Enterro de pobre tem sempre cachaça. É para ajudar a velar pelo falecido.
Sabem como é; pobre só tem amigo pobre e, portanto, é preciso haver um incentivo qualquer para a turma subnutrida poder agüentar a noite inteira com o ar compungido que o extinto merece.
Enfim, a cachacinha é inevitável, seja numa favela carioca, seja num bairro pobre da cidade do interior.
Agora mesmo, em Minas, me contaram, morreu um tio de um tal de Belarmino. Houve velório com a melhor cachaça daquelas bandas, uma chamada "Suor de Virgem". Quando um desgraçado que não tinha sido convidado pro velório do tio de Belarmino soube que fora servida a cachaça "Suor de Virgem" saiu em procura do sobrinho do extinto e, ao encontrá-lo, lascou a ameaça:
— Belarmino, eu soube que tinha "Suor de Virgem" no velório de seu tio e você não me convidou. Mas num há de ser nada. Faço fé em Deus que inda morra alguém na minha família, que é pra eu gastar um desperdício de "Suor de Virgem" e num convidar safado nenhum da sua.
São fatos como os citados que provam a importância da cachaça nas exéquias de quem morre teso, embora — às vezes — a cachaça, ao invés de ajudar, atrapalhe.
Foi o que aconteceu agora em Ubá (MG), terra do grande Ari Barroso. Morreu lá um tal de Sô Nicolino, numa indigência que eu vou te contar. Segundo o telegrama vindo de Ubá, alguns amigos de Sô Nicolino compraram um caixão e algumas garrafas de cangibrina, levando tudo para o velório.
Passaram a noite velando o morto e entornando a cachaça. De manhã, na hora do enterro, fecharam o caixão e foram para o cemitério, num cortejo meio ziguezagueado e num compasso mais de rancho que de féretro. Mas — bem ou mal — lá chegaram, lá abriram a cova e lá enterraram o caixão.
Depois voltaram até a casa do morto, na esperança de ter sobrado alguma cachacinha no fundo da garrafa. Levaram, então, a maior espinafração da vizinha do pranteado Sô Nicolino.
É que os bêbados fecharam o caixão, foram lá enterrar, mas esqueceram o falecido em cima da mesa.
______________________________________________________________________
Leia mais...
Sabem como é; pobre só tem amigo pobre e, portanto, é preciso haver um incentivo qualquer para a turma subnutrida poder agüentar a noite inteira com o ar compungido que o extinto merece.
Enfim, a cachacinha é inevitável, seja numa favela carioca, seja num bairro pobre da cidade do interior.
Agora mesmo, em Minas, me contaram, morreu um tio de um tal de Belarmino. Houve velório com a melhor cachaça daquelas bandas, uma chamada "Suor de Virgem". Quando um desgraçado que não tinha sido convidado pro velório do tio de Belarmino soube que fora servida a cachaça "Suor de Virgem" saiu em procura do sobrinho do extinto e, ao encontrá-lo, lascou a ameaça:
— Belarmino, eu soube que tinha "Suor de Virgem" no velório de seu tio e você não me convidou. Mas num há de ser nada. Faço fé em Deus que inda morra alguém na minha família, que é pra eu gastar um desperdício de "Suor de Virgem" e num convidar safado nenhum da sua.
São fatos como os citados que provam a importância da cachaça nas exéquias de quem morre teso, embora — às vezes — a cachaça, ao invés de ajudar, atrapalhe.
Foi o que aconteceu agora em Ubá (MG), terra do grande Ari Barroso. Morreu lá um tal de Sô Nicolino, numa indigência que eu vou te contar. Segundo o telegrama vindo de Ubá, alguns amigos de Sô Nicolino compraram um caixão e algumas garrafas de cangibrina, levando tudo para o velório.
Passaram a noite velando o morto e entornando a cachaça. De manhã, na hora do enterro, fecharam o caixão e foram para o cemitério, num cortejo meio ziguezagueado e num compasso mais de rancho que de féretro. Mas — bem ou mal — lá chegaram, lá abriram a cova e lá enterraram o caixão.
Depois voltaram até a casa do morto, na esperança de ter sobrado alguma cachacinha no fundo da garrafa. Levaram, então, a maior espinafração da vizinha do pranteado Sô Nicolino.
É que os bêbados fecharam o caixão, foram lá enterrar, mas esqueceram o falecido em cima da mesa.
______________________________________________________________________
Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora