segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Contos árabes

Alguém já teve uma boa tia que cuidando da gente, nós naquela época com sete ou oito anos (devia ser o ano de 1967 ou 1968), contasse histórias fantásticas, de aventuras mirabolantes, de aves gigantes, príncipes, sultões, reinos, ciclopes ou gênios enquanto nossos pais iam para a noite? Muita criança deve ter tido essa sorte e nós, eu e meu mano, também tivemos.

A tia Lea nos contagiou com o “extraordinário” e jamais esqueceremos aquelas noites felizes. Ela simplesmente nos contou todas as “As mil e uma noites”: quatro volumes traduzidos pelo francês Galland do árabe. “As nove viagens e aventuras do marinheiro Simbad”, “Ali Babá e os quarenta ladrões”, “Aladim e a lâmpada maravilhosa” é só um pouquinho do vasto conteúdo da obra que contagiou a minha imaginação infantil.

A obra, na verdade, parece ser mais antiga, narrativas que os árabes herdaram dos antigos persas, de cultura diferente, e que sincretizaram. Nas aventuras desses contos árabes é comum o califa Harun-Al-Rashid, grande comendador dos crentes (Bagdad, ano 840 d.C.) se disfarçar, junto com seu grão-vizir, de gente comum e sair pela cidade para descobrir as quantas andava sua popularidade. Isso não é propaganda para vender livro! Por favor! É só uma nostalgia que me acomete...

Entendo agora o porquê de eu gostar tanto da obra "Cem anos de Solidão": García Marquez usa muito dessa magia de tapetes voadores, ciganos, adivinhos, etc. Adoro mesmo essa tia Lea, até desconfio que ela fosse Sheerazade, a princesa que contava histórias toda noite, nunca as terminava, porque senão morreria... (este blogueiro saudoso)

"Não há necessidade de preveni-los sobre o mérito e a beleza dos contos incluídos nesta obra. Eles próprios se recomendam: basta lê-los para se concordar que, em tal gênero, jamais se viu coisa tão linda até agora noutra língua. Com efeito, haverá algo mais engenhoso do que se ter feito um todo de uma prodigiosa quantidade de contos, cuja variedade é tão surpreendente e cuja concate nação é tão admirável que parece haver sido escritos para compor a ampla coletânea donde estes foram extraídos? Digo ampla coletânea, pois o original árabe, intitulado “As Mil e Uma Noites”, possui trinta e seis partes; e não é senão a tradução da primeira que hoje damos a lume.

Ignora-se o nome do autor de tão grande obra, mas provavelmente ela não pertence a um único homem, porque, como se pode crer que um único homem tenha tido imaginação suficiente para tanta ficção? Se os contos dessa espécie são agradáveis e divertidos pelo maravilhoso que neles reina, estes devem superar quantos hajam aparecido, por estarem repletos de fatos que surpreendem e seduzem o espírito, e fazerem ver como ultrapassam os árabes as demais nações em tal gênero de composição” (Prefácio de Galland sobre a sua tradução de ‘Contos árabes’).

Antoine Galland nasceu em 1646 de pais pobres, fixados numa aldeiazinha da Picardia. Tinha apenas quatro anos, e era o sétimo filho, quando seu pai faleceu. Sua mãe, não sabendo que destino dar-lhe, e reduzida ela própria a viver do trabalho, tanto fez que conseguisse colocá-lo no colégio de Noyon, onde o principal e um cônego da catedral dividiram os cuidados e o custo da sua educação. Ali ficou até os treze anos, quando perdeu ao mesmo tempo os dois protetores, o que o obrigou a voltar para sua mãe com um pouco de latim, grego e até hebraico. Sua mãe decidiu, então, que ele devia aprender um oficio. Antoine obedeceu e, apesar da sua aversão, permaneceu um ano com um mestre.

Certo dia, porém, abandonou o serviço e tomou o caminho de Paris, sem outros recursos que o endereço de uma velha parente e o de um bom eclesiástico que vira, às vezes, em casa do cônego de Noyon. A tentativa logrou êxito que ultrapassou as suas esperanças. No colégio du Plessis, continuou os seus estudos; em seguida, com Petitpied, doutor da Sorbona, aprofundou- se no conhecimento do hebraico e outras línguas orientais, e preparou um catálogo dos manuscritos orientais da biblioteca de Sorbone.

Transferiu-se, depois, para o colégio Mazarino; um professor, Godoum, reunindo certo número de meninos de três ou quatro anos de idade somente, entre os quais o duque de la Meiileraye, pro pusera-se ensinar-lhes latim fácil e rapidamente, colocando-os ao lado de pessoas que não falassem outra língua. Galland, associado a tal trabalho, não teve tempo de ver o resultado.

Nointel, nomeado para a embaixada de Constantinopla levou-o consigo, para obter certas provas sobre artigos de fé que constituíam motivo de disputa entre Arnaud e o ministro Claude. Galland, chegado a Constantinopla, adquiriu em pouco tempo o uso do grego vulgar, e acompanhou Nointel a Jerusalém e demais lugares da Terra Santa, onde se pôs a pesquisar, anunciando ao embaixador as curiosidades descobertas; copiou inscrições, desenhou da melhor maneira possível outros monumentos, removendo-os também às vezes, e é a ele que devemos, entre outros, os singulares mármores hoje no gabinete de Baudelot. Galland não julgou oportuno acompanhar a Constantinopla Nointel, preferindo voltar para Paris, onde chegou em 1675. Ali travou conhecimento com Vaillant, Carcavy e Giraud. Estes o enviaram de novo ao Oriente, donde ele trouxe, no ano seguinte, numerosos medalhões.

Em 1679, Galland empreendeu terceira viagem, por conta da companhia das Índias Orientais. As mudanças sobrevindas na companhia interromperam os estudos, dezoito meses depois: mas Colbert, informado, empregou-o por conta própria; após a sua morte, o marquês de Louvois fez com que Galland continuasse ainda por algum tempo as suas pesquisas, com o título de antiquário do rei. Durante a sua longa permanência, Galland aprendeu a fundo o árabe, o turco e o persa.

Em Esmirna, quase morreu num espantoso tremor de terra. Na sua volta a Paris, auxiliou Thévenot, guarda do biblioteca do rei, até que este faleceu. Empregou-o em seguida Herbelot. Mas este também morreu em breve, deixando incompleto o seu trabalho. Continuou-o Galland, tal qual o temos, e escreveu o prefácio da obra, que passou a chamar-se Biblioteca Oriental. Participou da edição do Menagiana, aparecida então. Julga-se até que foi êle que forneceu o material do primeiro volume.

Pouco antes, dera a lume uma Relação da morte do sultão Osmã, e da coroação do sultão Mustafá, traduzida do turco, e uma Coletânea de máximas e ditos, tirados das obras dos orientais. Após a morte de Herbelot, apegou-se Galland a Bignon, primeiro presidente do grande conselho, que, por gosto hereditário, queria ter sempre ao seu lado um homem de letras. Bignon morreu no ano seguinte. Parecia ser destino de Galland perder sempre tão úteis proteções. Mas a proteção do digno magistrado ultrapassou os limites comuns, tanto que lhe deixou uma pensão. Além disso, Foucault, conselheiro de Estado, intendente naquela ocasião na Baixa Normandia, chamou-o ao seu lado. No suave lazer de tão tranqüila posição, no meio de uma ampla biblioteca, Galland compôs várias obras menores.

Foi aí que começou a imensa tradução dos Contos Árabes, tão conhecidos pelo nome de Mil e Uma Noites. Galland foi admitido pelo rei à academia das Inscrições. E imediatamente empreendeu para ela um Dicionário numismático, contendo a explicação dos nomes das dignidades, dos títulos de honra, e em geral de todos os termos singulares encontráveis nas medalhas antigas, gregas e romanas. Regressou, finalmente, para Paris em 1706.

Em 1709 foi nomeado professor de língua árabe no colégio real. Há outras obras escritas por Galland: Uma Relação das suas viagens, uma descrição particular da cidade de Constantinopla, adendas à Biblioteca Oriental de Herbelot, um catálogo dos historiadores turcos, árabes e persas, uma história geral dos imperadores turcos, uma tradução do Corão, com notas histórico-críticas, uma continuação da tradução das Mil e uma Noites.

