terça-feira, 7 de agosto de 2012

O naufrágio mais antigo do Brasil

A equipe de arqueólogos e mergulhadores que descobriu no litoral de Santa Catarina fragmentos de um navio espanhol identificou que as peças correspondem a um naufrágio ocorrido em 1583, o mais antigo que se tem notícia no Brasil.

A primeira peça foi encontrada em 2005, mas foi apenas recentemente, quando trouxeram à superfície novos vestígios e após uma pesquisa histórica, que veio a comprovação de que se trata de um navio espanhol afundado no século 16, afirmaram à Agência Efe fontes da ONG Projeto Barra Sul e da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), responsáveis pela descoberta.

As peças resgatadas e a pesquisa indicaram que o naufrágio é de um navio integrante de uma frota que partiu da Espanha em 1581 com o objetivo de construir duas fortalezas no Estreito de Magalhães - passagem natural entre os oceanos Atlântico e Pacífico - para conter o avanço dos piratas ingleses que ameaçavam os territórios descobertos na América.

Documentos históricos situam o acidente no dia 7 de janeiro de 1583 no litoral brasileiro. "No dia 14 de março, começaremos uma nova temporada de mergulho para tentar retirar o máximo de objetos", adiantou à Efe Beth Karam, assessora de imprensa da Unisul.

Conforme os responsáveis, até abril será possível retirar todo o material depositado em um banco de areia de três metros de extensão e descobrir o restante da embarcação. A descoberta foi atribuída aos mergulhadores do Projeto Barra Sul, uma organização criada em 2005 para encontrar vestígios arqueológicos submarinos no litoral de Santa Catarina e que até o momento localizou outros três naufrágios do século 16.

A primeira peça do navio resgatada foi uma pedra com desenho em alto-relevo de dois leões e dois castelos com um símbolo português no meio. Esse escudo remete aos reinos de León y de Castilla e ao período da União Ibérica, quando os reinos de Espanha e Portugal eram unificados, entre 1580 e 1640. Para os arqueólogos, a pedra aparentemente seria colocada na entrada da fortaleza.

Os pesquisadores resgataram ainda uma placa triangular, datada de 1582, com o nome do então rei da Espanha, Felipe II. Segundo os especialistas, o objeto seria um distintivo de posse que os navegantes e descobridores costumavam deixar como marco nos territórios explorados pela primeira vez.

Nas expedições submarinas de março, os mergulhadores tentarão recuperar um canhão, cerâmicas, pedras de lastro e projéteis de diferentes calibres já avistados. O litoral de Santa Catarina, que no século 16 ainda não havia sido colonizado por Portugal, foi rota de várias expedições espanholas a partir da realizada em 1525 por Rodrigo de Acuña, que deixou 17 de seus tripulantes na ilha de Santa Catarina, onde posteriormente Florianópolis foi fundada.

Entre os expedicionários que passaram por Santa Catarina estão Sebastián Caboto (1526-1527) e Álvar Núñez Cabeza de Vaca, que desembarcou na região em 1541 para seguir por terra até o Paraguai, sendo o primeiro europeu a avistar as Cataratas do Iguaçu. O Projeto Barra Sul considera que a região é um cemitério de navios, ponto "estratégico e crítico por ser o último porto para abastecimento dos navegantes europeus com destino ao Rio da Prata e ao Estreito de Magalhães, e por causa do leito acidentado e bancos de areias móveis", explicou Gabriel Corrêa, diretor do projeto.

Fontes: Terra; G1.
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sábado, 4 de agosto de 2012

Caixinha de música

Que Deus perdoe a todos aqueles que cometem a injustiça de achar que são fantasiosas as histórias que a gente escreve; que Deus os perdoe porque são absolutamente verídicos os momentos vividos pelo vosso humilde cronista e que aqui vão relatados.

Foi há dias, pela manhã, que fui surpreendido pelo pedido da garotinha: queria que eu trouxesse uma nova bone¬quinha com música. Bonequinha com música — fica desde já esclarecido — são essas caixinhas de música com uma bailarina de matéria plástica rodopiando por cima. É um brinquedo caríssimo e que as crianças estraçalham logo, com uma ferocidade de center-forward.

Como a garotinha está com coqueluche, achei que seria justo fazer-lhe a vontade, mesmo porque este é o primeiro pedido sério que ela me faz, se excetuarmos os constantes apelos de pirulitos e kibons.

