quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Testemunha ocular

Ele estava no aeroporto. Acabara de chegar e ia tomar o avião para o Rio. Sim, porque esta história aconteceu em São Paulo.

Ele acabara de chegar no aeroporto, como ficou dito, quando viu um homem que se dirigia com passos largos, pisando duro, em direção à moça que estava ao seu lado, na fila para apanhar a confirmação de viagem. O sujeito chegou e não falou muito. Disse apenas:

— Sua ingrata. Não pense que vai fugir de mim assim não — e no que disse isso, tacou a mão na mocinha. Essa não era tão mocinha assim, pois soltou um xingamento desses que não se leva para casa nem quando se mora em pensão. E lascou a bolsa na cara do homem. Os dois se atracaram no mais belo estilo vale-tudo e ele — que assistia de perto — tentou separar o belicoso casal.

Houve o natural tumulto, veio gente, veio um guarda e a coisa acabou como acaba sempre: tudo no distrito.

Tudo no distrito, inclusive ele, que já ia tomar o avião, mas que teve de ir também, convocado pela autoridade na qualidade de testemunha ocular.

Em frente à mesa do comissário (um baixinho de bigode, doido para acabar com aquilo) o casal continuou discutindo e o homem mentiu, afirmando que fora agredido pela mulher. Ele — muito cônscio de sua condição de testemunha ocular — protestou:

— Não é verdade, seu comissário. Eu vi tudo. Foi ele que avançou para ela e deu um bofetão.

— CALE-SE!!! — berrou o comissário.

— Mas é que...

— CALE-SE!!! — tornou a berrar o distinto policial, com aquele tom educado das autoridades policiais.

Ele calou-se, já lamentando horrivelmente ter sido arrolado como testemunha ocular. Ficou calado, preferindo que todos se esquecessem de sua presença e ia-se dando muito bem com esta jogada até o momento em que a mulher que apanhara apontou para ele e disse para o comissário:

— Se esse cretino não se tivesse metido, não tinha acontecido nada disto.

— Eu??? — estranhou ele, apontando para o próprio peito.

— O senhor mesmo, seu intrometido.

— Mas foi ele quem a agrediu, minha senhora.

— Mentira — berrou o homem. — Eu apenas fui lá para impedir o embarque dela para a casa dos pais. Tivemos uma briguinha sem importância em casa e ela, coitadinha, que anda muito nervosa, quis voltar para casa dos pais. (Dito isto, abraçou a mulher que pouco antes chamara de ingrata e premiara com uma bolacha. Ela se aconchegou no abraço, a sem-vergonha.)

E ele ali, um misto de palhaço e testemunha ocular. Quis apelar para o guarda que o trouxera, mas este já retornara ao posto. Estava a procurá-lo com um olhar circulante pela sala, quando ouviu o comissário mandando o casal embora.

— Tratem de fazer as pazes e não perturbar em público.

O casal agradeceu e saiu abraçado, tendo a mulher, ao virar-se, lançado-lhe um olhar de profundo desprezo. E, quando os dois saíram, virou-se para o comissário e sorriu:

— Doutor, palavra de honra que eu...

Mas o comissário cortou-lhe a frase com um novo berro. Em seguida aconselhou-o a não se meter mais em encrencas por causa de briguinhas sem importância entre casais em lua-de-mel.

— Eu só vim aqui para ajudar — admitiu ele, com certa dignidade.

— CALE-SE!!! — berrou o comissário: — E some daqui antes que eu o prenda...

Não precisou ouvir segunda ordem. Apanhou a valise e saiu com ódio de si mesmo. "Bem feito" — ia pensando — "que é que eu tinha que entrar nessa encrenca?". Entrou em casa chateado, ainda mais porque perdera o avião e a hora em que tinha de estar no Rio para assinar as escrituras com o corretor. Tratou de afrouxar o laço da gravata e pedir uma ligação interurbana, a fim de dar uma explicação ao patrão.

Somente no dia seguinte retornou ao aeroporto para fazer a viagem. Saiu de casa cedo e foi para a esquina apanhar um táxi.

Foi quando houve o assalto. Ia passando por um café quando três sujeitos saíram lá de dentro, atirando a esmo, para abrir caminho. Ele — coitado — ficou entre os três, com a mão na cabeça sem saber se corria ou se encolhia. Os assaltantes entraram num carro que já os aguardava de motor ligado e sumiram no fim da rua. Logo acorreram pessoas de todos os lados, na base do que foi, do que não foi. Um guarda tentava saber o que acontecera, quando um senhor gordo, que parecia ser o dono do bar assaltado, apontou para ele e disse:

— Seu guarda, esse homem viu tudo. Os assaltantes passaram por ele.