Galland trabalhava sem cessar, fossem quais fossem as suas condições, pouca atenção dando às necessidades, e nenhuma ao conforto. Só tinha em mente a exatidão. Simples nos hábitos e nas maneiras como nas obras, teria ensinado por toda a vida a crianças os primeiros elementos de gramática com o mesmo prazer com o qual demonstrava a sua erudição em diferentes matérias.

Morreu em 17 de fevereiro de 1715, aos 69 anos.O amor das letras foi a última coisa que nele se extinguiu. Pouco antes da morte, julgou que as suas obras, o único bem por ele deixado, poderiam perder-se, pelo que deixou disposições, fielmente executadas, a fim de que os manuscritos orientais passassem para a biblioteca do rei, o Dicionário numismático para a Academia, e a sua tradução do Corão para o padre Bignon, como penhor da sua estima e do seu reconhecimento.
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Igreja da Imaculada Conceição



A Igreja da Imaculada Conceição está localizada no centro histórico de Itajaí. É o monumento mais significativo da história itajaiense. A atual construção resulta da ampliação da antiga matriz edificada em pedras e tijolos, a partir de 1834, pelo escravo Simão pertencente ao Coronel Agostinho Alves Ramos e que substituiu a primitiva capela de pau a pique começada em 1823. Nela se encontram belos exemplos de arte sacra.
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O circo e seus palhaços cantores

As melhores atrações dos circos brasileiros, no final do século XIX e no início do século XX, eram os palhaços cantores. Foram eles, usando seus picadeiros itinerantes, os pioneiros na divulgação da música popular. A principio, nem eram considerados circenses. No Brasil, os primeiros grupos de saltimbancos que percorriam o país eram conhecidos como volantins ou burlantins. Somente no século XIX é que alcançam o status de circenses, começando a instalar seus teatros de lona nas principais cidades brasileiras.

São Paulo era das mais procuradas, por sua população de imigrantes europeus, já afeitos ao gênero de espetáculo. Estatísticas dizem que, em 1897, os 200 mil habitantes de São Paulo contavam com as diversões e atividades de lazer bastante raras, no mais das vezes esportivas e domingueiras. Os paulistanos tinham três teatros, oito jornais diários e o maior deles, O Estado de São Paulo, com tiragem de apenas seis mil exemplares. Nesse clima ideal para os circenses. De 1887 a 1914, foram listadas mais de quarenta companhias do gênero, que se estabeleceram na cidade.

Foi a época de ouro de dois grandes circos que, tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro, eram reconhecidos como os dois melhores do país e disputavam entre si o primeiro lugar. O circo Spinelli, ao ser armado – garantem os contemporâneos que melhor seria dizer construído – no Rio de Janeiro, encostado no viaduto da Estrada de Ferro Central do Brasil, sua lona chegava até a Rua Figueira de Melo, por coincidência, na mesma região onde se encontra a Escola Municipal do Circo. Era todo cercado de madeira, com arquibancadas confortáveis, platéia assoalhada e picadeiro com altura de um metro e meio. Um verdadeiro teatro.

A revista “Máscara”, da época, em matéria jornalística sobre a qualidade do circo, garantia: “Artista que ali atuasse tal o prestígio da casa, estava definitivamente feito, glorificado, em condições de ingressar em qualquer elenco de renome do Centro”, confirmando o papel de lançador de novidades musicais, reservado aos circos naquele momento.

No final do ano de 1897, o Circo-Pavilhão Internacional, armado com quase a mesma pompa na Rua Voluntários da Pátria, ainda no Rio de Janeiro, anunciava: “Dudu das Neves o primeiro palhaço brasileiro fará as delícias da noite com suas magníficas canções e lundus, acompanhado com seu choroso violão”.