Assim, logo que deixei a redação, às cinco da tarde, tratei de espiar as vitrinas das lojas de brinquedos, em busca de uma caixinha de música mais em conta. E nessa peregrinação andei mais de uma hora, sem me decidir por esta ou aquela, já adivinhando o preço de cada uma, até que, vencido pelo cansaço, entrei numa casa que me pareceu mais modestinha.

Puro engano. O que havia de mais barato no gênero custava oitocentos cruzeiros, restando-me apenas remotas possibilidades de êxito, num pedido de desconto. Mesmo assim tentei. Disse que era um absurdo, que um brinquedo tão frágil devia custar a metade, usei enfim de todos os argumentos cabíveis, sem conseguir o abatimento de um centavo.

Depois foi a vez do caixeiro. Profissional consciencioso, foi-lhe fácil falar muito mais do que eu.

— O doutor compreende. Isto é uma pequena obra de arte e o preço mal paga o trabalho do artista. Veja que beleza de linhas, que sonoridade de música. E a mulherzinha que dança, doutor, é uma gracinha.

Pensei cá comigo que, realmente, as perninhas eram razoáveis, mas já ia dizer-lhe que existem mulheres verdadeiras por preço muito mais acessível, quando ele terminou a sua exposição com uma taxativa recusa:

— Sinto muito, doutor, mas não pode ser.

E eu, num gesto heróico, muito superior às minhas reais possibilidades, falei, num tom enérgico:

— Embrulhe!

Devidamente empacotada a caixinha de música, botei-a debaixo do braço, paguei com o dinheiro que no dia seguinte seria do dentista e saí à cata de condução. Dobrei a esquina e parei na beira da calçada, no bolo de gente que esperava o sinal "abrir" para atravessar. Foi quando a caixinha co¬meçou a tocar.

Balancei furtivamente com o braço, na esperança de fazê-la parar e, longe disso, ela desembestou num frenético Danúbio azul que surpreendeu a todos que me rodeavam. Primeiro risinhos esparsos, depois gargalhadas sinceras que teriam me encabulado se eu, com muita presença de espírito, não ficasse também a olhar em volta, como quem procura saber donde vinha a valsinha.

Quando o sinal abriu, pulei na frente do bolo que se formara junto ao meio-fio e foi com alívio que notei, ao chegar na outra calçada, que a música parara. Felizmente acabara a corda e eu podia entrar sossegado na fila do lotação, sem passar por nenhum vexame.

Mas foi a fila engrossar e a caixinha começou outra vez.

"O jeito é assoviar" — pensei. E tratei de abafar o som com o meu assovio que, modéstia à parte, é até bastante afinado. Mesmo assim, o cavalheiro de óculos que estava à minha frente virou-se para trás com ares de incomodado, olhando-me de alto à baixo com inequívoca expressão de censura. Fiz-me de desentendido e continuei o quanto pude, apesar de não saber a segunda parte do Danúbio azul e ser obrigado a inventar uma, sem qualquer esperança de futuros direitos autorais. E já estava com ameaça de cãibra no lábio, quando despontou o lotação, no justo momento em que a música parou.

Entrei e fui sentar encolhido num banco onde se encontrava uma mocinha magrinha, porém não de todo desinteressante. Fiquei a fazer mil e um pedidos aos céus para que aquele maldito engenho não começasse outra vez a dar espetáculo. E tudo teria saído bem se, na altura do Flamengo, um camarada do primeiro banco não tocasse a campainha para o carro parar. Com o solavanco da freada, o embrulho sacudiu no meu colo e os acordes iniciais da valsa se fizeram ouvir, para espanto da mocinha não de todo desinteressante. Sorri-lhe o melhor dos meus sorrisos e ter-lhe-ia mesmo explicado o que se passava se ela, cansada talvez de passados galanteios, não tivesse me interpretado mal. Fez uma cara de desprezo, murmurou um raivoso "engraçadinho" e foi sentar-se no lugar que vagou.

Dali até a esquina de minha rua, fui o mais sonoro dos passageiros de lotação que registra a história da linha "Estrada de Ferro—Leblon". O Danúbio azul foi bisado uma porção de vezes, só parando quando entrei no elevador. Já então sentia-me compensado de tudo. A surpresa que faria à garotinha me alegrava o bastante para esquecer as recentes desventuras.

Entrei em casa triunfante, de embrulho em riste a berrar:

— Adivinhe o que papai trouxe?