O guarda se encaminhou para ele e perguntou:

— O senhor viu quando eles deram os tiros?

E ele, com a cara mais cínica do mundo:

— Tiros? Que tiros???
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora
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Por que fevereiro tem apenas 28 dias?

No ano de 46 a.C. o imperador romano Júlio César promoveu uma reforma no calendário: um dia foi acrescentado a cada quatro anos – daí o ano bissexto – e os meses passaram a ter, alternadamente, trinta ou 31 dias. Nos anos bissextos, o mês de fevereiro, que já tinha 29 dias, ficava com trinta.

Em 44 a.C., no segundo ano de vigência desse calendário Juliano, o Senado decidiu homenagear o imperador e propôs que o mês Quintilis – que tinha 31 dias – passasse a se chamar Julius (julho).

Trinta e seis anos depois, em 8 a.C., o nome do oitavo mês, Sextilis, foi mudado para Augustus (agosto) em honra para o então imperador César Augusto. Mas, como o mês escolhido para homenagear Augusto tinha trinta dias, um a menos que o de Júlio César, optou-se por tirar um dia de fevereiro – que ficou com 28 dias – e adicioná-lo a Sextilis.

Para manter o critério de alternância do Calendário Juliano – um mês com trinta, outro com 31 dias –, já que agosto ficou com 31 dias, setembro passou a ter 30 e assim sucessivamente.

Fonte: Sobre Tudo Um Pouco.
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Guerra de Tróia, mito ou realidade?

A guerra entre troianos e gregos talvez nem tenha acontecido. Se aconteceu, a causa pode não ter sido o rapto de Helena. Como pode não ter existido o famoso cavalo de madeira que iludiu os troianos: quem sabe os gregos atacaram pelo mar. “Quando a lenda fica mais interessante do que a realidade, publique-se a lenda”. (John Ford, cineasta americano).

Melhor exemplo dessa verdade não existe do que a Guerra de Tróia. com seu cavalo fantático, o rapto de Helena pelo apaixonado Páris, o herói Aquiles e seu calcanhar vulnerável, os deuses e as deusas do Olimpo assanhadíssimos, divididos entre gregos e troianos e fazendo, periodicamente, com que a sorte favorecesse um ou outro lado graças aos seus poderes divinos. Tudo isso está contado na Ilíada, poema épico de Homero, escrito aí pelo século IX a.C.

Mais recente e quase tão fantasiosa quanto a lenda que pretende conferir, é a batalha travada há bem uns cem anos por historiadores e arqueólogos em torno do que haveria de verdade nos episódios narrados por Homero. A lenda conta que a guerra foi provocada pelo rapto de Helena, a filha de Tíndaro, o rei de Esparta. Helena era tão bonita, tinha tantos pretendentes, que seu pai já previa alguma coisa desse tipo, tanto que promoveu uma grande reunião de todos os interessados e obteve deles um compromisso: qualquer que fosse o escolhido por Helena, os demais se comprometiam a defender o casal contra as ofensas que pudesse sofrer.

Helena escolheu Menelau, que graças a essa preferência tornou-se, além de seu marido, rei de Esparta. E a vida correu feliz e serena até o dia em que Páris, filho do rei de Tróia, Príamo, conheceu Helena e por ela se apaixonou. Páris não tinha sido um dos pretendentes preferidos, não estava amarrado ao compromisso por Tíndaro, e fez o que era muito comum na época: raptou Helena e levou-a para Tróia. Os gregos até que tentaram negociar e esquecer o episódio, mas os troianos não aceitaram.

Assim, Agamenon, irmão do ofendido Menelau, convocou todos os antigos pretendentes à mão de Helena, lembrou-lhes o pacto de fidelidade e organizou a primeira expedição contra Tróia. Foram dez longos anos de luta em que a sorte ora pendeu para um lado, ora para outro. E acabou sendo Ulisses, um guerreiro grego sem nenhum poder extraordinário, a não ser uma cabeça fértil para inventar truques e expedientes, quem pensou no estratagema que os levaria à vitória: construir um grande cavalo de madeira, capaz de abrigar, em seu interior, alguns guerreiros.