Eram, então, os dois circos os espaços privilegiados de lançamentos da música popular brasileira, em especial lundus, chulas e modinhas, alguns dos principais formadores do samba, o qual, em seguida, viria a ter seu lugar também naqueles picadeiros, apresentado por cantores em início de carreira. Durante muito tempo, o circo continuaria sendo uma alternativa de bom dinheiro para cantores de rádio em geral, pois, não existindo televisão, era a única maneira de se fazerem conhecer pessoalmente por seu público do interior do país.

Os maiores astros-cantores dos Circos Spinelli e Internacional eram os palhaços Eduardo das Neves (Dudu) e Benjamim de Oliveira. O pesquisador e historiador José Ramos Tinhorão analisa o prestígio do palhaço-cantor para a música brasileira: “e na parte que interessa mais diretamente à música popular, o circo ia revelar durante quase um século a importância de veiculador das formas de teatro musicado das cidades, com suas bandas e seus números de show, ficando reservada especialmente à figura do palhaço – ao lado de sua função cômica específica – a de equivalente dos conçonetistas de teatro e, mais tarde, dos cantores de auditório de rádio”.

O início do século XX manteve o prestígio do circo e, ao lado dos palhaços-cantores, já começavam a aparecer artistas que se dedicavam exclusivamente ao canto. O sucesso variava de acordo com a qualidade do circo onde se exibissem e com o tipo de público atingido. Muitos pequenos circos tinham seus também pequenos cantores, que se limitavam a repetir os repertórios apresentados nos picadeiros maiores por astros já consagrados, formando elos de uma grande corrente de divulgação.É a época em que surgem também no circo cantores como Mário Pinheiro, Francisco Alves, Vicente Celestino, Cadete e o próprio Bahiano, famoso por ser o primeiro a ter repertório gravado em discos no Brasil. Com ele, em mais de vinte duetos, a cantora Júlia Martins. Todos se valendo dos picadeiros para mostrar e divulgar seus trabalhos, aproveitando-se da melhor fase circense, e mesmo quando esta começa e decair, para ceder lugar a outros meios de comunicação e lazer.

Mas, nos princípios do século XX, o espetáculo circense ainda era importante. A temporada paulista do Circo Spinelli, na Alameda Barão de Limeira, foi ocasião festejada pela população e por jornais e revistas. Que registraram o sucesso feito por todos os artistas, mas “principalmente pelo nosso simpático Benjamim de Oliveira, que além de desempenhar seu papel como palhaço, nas pantomimas não tem rival e canta suas canções como ninguém”.

Chegando aos anos 20, dificilmente tal efusão voltaria a ocorrer. Os circos já haviam cedido espaço para o teatro de revista e o “cinematógrapho” aparecia como a novidade que arrebataria o público para as escuras salas de projeção. No comentário sobre a montagem de um circo na Avenida Rangel Pestana, um cronista escrevia que “o público do Brás já não aprecia esse gênero de diversões”.Numa tentativa de reação, os grandes circos deixavam de ser itinerantes, fixavam-se nas maiores cidades, procuravam uma união com o inimigo, promovendo sessões mistas de artes circenses e projeções cinematográficas. Mas, como lançador e principal divulgador da música popular, seu papel tinha se esgotado.

Lembro-me da introdução daquela canção "O ébrio" (1936) onde Vicente Celestino conta que no começo era "cantor lírico de grande fama" e termina sendo vaiado em pleno picadeiro de um circo: " ... E uma noite, quando eu cantava ainda mais uma vez "A Força do Destino", Deus levou a minha filha para nunca mais voltar. Daí pra cá eu fui caindo, caindo, passando dos teatros de alta categoria para os de mais baixa. Até que acabei por levar uma vaia cantando em pleno picadeiro de um circo. Nunca mais fui nada. Nada, não! Hoje, porque bebo a fim de esquecer a minha desventura, chamam-me ébrio. Ébrio..." Nota-se que os cantores de circo ( e também os circos) realmente decairam já na década de 30 para 40, mas ainda levou muito tempo. O que não se entende é que ainda existam circos itinerantes em pleno século 21 (nota do blogueiro).


Fontes: História do Samba - Editora Globo e Cifrantiga - A história da MPB e Cifras.
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