Rasguei o papel, tirei o presente e dei corda, enquanto ela, encantada, pulava em torno de mim. Mas até agora, passadas 72 horas, a caixinha ainda não tocou.

Enguiçou.

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Fonte: "Dois amigos e um chato", Stanislaw Ponte Preta - Coleção Veredas - 23a. edição - Editora Moderna
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Cara ou coroa

Cara — Meu marido é um homem muito regrado, queridinha. Dorme sempre cedo, não fuma e não bebe uma gota.
Coroa — Pressão arterial.

Cara — O jogo foi pontilhado de incidentes, com joga¬das bruscas de ambos os times, chegando os jogadores às agressões mútuas, sob o olhar complacente do árbitro.
Coroa — Jogo amistoso.

Cara — Tu é besta, seu! A moçada num fizero nada por causa de que faltou fibra, tá? Se é o meu ali eles entrava bem.
Coroa — Rubro-negro.

Cara — Você me encontra às três no café e vamos até lá bater um papo com ele. Depois, se você quiser, podemos ir a um cinema qualquer pra fazer hora.
Coroa — Funcionário público.

Cara — Que bobagem. Comemos um sanduíche e pronto, estamos almoçados. Comer em restaurante demora muito.
Coroa — Véspera de pagamento.

Cara — Essas bebidas estrangeiras são de morte. É tudo falsificado. A mim é que elas não pegam. Sempre que posso evitar de tomar uísque, gim e outras bombas, eu evito.
Coroa — Cachaceiro.

Cara — Meu bem, sou eu.. Olha, você vai jantando e não precisa se incomodar de guardar comida para mim. O chefe resolveu adiantar aqui uns processos e eu estou com cerimônia de me mandar e deixá-lo sozinho na repartição.
Coroa — Boate.

Cara — É o cúmulo a importância que os semanários dão a essas mocinhas do Arpoador. Umas sirigaitas muito sem-vergonhas, tirando retrato quase nuas, para essas reportagens frívolas. Eu, hem?
Coroa — Feia.

Cara — O aumento do custo de vida no Brasil é uma conseqüência lógica do desenvolvimento do País, insuflado pelo crescimento da população e outros fenômenos dos quais só podemos nos orgulhar.
Coroa — Rico.

Cara — As crianças de hoje devem ser educadas através de métodos da moderna pedagogia, baseados em estudos da psicologia infantil. Na fase atual é um verdadeiro crime os pais gritarem ou baterem nos filhos.
Coroa — Solteira.

Cara — Trago comigo recortes com comentários sobre as minhas atuações. Gostei imensamente de lá. Eles adoram a bossa-nova e eu só não fiquei mais tempo porque senti saudades da nossa terra.
Coroa — Cantor voltando do estrangeiro.

Cara — A beldade em questão é professora diplomada e relutou muito em aceitar o convite para se candidatar, pois adora o magistério. Lê muito e seu ator favorito é Somerset Maugham, adora poesia e gosta de praia. Não joga, não fuma e não bebe.
Coroa — Candidata a miss.

Cara — O Rio é muito mais lindo do que imaginava. Copacabana é um sonho das Mil e uma noites que se tornou realidade. O Pão de Açúcar é uma beleza e, quando voltar ao Brasil, gostaria de ir ver Brasília.
Coroa — Visitante ilustre, no Galeão.

Cara — Um dia ainda hei de me dedicar ao lar, sem prejuízo de minha carreira.
Coroa — Atriz.

Cara — Minha peça é uma sátira aos costumes moder¬nos, pois minha intenção era dar um cunho social à trama. A mensagem nela contida é o protesto popular contra as injustiças da sociedade.
Coroa — Autor estreante.

Cara — Os compromissos que assumimos para com o povo nos obrigam a combater as forças imperialistas, o capital colonizador, os grandes trustes, toda e qualquer opressão sobre o operariado e suas justas reivindicações.
Coroa — Deputado da esquerda.

Cara — É nosso dever combater sem tréguas as constantes tentativas de subverter as massas, as sistemáticas infiltrações no meio das classes operárias, os falsos representantes do povo, que se arvoram em seus defensores para fins inequívocos.
Coroa — Deputado da direita.

Cara — Tudo faremos pela vitória. Um abraço para os meus familiares.
Coroa — Jogador de futebol.

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Fonte: "Dois amigos e um chato", Stanislaw Ponte Preta - Coleção Veredas - 23a. edição - Editora Moderna
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