domingo, 23 de outubro de 2011

Paulo Autran

Paulo Autran (Paulo Paquet Autran) nasceu no Rio de Janeiro em 7 de setembro de 1922 e passou a maior parte de sua vida na capital paulista. Com poucos meses de idade foi para Espírito Santo do Pinhal, interior de São Paulo, graças ao trabalho de seu pai, delegado de polícia. Em 1927 sua família se fixou na cidade de São Paulo.

Por influência do pai, Paulo Autran se formou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco em 1945. Inicialmente, pensava em ser diplomata. Nessa época, participou de algumas peças de teatro amador e acabou convidado a estrear profissionalmente em "Um Deus Dormiu Lá em Casa", com direção de Adolfo Celi, no TBC - Teatro Brasileiro de Comédia.

No começo relutou, afirmando não ser um ator profissional. Quem o incentivou foi a atriz e grande amiga Tônia Carrero. A peça estreou no dia 13 de dezembro de 1949 e tornou-se um grande sucesso, rendendo inclusive prêmios para o ator.

Paulo Autran largou a advocacia e passou a se dedicar exclusivamente à carreira artística, dando prioridade ao teatro, sua grande paixão. Em 1956, fundou com Adolfo Celi e Tônia Carrero uma companhia teatral, que durou cinco anos.

Depois seguiu sua carreira independente, fazendo peças de sucesso, como "My Fair Lady", "Visitando o Sr. Green" e "Pato com Laranja". Sua trajetória confunde-se com a história do teatro brasileiro na segunda metade do século 20, tendo atuado com diretores consagrados e com novos talentos, além de ter contracenado com todas as grandes atrizes de sua época.

Para tornar-se conhecido de um público mais amplo, participou de telenovelas "Gabriela, Cravo e Canela"; "Pai Herói"; "Guerra dos Sexos" e "Sassaricando"; além de minisséries como "Hilda Furacão". Em todas elas, conseguiu tornar seus personagens populares.

Em mais de 50 anos de carreira fez cerca de 90 peças, 15 filmes, inúmeras novelas e especiais para a TV. Era casado, desde 1999, com a atriz Karin Rodrigues.

Em 2006, Paulo Autran estreou seu 90º espetáculo, a peça "O Avarento", de Molière, mas teve de interromper a temporada devido aos problemas pulmonares que acabaram por matá-lo. Autran sofria de câncer no pulmão e enfisema. Faleceu em 12/10/2007, na cidade de São Paulo .

Fontes: Net Saber; Paulo Autran - Biografia - UOL Educação.
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Paschoal Carlos Magno

Paschoal Carlos Magno (Rio de Janeiro RJ 13/01/1906 - idem 24/05/1980), teatrólogo, revistógrafo, crítico e compositor, foi uma personalidade fundamental na dinamização e renovação da cena brasileira. Fundou o Teatro do Estudante do Brasil e o Teatro Duse.

Em 1926, faz uma experiência como galã em Abat-Jour, de Renato Viana. Em 1928, tem uma fugaz participação, como ator, no Teatro de Brinquedo, de Álvaro Moreyra; e escreve críticas para O Jornal. Em 1929, lidera ampla campanha de coleta de recursos para fundar a Casa do Estudante do Brasil. 

Em 1930 sua canção Pierrot recebe a melodia do compositor Joubert de Carvalho, para a abertura de sua peça Pierrot, prestes a estrear no Rio de Janeiro pela companhia de Jaime Costa, da qual Paschoal assume a direção artística. Além de romântica, a canção deveria explorar o timbre agudo de Jorge Fernandes, o cantor escolhido para interpretá-la. No mesmo ano, recebe da Academia Brasileira de Letras, ABL, um prêmio por esta peça.

Em 1937, funda o Teatro do Estudante do Brasil, TEB, inspirado nos teatros universitários europeus, com uma função pedagógica, de formação teatral, e outra artística, de introduzir no nosso teatro a função do diretor teatral, cargo para o qual convoca a atriz Itália Fausta, que assina o primeiro espetáculo do grupo, Romeu e Julieta, de William Shakespeare, em 1938.

