terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Viva o morto!

Rosamundo estava no quarto, suando em bicas, para abotoar o colarinho e dar o laço da gravata. No verão ele detesta essas coisas protocolares e, se pudesse, iria até à posse de diretor de autarquia, com discurso, filmagem da "Atlântida" e presença de altas autoridades, em ceroulas.

Mas era o aniversário de seu afilhado e Rosamundo tinha que comparecer, levar presentes, ajudar — na qualidade de padrinho — o aniversariante a apagar as velinhas do bolo. Enfim, aquela chateação.

Já estava prontinho para sair, com o embrulho do presente debaixo do braço e o pescoço envolto em suor e colarinho engomado, quando o telefone tocou. A mulher atendeu e disse um "Não" de espanto. Agradeceu a informação e, virando-se para Rosamundo que, distraidamente, tinha jogado a cinza do charuto no aquário dos peixinhos:

— Morreu o chefe da sua repartição!

Mais aquela. Se fosse ao aniversário não teria tempo de passar no velório, se fosse ao velório não daria tempo para entregar o presente do afilhado. Ficou naquela indecisão de todos os distraídos e acabou resolvendo a coisa de maneira mais prática: iria dar um pulinho no velório, faria um pouco de presença e depois se mandava para o aniversário. Das duas chateações, a menor.

Foi o que fez.

Chegou esbaforido no velório do chefe da repartição, com aquele embrulho de presente debaixo do braço e parece que sofreu a influência do referido embrulho porque, mal entrou na sala, dando com o corpo do chefe em cima da mesa, cercado por quatro velinhas, nem conversou: com sua distração habitual, encaminhou-se para a viúva, entregou-lhe o embrulho e disse:

— Muitas felicidades pelo dia de hoje.

Depois, sempre com aquele ar ausente que é faceta marcante de sua entortada personalidade, dirigiu-se para a mesa onde estava o falecido, soprou as velinhas e cantou o "Parabéns pra você nesta data querida".
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora
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Mulher reformada

Há quem diga que Rosamundo deve pensar que quem descobriu o Brasil foi o Duque de Caxias, de tanto que ele confunde o patrono do nosso Exército com Pedro Álvares Cabral. Não têm conta às vezes que Rosamundo entregou a um vagabundo qualquer uma cédula de mil cruzeiros, com linda pose de Cabral, pensando que era uma japonezinha de duas pratas, com o semblante do Duque, à guisa de esmola.

A mulher de Rosamundo já o proibiu do vício do óbolo, na certeza de que a distração e filantropia são duas coisas que não combinam. Aliás, a mulher do Rosamundo era bem feinha, prova de que, até pra casar, o infeliz se distraiu.

E foi justamente por ser feia que a mulher de Rosamundo resolveu fazer uma recauchutagem para surpreender o marido.

Durante a habitual temporada em Petrópolis ela fez que subiu a serra e foi, mas é pra uma clínica de um desses médicos bárbaros para reformar mulher bagulho: um cirurgião-plástico.

Botou nariz novo, afinou cintura, tirou barriga, esticou a pele, amendoou os olhos. Fez misérias. E, não contente, saiu direto da clínica para um salão de beleza, onde tingiu os cabelos e castigou um penteado desses modernos, que a mulher parece que está com uma moringa na cabeça.

Assim completamente remodelada e até que mais jeitosa, apareceu em casa. Foi entrando e nem disse palavra, foi encontrar Rosamundo na sala e tacar-lhe um beijo estilo desloca-maxilar. Rosamundo ficou verdadeiramente encantado e surpreendido com a mulher.

Mas puxa!... Rosamundo é um bocado distraído. Passou a noite toda naquele encantamento e só na manhã seguinte é que fez a primeira referência à vida do casal. Virou-se para a mulher e disse:

— Filhinha eu acho bom você deixar o número do telefone e ir caindo fora, que minha esposa está em Petrópolis e pode chegar de repente. Se ela encontrar você aqui vai dar uma bronca desgraçada.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora
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O segredo da abelha

A abelha, a aranha e a cigarra eram irmãs.

As duas mais velhas viviam ativas, sempre a trabalhar; uma colhendo o pó das flores para fazer o mel, a outra a tecer noite e dia, uma fiandeira. A mais moça, a cigarra, anunciava o verão, cantando e alegrando a todos, com suas toadas e seus psius ritmados.

Uma tarde, chegou um mensageiro avisando as três irmãs que sua mãe, muito doente, as mandava chamar, para abençoá-las antes de morrer. E a aranha falou assim:

— Diga à minha mãe que estou fazendo uns pontos difíceis; assim que terminar, lá chegarei.

E a cigarra falou assim:

— Diga à minha mãe que estou dando o terceiro psiu; assim que terminar, lá chegarei.

E a abelha, no meio da grande faina, no trabalho da colméia falou assim:

— Filhos meus, parai e deixai tudo aí, até que eu volte; pois vou já ver minha mãe.

E lá no seu leito, a moribunda sentenciou:

— Aranha, filha ingrata, nunca poderás terminar teu trabalho. Será ele sempre desfeito por alguém, principalmente pelas empregadas arrumadeiras.

E é o que sempre acontece.

— Cigarra, filha ingrata, cantarás, cantarás, até rebentar pelas costas.

E é o que sempre acontece.

— Abelha, filha boa, que tudo deixou por mim, os homens nunca saberão o segredo do fabrico do mel...

E ainda hoje, mesmo colocada em caixa de vidro, a abelha tapa tudo com cera e não deixa ver fazer o mel...
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Fonte: Jangada Brasil - (Caldas, Terezinha. "O segredo da abelha". Folha da Manhã. Recife, 12 de novembro de 1952).
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