Os troianos, que consideravam o cavalo um animal sagrado, recolheram o presente deixado diante do portão de suas muralhas, acreditando ser um reconhecimento da derrota por parte dos gregos, e passaram a noite comemorando a vitória. Os soldados escondidos dentro do cavalo aproveitaram a festa para sair, abriram os portões — e Tróia foi invadida e destruída. Nasceu ai a expressão presente de grego. Essa é a lenda, em linhas bem gerais.

Em 1870 o negociante alemão Heinrich Schliemann, autodidata e arqueólogo amador, após estudar detidamente os textos de Homero, lançou-se à localização de Tróia, fazendo escavações por conta própria. Detevesse na colina de Hissarlik, na entrada do estreito de Dardanelos, atual Turquia. Em companhia da mulher, Sofia, e de outros colaboradores, descobriu vasos de ouro, jarras de prata, braceletes e colares cuidadosamente fabricados. Deduziu, então, que teriam pertencido a um rico e poderoso senhor: seria o tesouro de Príamo, rei de Tróia e pai de Páris. Mas a declaração de Schliemann, de que havia encontrado Tróia e seu famoso tesouro, não resistiu aos ataques dos historiadores especializados.

Hoje, a maioria dos arqueólogos afirma que o tesouro apresentado por Schliemann não passava de um conjunto de peças isoladas recolhidas durante as escavações. O grande mérito do pesquisador alemão foi descobrir que na colina de Hissarlik existiram várias Tróias, cada uma construída sobre as ruínas da outra, e que a região estava habitada desde a Idade do Bronze, por volta de 3 000 a.C, até o ano 400 da nossa era. Ao todo existiram nove Tróias. As primeiras Tróias de I a V, correspondem à Idade do Bronze egeu; Tróia VI, ao Bronze médio e final; Tróia VII teria sido habitada por um povo diferente que deixou o local cerca de 700 a.C, época que corresponde ao início de Tróia VIII; e, por fim, Tróia IX, que era a cidade romana de Ilium Novum.

Como foi possível fazer de uma montanha a base de várias cidades? Especialistas explicam que Tróia I estava sobre a base e ali se levantaram casas feitas de pedra, terra, adobe, madeira e palha; pouco resistentes, eram sujeitas a incêndios que rapidamente as destruiam por estarem, além do mais, muito próximas umas das outras. Na época do cobre e do bronze, as cidades apenas começavam a se desenvolver. Se ocorria um terremoto ou um incêndio, tirava-se o que era aproveitável das ruínas, aplainava-se o que restara e construíam-se novas casas em cima. Assim, uma cidade se edificava sobre a outra. Era costume naquela época jogar no chão desde restos de comida até utensílios quebrados. Mas, a partir de determinado momento, ficava insuportável conviver com a sujeira e então cobria-se o chão com uma espécie de capa de barro e tudo ficava novo e limpo.

O pouco recomendável costume dos troianos teve pelo menos uma serventia: ajudou os arqueólogos a descobrir se as casas — das quais, na maioria das vezes, só ficavam os muros — foram habitadas por muito ou pouco tempo. Para Schliemann, a Tróia de Príamo era a Troía II. Depois de sua morte, em 1890, outro pesquisador, o arqueólogo Wilhelm Dörpfeld, também alemão, prosseguiu as escavações em 1892 e 1893 e estabeleceu que Tróia VI tinha sido o cenário da guerra. No entanto, pesquisadores da universidade norte-americana de Cincinatti, que ali realizaram escavações de 1932 a 1938, concluíram que Tróia VII era a Tróia de Príamo. A chave para se saber qual era a Tróia da guerra era provar a existência do inimigo, isto é, dos gregos do final da Idade do Bronze, a época de Tróia VII.

Tudo estaria esclarecido não fosse por uma questão: embora Homero diga que Tróia foi destruída por um incêndio, as últimas escavações provam que o que houve ali foi um terremoto e que depois os assentamentos continuaram. Diante disso, o historiador inglês Moses Finley, falecido em 1986, abriu fogo: "Não há uma só prova consistente de que a colina de Hissarlik coincida com a Tróia da Idade do Bronze que Homero descreve, nem de que a guerra entre troianos e gregos tenha alguma vez existido. Propomos tirar definitivamente a guerra de Tróia dos livros de História".