Em 1946, Paschoal tem representada em Londres, com boas críticas, a sua peça Tomorow Will Be Different, montada em vários outros países europeus, e também no Brasil. No mesmo ano, assume a coluna de crítica do jornal Democracia e, no ano seguinte, a do Correio da Manhã, que assina até 1961, através da qual exerce forte influência sobre o panorama teatral. 

Em 1948, sob sua orientação geral, e com direção do alemão Hoffmann Harnisch, o TEB monta Hamlet, de William Shakespeare, que alcança enorme sucesso e prestígio, sobretudo por revelar, no papel-título, o singular talento do jovem Sérgio Cardoso, então com 22 anos, a quem Paschoal define, na sua coluna, como sendo desde já o maior ator do Brasil. Sob a repercussão desse êxito, e das viagens de Paschoal pelo Brasil afora, teatros de estudantes começam a ser criados em várias cidades. 

Em 1949, Paschoal preside o lançamento pelo TEB, de um Festival Shakespeare, no Rio de Janeiro, com Romeu e Julieta, Macbeth e Sonho de Uma Noite de Verão; e cria, junto com a cantora Alda Pereira Pinto, o Teatro Experimental de Ópera.

Em 1952, Paschoal leva o TEB para extensa turnê pelo norte, com peças de Sófocles, Eurípides, William Shakespeare, Gil Vicente, Henrik Ibsen, Martins Pena. No mesmo ano, dá início a uma outra iniciativa importante: o Teatro Duse, uma sala de aproximadamente 100 lugares e um palco mínimo, instalada no casarão de Paschoal, em Santa Tereza. Inaugurado em 1952, com João Sem Terra, de Hermilo Borba Filho, o Duse funciona, com ingresso gratuito, até 1956, revelando, entre outros, Aristóteles Soares, Francisco Pereira da Silva, Leo Vitor, Antônio Callado, Rachel de Queiroz, Paulo Moreira da Fonseca, Maria Inês Barros de Almeida, e conquistando um lugar de prestígio no panorama cultural do Rio de Janeiro. 

Nomeado responsável pelo setor cultural e universitário da Presidência da República por Juscelino Kubitschek, desloca-se permanentemente pelo país afora, garimpando jovens talentos e lutando pela criação ou dinamização de espaços onde eles possam dar vazão à sua ânsia de aprender e criar. Em 1958, organiza em Recife o primeiro Festival Nacional de Teatros de Estudantes, reunindo mais de 800 jovens e dando início a uma tradição que prosseguirá até o sexto festival.

Nomeado, em 1962, secretário geral do Conselho Nacional de Cultura, realiza a Caravana da Cultura, reunindo 256 jovens artistas que percorrem os Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Sergipe e Alagoas, apresentando espetáculos de teatro, dança e música e realizando exposições de artes plásticas e distribuição de livros e discos. Uma iniciativa semelhante, a Barca de Cultura, que desce pelo Rio São Francisco de Pirapora a Juazeiro, é promovida por Paschoal já na década de 70. 

O golpe de 1964 o afasta dos centros do poder e prejudica a sua carreira diplomática. Sua última grande realização inicia-se em 1965, quando ele inaugura, no interior do Estado do Rio de Janeiro, a Aldeia de Arcozelo, da qual pretende fazer um local de repouso para artistas e intelectuais e um centro de treinamento para as diferentes áreas das artes. 

Mas a volumosa obra consome o resto da sua fortuna e o obriga a vender o seu casarão de Santa Tereza para pagar as dívidas. Ainda assim, o dinheiro revela-se insuficiente, e Paschoal ameaça publicamente tocar fogo na fazenda. Alguns auxílios, oficiais ou privados, chegam a ser liberados; mas até hoje a Aldeia de Arcozelo encontra-se fechada sob o domínio da Fundação Nacional de Artes Cênicas.

Fontes: Enciclopédia Itaú Cultural; A Canção no Tempo – Vol. 1 – Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello – Editora 34.

