que não estava preparada. E Walter respondeu o que ela queria
ouvir: "Eu te preparo".
Em dezembro daquele ano, Mary já
se estava no Rio, pronta para estrear na próxima revista do Recreio
enquanto Walter anunciava o nascimento de sua estrela. Sem nunca ter
pisado no palco, Mary dividiu, com Aracy Côrtes, o estrelato da peça Você já Foi à Bahia?,
de Freire Júnior, um ícone das revistas carnavalescas. Com música de
Dorival Caymmi, Herivelto Martins, Sílvio Caldas, essa peça mostrava
clássicos como Praça Onze e Amélia. O sucesso foi
absoluto. A crítica a consagrou. Foi eleita Rainha das Atrizes de 1942,
provavelmente ajudada pelo rei Walter Pinto.
O reinado de Mary Lincoln no
Teatro Recreio, com Walter Pinto, durou até 1944. Apesar de ter um corpo
admirável, suas armas mais poderosas eram a voz e a expressão facial.
Não era muito fotogênica, mas ao vivo enlouquecia e conquistava a
plateia masculina.
Em 1942, Mary inovou. Ainda como segunda figura da companhia, brilhou em Fora do Eixo, revista que reafirmaria seu talento e abriria as portas para o estrelato absoluto na montagem seguinte: Rumo a Berlim. Nesse espetáculo ela foi ousada, pois cantou árias de óperas como Madame Butterfly, de Puccini. O público delirou, pois ópera em revista era algo inusitado.
Em 1944, Mary foi para os
cassinos. Fez uma temporada bastante razoável em São Vicente, no Cassino
da Ilha Porchat. Fez, em seguida, mais uma passagem pela revista, em
1945, com a Empresa Ferreira da Silva. Foi a figura máxima de Batuque no Beco, ao lado do iniciante Colé, e em Trunfo é Espadas!,
com Walter D’Ávilla, ambas encenadas no João Caetano, com sucesso. Mary
receberia da imprensa o título de a estrela das famílias brasileiras.
Talvez pelo porte recatado e seu discreto meio de
sedução.
Também em 1945, faz sua única incursão no cinema, participando de um número musical do filme Caidos do Céu. Na produção da Cinédia, cantava a marcha-rancho Andorinha, de Herivelto Martins, amarrada num poste. O número acabou soando ridículo e a crítica da época não perdoou.
Achando que não estava no lugar
certo, procurou outro gênero de teatro musicado: a opereta. Em 1946,
trocou a revista pela opereta, fazendo uma bem-sucedida carreira. Mas,
apesar de se realizar artísticamente na opereta, Mary retornou à revista
em 1947, novamente no posto de vedete, na revista Sinhô do Bonfim,
contratada pela Cia. Dercy Gonçalves. O espetáculo foi encenado no João
Caetano. Dividiu o estrelato com Dercy e saboreou, mais uma vez, o
gosto do sucesso.
Nos anos seguintes ainda estrelou, como vedete principal, Cuba Livre
(1952), no Teatrinho Jardel (RJ). Mary era apresentada como a apoteose
morena, em impagáveis quadros ao lado de Walter D’Ávilla. Na Terra do Samba
foi outro sucesso revista adaptada de Luiz Peixoto e Ary Barroso. No
palco, Mary Lincoln brilhou ao lado de Margarida Max, a vedete absoluta
dos anos 1920, que retornarava aos palcos para apresentações especiais.
Uma de suas últimas revistas foi Encosta a Cabecinha
(1958), de Boiteux Filho, encenada em São Paulo, com a Cia. Silva
Filho. A vedete da peça foi Eloína. Às vésperas de completar 40 anos,
Mary já não conservava o físico da juventude. Representava e cantava,
apenas, sem sugerir nada com o público. Não era mais a mesma.
Nos anos 1970, há muito afastada
dos palcos, Mary se mudou para o Retiro dos Artistas, em Jacarepaguá
(RJ). Reencontrou a amiga Gina Bianchi, dos tempos de opereta. Em 29 de
setembro de 1981 (dia do ancião), a instituição recebeu a visita de
vários artistas e idosos da região.Teve uma festa no Teatro Iracema de
Alencar. Os velhinhos do retiro relembraram os tempos de glória,
dançando e cantando. Mary Lincoln tocou trechos de A Viúva Alegre, no piano.Todos se emocionaram. Choveram aplausos.
As palmas da plateia naquela tarde foram as últimas que ouviu. No dia seguinte sofreu um derrame e morreu, aos 62 anos.
Fonte: As Grandes Vedetes do Brasil - de Neyde Veneziano.
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