Entretanto, uma descoberta do lingüista Calvert Watkins, professor da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, desmontou um dos principais argumentos dos críticos de Homero. Ao examinar primitivos documentos escritos em uma extinta língua da antiga Anatólia, na região orienta do que hoje é a Turquia, Watkins encontrou o seguinte fragmento de texto:"... quando vinham os alcantilado de Wilusa..." Para ele, o fragmento seria parte de uma primitiva Ilíada escrita em hitita, a língua dos troianos. Os alcantilados de Wilusa (que significam rochas escarpadas de Wilusa) são, segundo Watkins, os que aparecem na Ilíada como "os alcantilado’ de Ilíon". Tróia era também chamada de Ilíon. Tal descoberta derrubava a teoria de que uma cidade grande e poderosa como Tróia, que apoiava o império hitita, não constava dos testemunhos escritos sobre aquele povo. Os críticos de Homero também duvidavam da descrição dos funerais de Pátroclo — grande amigo do guerreiro Aquiles — mencionados no final da Ilíada O poema diz que ele foi cremado. Os céticos afirmavam que naquela época não era costume cremar os mortos.

Recentemente, porém, arqueólogos alemães, que há três anos realizam escavações no porto de Tróia, na baia de Besica, sob o comando do professor Manfred Körfmann, da Universidade de Tübigen, descobriram vestígios de piras onde os mortos eram cremados. Mas se Tróia existiu, será que isso quer dizer necessariamente que houve também a guerra de Tróia? Como e por que ela se deu? Ao que parece, os motivos foram mais banais do que o resgate da honra de Menelau e, sua mulher, Helena. Como a corrente marítima na parte mais estreita dos Dardanelos é muito mais forte, um barco mercante da Idade do Bronze só poderia chegar ao Mar Negro se contasse com bons ventos a seu favor. Mas, à excessão de uns poucos dias do ano, o vento sopra na direção oposta, de Leste a Oeste. Por isso, os gregos preferiam desembarcar suas mercadorias no porto de Tróia para que fossem transportadas até o Mar de Mármara — a meio caminho entre o estreito e o Mar Negro — através da planície troiana.

Mesmo que resolvessem esperar pelos ventos favoráveis os gregos dependiam dos troianos. E estes certamente cobravam pelos serviços prestados, tais como estadia na baia, abastecimento de água e alimentos, transporte de mercadorias por terra etc. E possível até que os troianos cobrassem pedágio ou saqueassem um barco de vez em quando. Do ponto de vista arqueológico não há nada que prove que Tróia fosse um covil de ladrões, mas é cabível que uma cidade situada no eixo do comércio entre o Mar Egeu e o Mar Negro representasse um problema para os gregos. Logo, qualquer pretexto servia para liquidar aqueles que tanto atrapalhavam seus negócios.

O historiador Francisco Murari Pires, professor de História Antiga da Universidade de São Paulo, acha provável que um evento como a guerra de Tróia tenha existido, embora o conjunto de documentos descobertos não permita uma afirmação exata, precisa. O que a lenda quer preservar, diz ele é que o fim da Idade do Bronze e o inicio da Idade do Ferro correspondem a um período de desestruturação do império hitita. Havia uma situação de conflito permanente entre hititas e gregos. Ambos disputavam o controle sobre os reinos que apoiavam tradicionalmente o império hitita e que, em conseqüência da atuação do gregos, começaram a se desestabilizar

Com base nos conhecimentos históricos e arqueológicos disponíveis, arqueólogo alemão Franz Stephan reconstituiu o que em sua opinião pode ter sido a guerra de Tróia: os tróianos, enfraquecidos por causa de um terremoto, não estavam preparados para enfrentar uma guerra. Os gregos, sabendo disso, atracaram no porto inimigo um veleiro com aparência de barco mercante; só que, em vez de mercadorias, transportava uma tropa de elite. Durante a noite o comando grego tomou a cidade.

Nessa versão, não há lugar para o Cavalo de Tróia. O professor Murari Pires diz que é impossível resolver essa questão. Mas, verdade histórica ou não, a lenda é importante por fixar o principio de que uma guerra não se decide só pela força. "Tanto o valor da astúcia, da manobra enganosa", observa Murari, "quanto o valor guerreiro propriamente dito estão em pé de igualdade."

Por mais que historiadores e arqueólogos tentem demonstrar a veracidade do episódio, o que parece prevalecer na memória do homem comum é a imagem poética da lenda, que tem contornos muito mais fortes do que a realidade. Por mais pesquisas que se façam, é pouco provável que um dia essa situação seja invertida.

Fonte: Superinteressante.
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