Em 1937, funda o Teatro do Estudante do Brasil, TEB, inspirado nos teatros universitários europeus, com uma função pedagógica, de formação teatral, e outra artística, de introduzir no nosso teatro a função do diretor teatral, cargo para o qual convoca a atriz Itália Fausta, que assina o primeiro espetáculo do grupo, Romeu e Julieta, de William Shakespeare, em 1938.

Em 1946, Paschoal tem representada em Londres, com boas críticas, a sua peça Tomorow Will Be Different, montada em vários outros países europeus, e também no Brasil. No mesmo ano, assume a coluna de crítica do jornal Democracia e, no ano seguinte, a do Correio da Manhã, que assina até 1961, através da qual exerce forte influência sobre o panorama teatral. 

Em 1948, sob sua orientação geral, e com direção do alemão Hoffmann Harnisch, o TEB monta Hamlet, de William Shakespeare, que alcança enorme sucesso e prestígio, sobretudo por revelar, no papel-título, o singular talento do jovem Sérgio Cardoso, então com 22 anos, a quem Paschoal define, na sua coluna, como sendo desde já o maior ator do Brasil. Sob a repercussão desse êxito, e das viagens de Paschoal pelo Brasil afora, teatros de estudantes começam a ser criados em várias cidades. 

Em 1949, Paschoal preside o lançamento pelo TEB, de um Festival Shakespeare, no Rio de Janeiro, com Romeu e Julieta, Macbeth e Sonho de Uma Noite de Verão; e cria, junto com a cantora Alda Pereira Pinto, o Teatro Experimental de Ópera.

Em 1952, Paschoal leva o TEB para extensa turnê pelo norte, com peças de Sófocles, Eurípides, William Shakespeare, Gil Vicente, Henrik Ibsen, Martins Pena. No mesmo ano, dá início a uma outra iniciativa importante: o Teatro Duse, uma sala de aproximadamente 100 lugares e um palco mínimo, instalada no casarão de Paschoal, em Santa Tereza. Inaugurado em 1952, com João Sem Terra, de Hermilo Borba Filho, o Duse funciona, com ingresso gratuito, até 1956, revelando, entre outros, Aristóteles Soares, Francisco Pereira da Silva, Leo Vitor, Antônio Callado, Rachel de Queiroz, Paulo Moreira da Fonseca, Maria Inês Barros de Almeida, e conquistando um lugar de prestígio no panorama cultural do Rio de Janeiro. 

Nomeado responsável pelo setor cultural e universitário da Presidência da República por Juscelino Kubitschek, desloca-se permanentemente pelo país afora, garimpando jovens talentos e lutando pela criação ou dinamização de espaços onde eles possam dar vazão à sua ânsia de aprender e criar. Em 1958, organiza em Recife o primeiro Festival Nacional de Teatros de Estudantes, reunindo mais de 800 jovens e dando início a uma tradição que prosseguirá até o sexto festival.

Nomeado, em 1962, secretário geral do Conselho Nacional de Cultura, realiza a Caravana da Cultura, reunindo 256 jovens artistas que percorrem os Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Sergipe e Alagoas, apresentando espetáculos de teatro, dança e música e realizando exposições de artes plásticas e distribuição de livros e discos. Uma iniciativa semelhante, a Barca de Cultura, que desce pelo Rio São Francisco de Pirapora a Juazeiro, é promovida por Paschoal já na década de 70. 

O golpe de 1964 o afasta dos centros do poder e prejudica a sua carreira diplomática. Sua última grande realização inicia-se em 1965, quando ele inaugura, no interior do Estado do Rio de Janeiro, a Aldeia de Arcozelo, da qual pretende fazer um local de repouso para artistas e intelectuais e um centro de treinamento para as diferentes áreas das artes. 

Mas a volumosa obra consome o resto da sua fortuna e o obriga a vender o seu casarão de Santa Tereza para pagar as dívidas. Ainda assim, o dinheiro revela-se insuficiente, e Paschoal ameaça publicamente tocar fogo na fazenda. Alguns auxílios, oficiais ou privados, chegam a ser liberados; mas até hoje a Aldeia de Arcozelo encontra-se fechada sob o domínio da Fundação Nacional de Artes Cênicas.

