O Rosa se meteu com uma dessas mulheres para as quais o sentimento de fidelidade vale tanto quanto um par de patins para um perneta. Rosamundo, no começo, não percebeu. Aquela sua vaguidão. Mas os amigos acharam demais. A deslumbrada passava o coitado para trás de uma maneira que eu vou te contar.
Aí os amigos se queimaram na parada, chamaram o Rosa num canto e deram o serviço. Eu não me meti porque acho que ninguém tem o direito de impedir os amigos de amarem errado.
Sou como Tia Zulmira, que considera a experiência pessoal a única coisa intransferível desta vida, tirante, é claro, a ida dos ministérios para Brasília. Se o cara nunca amou errado, tem que amar uma vez, para aprender.
Mas — sinceramente — eu que conheço Rosamundo tão bem, até hoje não sei dizer o que ele é mais: se distraído ou emotivo. Ao reparar que almoça não era merecedora, ficou numa melancolia de pingüim no Ceará. Não comia, não dormia e acabou apelando para a mais amena das ignorâncias, ou seja, o gargalo. Ficou mais de uma semana enchendo a cara. De "Correinha" a "House of Lords", Rosamundo bebeu de tudo.
Como diz aquele sambinha do João Roberto Kelly, "mulher que se afoga em boteco, é chaveco". Em vez de esquecer a infiel, Rosa foi se tornando um escravo dela. Fez até um tango, que começava assim: "Yo sé que tu eres una vaca..." e terminava, como terminam todos os tangos, isto é, plam-plam...
Ontem, ele estava no máximo da fossa. Mais triste que juriti piando em fim de tarde. Sua depressão chegara ao ponto fulminante, se é que depressão culmina. Desolado, foi para casa, tomou mais umas e outras e sentou-se na escrivaninha para escrever um bilhete de suicida.
O bilhete de Rosamundo não diferia muito dos bilhetes de todos os suicidas. Despedia-se da vida, pedia para não culparem ninguém e pedia desculpas aos que lhe queriam bem, pelo tresloucado gesto.
Em seguida foi para o banheiro, forrou o chão com uma toalha, calafetou a porta e a janela, abriu o bico do aquecedor e deitou-se para morrer. Mas Rosamundo e distraído demais.
Acordou de manhã com o corpo todo doído de ter dormido no ladrilho. Como, minha senhora, por que foi que ele não morreu? Era greve do gás, madama.
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Aí os amigos se queimaram na parada, chamaram o Rosa num canto e deram o serviço. Eu não me meti porque acho que ninguém tem o direito de impedir os amigos de amarem errado.
Sou como Tia Zulmira, que considera a experiência pessoal a única coisa intransferível desta vida, tirante, é claro, a ida dos ministérios para Brasília. Se o cara nunca amou errado, tem que amar uma vez, para aprender.
Mas — sinceramente — eu que conheço Rosamundo tão bem, até hoje não sei dizer o que ele é mais: se distraído ou emotivo. Ao reparar que almoça não era merecedora, ficou numa melancolia de pingüim no Ceará. Não comia, não dormia e acabou apelando para a mais amena das ignorâncias, ou seja, o gargalo. Ficou mais de uma semana enchendo a cara. De "Correinha" a "House of Lords", Rosamundo bebeu de tudo.
Como diz aquele sambinha do João Roberto Kelly, "mulher que se afoga em boteco, é chaveco". Em vez de esquecer a infiel, Rosa foi se tornando um escravo dela. Fez até um tango, que começava assim: "Yo sé que tu eres una vaca..." e terminava, como terminam todos os tangos, isto é, plam-plam...
Ontem, ele estava no máximo da fossa. Mais triste que juriti piando em fim de tarde. Sua depressão chegara ao ponto fulminante, se é que depressão culmina. Desolado, foi para casa, tomou mais umas e outras e sentou-se na escrivaninha para escrever um bilhete de suicida.
O bilhete de Rosamundo não diferia muito dos bilhetes de todos os suicidas. Despedia-se da vida, pedia para não culparem ninguém e pedia desculpas aos que lhe queriam bem, pelo tresloucado gesto.
Em seguida foi para o banheiro, forrou o chão com uma toalha, calafetou a porta e a janela, abriu o bico do aquecedor e deitou-se para morrer. Mas Rosamundo e distraído demais.
Acordou de manhã com o corpo todo doído de ter dormido no ladrilho. Como, minha senhora, por que foi que ele não morreu? Era greve do gás, madama.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: GAROTO LINHA DURA - Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975