Eram mais ou menos umas três horas da matina e tudo era silêncio naquele prédio de apartamentos da Rua Constante Ramos. Apenas aqui o filho de dona Dulce e mais um fotógrafo, trabalhavam no laboratório deste, preparando as fotos de uma reportagem. Foi quando se ouviu a voz da senhora do apartamento ao lado altear-se na noite em tom violento:
— Vagabundo sim... um vagabundo é o que você é.
E depois acrescentou: — Nojentão!!!
O nojentão devia ser o marido, que respondeu qualquer coisa em bemol, para não incomodar os vizinhos. Mas o exemplo não foi seguido e madame largou brasa de novo:
— Me larga... Tira a mão de mim, cretino.
O nojentão, e agora também cretino, falava em tom sibilante e o fotógrafo, parando o trabalho, me explicou que no apartamento ao lado morava um casal já meio sobre o maduro. Não tinham filhos nem recebiam visitas. Tinham, isto sim, uma empregadinha que era mulata. Boa às pampas.
— Então a bronca deve ser por causa da empregada — eu disse.
E foi batata. Logo se ouviu uma segunda voz feminina, esta mais tímida a dizer que dona Dolores estava enganada, que não, que absolutamente, que o doutor sempre foi muito respeitador.
— Cale-se! — ordenou aos berros dona Dolores. E lá do laboratório nós dois — eu e o fotógrafo — testemunhas auditivas da esbórnia, ouvimos algo se espatifar no chão.
Aí foi o nojentão que bronqueou: sua voz grossa cresceu na noite:
— Quebra tudo, sua idiota. Pode quebrar. Madame seguiu o conselho e houve um barulho de louça que se espatifava, panos que se rasgavam, madeiras que se quebravam. Isso durou mais ou menos uma hora e foi ficando tão monótono que nós dois reiniciamos o trabalho antes mesmo do quebra-quebra chegar ao meio.
Dias depois tive que voltar ao apartamento do fotógrafo, para um novo trabalho, e ele me disse:
— Lembra-se da briga no apartamento aí do lado? Pois ganhou a mulata. A Dona Dolores se mandou e a empregada é que ficou no lugar dela. A julgar pela cara do nojentão, a troca deixou-o bem feliz.
— Vai ver que a mulata agora é a patroa. Ele não "botou outra pra cozinhar? — perguntei.
— Não. Estão morando sozinhos.
Eu não sou de muito futucar a vida alheia, mas o fotógrafo, talvez por se tratar de seu único vizinho, andou espionando a vida privada do nojentão. Decididamente a mulata virou patroa, mas ontem deu-se um imprevisto. A antiga cozinheira e atual patroa continua lá mas o fotógrafo viu que Dona Dolores tinha voltado.
Espiou por cima do murinho e viu Dona Dolores no apartamento. Na mesma hora telefonou para mim:
— Olha, Dona Dolores voltou.
— E a mulata?
— Continua aqui.
— Então, pelo jeito, Dona Dolores voltou para cozinhar pro casal.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: GAROTO LINHA DURA - Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975
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