Iam os dois sentados no banco da frente. O ônibus era desses que levam oitocentos em pé e duzentos sentados. Mas ia meio vazio, naquela hora da madrugada. Pelo tempo que eu fiquei parado junto ao poste esperando-o, aquele devia ser o último ônibus do ano.
Mas isto não importa. O que me interessava — pelo menos naquele momento — era a conversa dos dois, no banco da frente.
Um era magrelinha, desses curvadinhos para a frente, vergado ao peso da vida. O outro parecia mais velho, mas era espigadinho. O cabelo ralo, mais grisalho do que o do companheiro.
No momento, quem falava era o espigadinho:
— Eu não cheguei a ver castanha, a não ser em vitrina, é lógico.
— Eu vi! — disse o vergado: — Eu tenho um vizinho... o Alcides, você conhece. Aquele que a filha fugiu com um sargento da Aeronáutica!
— Ainda está com ele?
— As castanhas?
— Não. O sargento da Aeronáutica, inda tá com a filha dele?
— Não. Com ela está é o filho que ele fez. Mas eu dizia: o Alcides comprou castanhas com o 13º. Ele trabalha numa firma que paga certo.
— Estrangeira?
— Deve de ser. O Alcides me mandou seis castanhas.
— Você é que é feliz!
— Feliz nada. Tive que dar pra outro. Tenho sete filhos, seis castanhas ia causar "problema".
O ônibus recebeu mais uns três ou quatro passageiros, que foram sentar lá na frente. A conversa entre os dois continuou. Ainda desta vez, quem falou primeiro foi o espigadinho:
— A mulher do patrão me deu uma camisa.
— Tava boa?
— Tava larga.
— Eu ganhei um sapato, por causa do serviço que eu fiz pra Dona Flora.
— Tava bão?
— Tava apertado.
O curvado jogou o toco de cigarro pela janela e deu um suspiro. O companheiro sorriu: — A gente devia fazer faxina pra dona que tem marido do nosso tamanho, assim o que a gente ganhasse delas no Natal pelo menos cabia na gente.
— Ganhar coisa larga é melhor que apertada.
— Ah é! Largo é melhor que apertado!
Ficaram calados, ruminando esta verdade natalina durante algum tempo. Depois um deles — já não me lembro qual dos dois — ponderou:
— Diz que este ano o comércio levou uma fubecada.
— Conversa. Tinha mais gente nas lojas que no ano passado. Ele sempre se queixa.
— Ué! Pra mim tanto faz. Quem não ganha já perdeu. Eu num tenho pra dar, também não posso ganhar.
Era um raciocínio honesto, cheio de experiência. Tanto que o outro balançou a cabeça, concordando. Mas advertiu o companheiro de que não podia se queixar do Natal. Afinal, ganhara uma cesta de festas.
— Todo ano eu consigo uma. Minha mulher gosta muito dessas cestas de Natal, pra guardar a roupa limpa e fazer a entrega pra freguesia. É fácil da gente arrumar essas cestas. Eles ganham elas, cheias de garrafas e latas de conserva. Depois de esvaziar até gostam quando a gente leva a cesta vazia pra nós.
O curvado pelo peso da vida ficou olhando pela janela e argumentou:
— Natal é bom por causa dessas novidades. Sempre sobra uma coisinha.
— Eu dei a cesta pra minha mulher. E tu? Que é que deu pra tua?
— Dei o sapato. Tava apertado ni mim, mas ela corta atrás e faz chinela.
Um deles fez sinal para o ônibus parar: — Eu salto aqui.
Deu um tapinha nas costas do outro e disse com a maior sinceridade, sem o mínimo laivo de ironia:
— Um feliz 1968 para você!
— Obrigado. Para você também!
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora
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