Fontes: Enciclopédia Itaú Cultural; A Canção no Tempo – Vol. 1 – Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello – Editora 34.
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O irmão adquirido

Tempos atrás, o Walter Clark telefonou-me. Foi sumário: — "Preciso de ti". Ainda perguntei: — "Qual é o drama?". Fez suspense, fez mistério: — "Só pessoalmente". E já se despedia: — "Te espero. Vem já".

Meia hora depois, entro no seu gabinete, ali, na TV Globo. Tenho que esperar, porque ele despachava alguém. E, então, para fazer hora, vou espiar os quadros do meu amigo.

Walter Clark gosta de pintura e, pior, entende de pintura. Ao passo que eu, como o Otto Lara Resende, sou um idiota plástico. Certa vez, aconteceu uma, que considero antológica. Estávamos, eu e o Otto, na casa do Hélio Pellegrino. E paramos, um momento, diante de um Volpi. Veio o Hélio e jurou que o Volpi era "melhor que Portinari". Uma abjeta pusilanimidade crítica tapou-nos a boca. Mas, assim que o anfitrião virou as costas; ciciei para o Otto e o Otto ciciou para mim: — "Abominável Volpi! Horrendo Volpi!". Essa sinceridade cochichada lavou-nos a alma.

E, justamente, o escritório do Walter Clark está cheio de belas cópias de Cézanne, Gauguin, Degas, Monet etc. etc.

Aqui há um jóquei, ali uma bailarina, acolá uma mulata e, mais adiante, um clown. Falta-me entusiasmo visual. Para mim e o Otto, a boa pintura é como um texto chinês de cabeça para baixo. Súbito, ouço o Walter balbuciar, de puro assombro: — "Você veio da Hungria só para me tomar dinheiro?". Era verdade. O sujeito que lá estava viera, sim, de Budapeste, pedir-lhe setenta contos emprestados.

Walter quis um abatimento para cinqüenta. O patriota húngaro não transigiu: — "Setenta". E daí não saía. Walter subiu para sessenta. E ninguém percebeu que os papéis já se invertiam. O pedinte agora era o meu amigo. Sim, era ele que crispava as mãos numa súplica abjeta. O outro estava quase ofendido e quase enojado.

Houve um momento em que, nauseado, ergueu-se: — "Ou setenta ou nada". Então, batido, o Walter encheu o cheque dos setenta. O sujeito olha o papel, verifica a quantia, a data e a assinatura. E vai-se embora sem agradecer e sem se despedir.

Só então o Walter me chama. E confesso: — pasmei para o esplendor dos seus suspensórios. Não sei se me entendem. O meu amigo usa, hoje, os suspensórios dos gângsteres de Chicago, na Grande Depressão. São, por assim dizer, suspensórios paisagísticos, com figurinhas de flores, bezerros, vaquinhas, bodes, arvoredos, corações flechados.

Essas tatuagens encantadas fascinam, não só os visitantes da TV Globo, como os funcionários da casa. Eu diria que a única vaidade física do Walter Clark está nos suspensórios.

Começamos a conversar e ele foi direto ao assunto: — "Bola um programa de televisão. Coisa interessante. Pra você fazer com o Otto e o Hélio".

Seria um programa sem limite de tempo. E, todas as noites, ou mais precisamente, no fim da noite, eu, o Otto Lara Resende e o Hélio Pellegrino passaríamos em revista, e com a maior imodéstia, os grandes problemas do Brasil e do mundo.

Prometi ao Walter: — "Vou pensar".

Fui para casa e não me saíam da cabeça as vaquinhas desenhadas nos suspensórios. Quebrava a cabeça e não me ocorria uma idéia, um título, nada. Até que, de repente, fez-se luz. Imaginei um programa que se chamasse assim: — Os falsos canalhas. Repeti para mim mesmo: — Os falsos canalhas. Uma das vantagens do título era fazer mistério, fazer suspense. De resto, "canalha" era uma das palavras mais fortes, mais densas, mais patéticas da língua.

