sexta-feira, 2 de março de 2012

Não me tire a desculpa

Vocês se lembram daquele cara sobre o qual eu contei uma historinha; um cara que era tão mal-acabado que só não era mais feio por falta de espaço? Pois o cara desta historinha é pior. Se feiúra fosse dinheiro, ele todo ano ia à Europa. Perto dele Frankenstein era Marta Rocha.

Mas, para vocês verem como são as coisas: embora fosse um tremendo filhote de Drácula, o cretino tirava sarro de conquistador. Andava bacaninha, com paletó lascado atrás, gravata italiana, abotoadura de ouro, calças dessas tão apertadinhas que pareciam ter sido costuradas com ele dentro.

E freqüentador, também. Metia um jantar na Hípica, de vez em quando, e, embora não fosse sócio-atleta, comia salada de alfafa, para não engordar. E nisto talvez tivesse razão. Gordo seria pior. O magro horrendo pode ser mais fantasmagórico, mas o impacto de sua feiúra é menor do que a do gordo horrendo.

O que não lhe ia bem era a pretensão. Entrava no bar e ficava encostado ao balcão, fazendo olhares para as mulheres. Bebia uísque com pose de quem está bebendo veneno por desprendimento e, quando acendia um cigarro, tirava aquela baforada farta, só para fazer olhar misterioso por trás da fumaça.

Um dia um amigo meu surpreendeu-o num restaurante, comendo "pão-sexy". Eu nem sabia que existia esta bossa. Mas o amigo me explicou. O "pão sexy" é aquele truque que o conquistador, que costuma trabalhar na faixa do durão com mulher, gosta de empregar em lugar público onde tem a possibilidade de mastigar. O conquistador senta num canto e fica olhando fixo para uma dona dos seus desejos secretos. Quando o olhar começa a ficar insistente, segura um pedaço de pão e aguarda. Na hora em que a dona, disfarçadamente, vai conferir para ver se o chato ainda conserva o olhar insistente, ele dá o golpe do "pão-sexy"; isto é; morde o pão e arranca um pedaço com violência.

Ah, estraçalhadora! Diz que tem mulher que vibra com esta besteira, sentindo-se mordida "in loco" pelo carrasco. Eu, por mim, acho que mulher que vibra com o golpe do "pão-sexy" só deve ser de Bangu pra cima, mas hoje em dia, com o "lockout" da finura, é bem possível que as grã-finas tenham aderido e se encontre uma ou outra que aprecie as manobras do "pão-sexy" até mesmo no bar do Iate. Ainda mais porque o cara de que eu estou falando vai muito lá.

Como todo conquistador que se preza, é também um difamador, o cara esse. Quando se fala em determinada mulher, perto dele, ele fica fazendo um olhar entre o displicente e o saudoso, até que a pessoa que fala da mulher não resiste e pergunta:

— Você conhece ela?

Ele conhece vagamente, mas dá a entender justamente o contrário, e deixa no ar aquele cheirinho de dúvida, ao responder:

— Deixa isso pra lá! Vamos falar de outra coisa! Águas passadas, águas passadas.

No entanto, ali não passa água nenhuma. Tal tipo de cretino não apanha nem goiaba no pomar. Os sujeitos que agem assim estão perfeitamente enquadrados no substancioso manual de Freud (página 4 na edição de bolso). É exatamente porque não apanha ninguém que o cara toma essas atitudes.

Talvez a vida trepidante da atualidade incentive esse tipo de gente. Hoje em dia não se tem tempo para reparar se a pose do próximo condiz com a realidade e, assim, vai-se aceitando o cocoroca como ele diz que é. E não como ele é realmente.

Todo mundo sabia — pois estava na cara — que o sujeito desta historinha era mais feio que a necessidade, mas ninguém tinha ainda reparado que ele não apanhava ninguém. Estava sempre se curando de um amor ou com um amor a brotar, mas as mulheres, mesmo, ninguém via com ele.

E este importante detalhe só veio à luz no dia em que um amigo rico disse a ele que tinha montado um apartamento legalérrimo. Tinha tudo. Vitrola, gravador, geladeira, uísque, luzes indiretas, ducha, ar refrigerado, entrada independente. O fino do esconderijo.

Por ser — como ficou dito — um cavalheiro cheio da erva, ofereceu o imóvel suspeito ao "conquistador". Falou nas vantagens do dito e acrescentou:

— Você querendo usar de vez em quando, eu te dou o endereço e uma duplicata da chave.

Mas aí era duro demais para o cara sustentar sua atitude. Engoliu em seco e disse pro outro:

— Muito obrigado! Mas, por favor, não me diga onde é, nem me dê a chave. A única desculpa que eu terei, no dia em que desconfiarem do meu sucesso com mulher, é esta.

— Esta qual?

— Dizer que não tenho onde levar.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora

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