Quando liguei para o Walter, propondo o título, ele fez espanto: "Por que falsos canalhas?". Tratei de explicar. Todos os países e todos os idiomas têm uma seletíssima elite de "canalhas aparentes". Darei um exemplo. Imaginem um político, ou um poeta, ou um artista, ou um ministro, ou um funcionário. Parecem esculpidos em ignomínia.

Lembro-me de um rapaz que conheci, uma flor de rapaz. E todos o apontavam e cochichavam: — "Pulha da pior espécie!". Mas ninguém sabia de um gesto seu menos correto, de uma ação menos digna, de um sentimento menos nobre. Até que, uma tarde, eu próprio o vi passar, de braço, com a esposa linda.

Estava aí o mistério de sua reputação: — a mulher bonita.

E, de fato, não custa chamar de "escroque", de "gatuno", de "crápula", aquele que tem, em casa, uma Ava Gardner. O fato é que os "falsos canalhas" existem, por toda a parte. E o triste é quando o sujeito morre sem reabilitação.

Todos pensam, inclusive a própria família, que o morto foi realmente um pulha. Há sempre alguém, no dia de Finados, com vontade de lhe cuspir na cova.

Mas o que eu queria, na presente confissão, é contar uma experiência muito pessoal. Imaginem que, certa noite, meu irmão Mário Filho apresentou-me a Carlos Heitor Cony. É exatamente a pessoa: — Carlos Heitor Cony. Jornalista, polemista, romancista etc. etc.

Eu já o conhecia de nome e de vista. Vira-o, uma madrugada, nos Três Patetas, tomando café. Não sei se café ou sei lá. Não, não: Estava em pé, nos Três Patetas, junto ao balcão, e de cachimbo. Até o momento em que fomos apresentados, Cony era um cachimbo. Não uma pessoa, e não um artista. Um cachimbo.

Bem me lembro da nossa primeira conversa. Eis o que eu pensava: — que sujeito indesejável, irrespirável e cínico.

Eis a palavra: — cínico. Achei Carlos Heitor Cony de um cinismo abjeto e total. E não entendia por que Mário se afeiçoara a ele e tão profundamente. Dizia-me: — "O Cony! O Cony!". Em suma: — com meia hora de conversa, já não tive a menor dúvida: — era um canalha. Seu riso me ofendia e me humilhava. Na primeira pausa, aproveitei para me despedir.

Saí, desesperado e nem sei por que desesperado. Afinal, não tínhamos nenhuma relação especial, nenhuma intimidade.

Mas sentia uma angústia intolerável, como se a simples presença de Carlos Heitor Cony exalasse o tifo, a malária, a febre amarela.

E quantas vezes, depois disso, Mário me falou de Cony. Sim, o meu irmão continuava achando o amigo um maravilhoso ser. Eu não entendia nada. Mas senti, sempre, sempre, que Mário ia ser, e para sempre, amigo do canalha.

Até que, uma madrugada, às quatro e pouco, bate o telefone. Lúcia atende: — Mário acabara de morrer. Corri para vê-lo.

Na véspera, tomamos café juntos, no bar da esquina. E ele combinara, para o dia seguinte, uma chopada com o Hélio  Pellegrino. Debrucei-me sobre o irmão. As mãos entrelaçadas e com que estremecido amor. Tive pudor de beijá-lo.

Bem. Quero falar, não de mim, mas de Carlos Heitor Cony. Chegou, na casa de Mário, às seis da manhã. Pára diante de mim, abre os braços, grita: — "Como foi isso? Como foi isso?". O espanto veio antes da dor. Eu via, ali, um outro Cony, absurdo, irreal, jamais concebido. E, depois, ficou ainda, algum tempo, vagando por entre mesas e cadeiras — tão órfão de Mário.

Foi aí e só então que entendi a amizade que os unia.

O irreal, o absurdo, era o Cony cínico, o Cony pulha, o Cony obsceno; o verdadeiro Cony é o da orfandade brutal. Vi-o desabar. Afundou o rosto nas duas mãos, chorou alto, chorou forte.

E, naquele momento, eu me tornei seu irmão, para sempre.

Era, sim, o falso canalha.

[25/6/1968]
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A Cabra Vadia: novas confissões / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
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