quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Teatro de Revista - Parte Final

Parte Final: O Luxo e a Decadência

"Depois de largo período de entrosamento com o samba, o Teatro de Revista se volta para o luxo e abandona a faceta de lançador de sucessos, até que a censura e a televisão o levam à decadência."

Manuel Pinto foi um dos empresários mais bem sucedidos do teatro de revista, no início do século. Coube a Walter Pinto herdar o gosto do pai pelo negócio, fazê-lo crescer e tornar-se um dos mais ricos produtores do setor. Para isso, contribuíram alguns fatores que acabaram por influir na própria cultura popular carioca e, mais remotamente, brasileira.

A fim de ganhar mais dinheiro que o pai, Walter Pinto ousou mais. Investiu, procurou caminhos diferentes, modificou esquemas e teve êxito. Quem se deu mal nesse contexto foi o samba, a médio prazo.

Ao assumir, o novo empresário decidiu que ninguém teria mais destaque que ele em seus espetáculos. Assim, durante anos, uma enorme fotografia sua aparecia no cartaz do teatro e nos anúncios dos jornais, garantindo: Walter Pinto apresenta. E seguiam-se os nomes (sem fotografia de ninguém) dos mais famosos artistas do teatro de revista, em ordem de importância, as vedetes, os comediantes, as modelos, as atrações. Com isso, criou sua marca registrada.

As pessoas não iam ao teatro ver esse ou aquele artista; iam ver um espetáculo de Walter Pinto, o que era sinônimo de qualidade. Ao menos da qualidade que seu gosto passou a impor, modificando inteiramente o conceito de se fazer revista, vigente até os anos 40. Da mesma forma que a Ba-Ta-Clan e outras companhias de revista européias mudaram o formato revisteiro no princípio do século, Walter Pinto voltaria a fazê-lo, nesse momento de transformação.

A diferença foi que, na primeira reviravolta, o samba ganhou espaço para se apresentar. O talento das estrelas estava centrado nas vozes e interpretações, embora a beleza das pernas e demais atributos físicos fossem também da maior importância. Mas, quem não cantasse bem, não se escorasse em um bom samba inédito a cada estréia, teria carreira curta e dificilmente chegaria ao estrelato.

Luxuosa montagem de Walter Pinto, anos 40
Uma das primeiras luxuosas montagens de Walter Pinto, no Teatro Recreio, no Rio de Janeiro, anos 40.
Com o advento da era Pinto, tudo mudou, O eixo do talento foi transferido, o essencial era a beleza física e, principalmente, o desembaraço no trato com o público. Para ser vedete, era fundamental o jogo de cintura, que permitia enfrentar o chamado “número de platéia”. Nele, a atriz, em trajes mínimos, depois da breve introdução de um assunto malicioso, dialogava com a platéia e tinha que ter a necessária rapidez de raciocínio para responder, quase sempre com duplo sentido, a quaisquer perguntas, sem se deixar embaraçar, expondo o espectador ao riso dos demais. Se cantasse um pouquinho, já estava bom. Samba, nem pensar!

Em termos cenográficos, as inspirações eram importadas dos grandes shows da Broadway e dos cassinos de Las Vegas, nos Estados Unidos. O Follies Bergère e o Lido, parisienses, também eram fontes de informações para espetáculos estruturados em monumental aparato, procurando imitar os musicais que Hollywood produzia e distribuía para o mundo.

Com o êxito financeiro, Walter Pinto viajava com freqüência para o exterior, onde, além de comprar luxuosas fantasias para seu guarda-roupa cênico, contratava coristas e vedetes de rara beleza e tipos físicos bastante diferentes das brasileiras, criando forte aura de curiosidade e desejo ao redor delas.

Francesas, inglesas, americanas e, mais modestamente, argentinas eram vistas em geral nas leiterias da praça Tiradentes, antes e depois dos espetáculos, como se estivessem com tranqüilidade em Picadilly Circus, na Broadway, em Pigalle, ou na Avenida Corrientes. Duas brasileiras, porém, conseguiram atravessar a cortina de seda das estrangeiras e marcar seus nomes como as mais importantes vedetes dos meados do século.

Em 1944, Walter Pinto estreou no Teatro Recreio, a revista Momo Na Fila, de Geysa Bôscoli e Luiz Peixoto. A estrela era Dercy Gonçalves, mas, lá atrás, nas últimas fileiras das coristas, alinhava-se uma paraense loira e linda, recém-chegada ao Rio de Janeiro, desquitada e com filhos, cujo primeiro emprego foi-lhe dado pelo empresário Pinto. Na carteira de trabalho, o nome Osmarina Colares Cintra. Em muito pouco tempo, transformou-se em Mara Rúbia (foto logo acima neste artigo), nome que passou a ser escrito em destaque, com luzes, na marquise do mais famoso teatro de revista do Brasil. Mara Rúbia, durante anos, foi apontada pela metade do país como a maior vedete brasileira.

A outra metade tinha favorita diferente. Uma que contava com as preferências de ninguém menos que Getúlio Vargas, presidente da República, que assistia a todas as revistas do Recreio e tinha pendor especial por Virgínia Lane (foto ao lado), a quem deu o apelido que ela adotou para sempre: a Vedete do Brasil. Procedente dos cassinos, tarimbadíssima no “número de platéia”, a pequenina Virgínia tinha tal presença em cena que parecia crescer a quase um metro e oitenta e ombrear-se com as espigadas coristas que Walter Pinto importava do outro lado do mundo, mas que acabavam por servir apenas de moldura à baixinha, dentucinha, mas talentosíssima estrela do Recreio, de mais ou menos 20 anos.

Já não havia definitivamente espaço para o samba, no teatro de revista. Quando um ou outro aparecia, era simples repetição de sucesso já ditado pelo rádio ou alguma paródia política que usava a música de um deles em voga, para criticar alguma coisa ou alguém. Nunca mais um samba inédito foi lançado em um palco do teatro de revista, que agora se refestelava na grandeza e no luxo das bem-cuidadas cenografias, dos guarda-roupas deslumbrantes e na sensualidade de mulheres belíssimas, das quais a arte de cantar era o que menos se exigia.

Enquanto a concorrência à revista se limitou aos shows das luxuosas boates cariocas, da ainda capital da República, confinando-se aos pequenos palcos do Golden Room do Copacabana Palace Hotel, das boates Casablanca, Night and Day, Montecarlo, Fred’s e congêneres, Walter Pinto reinou absoluto na praça Tiradentes, de onde saía para incursões por São Paulo, Belo Horizonte ou Porto Alegre, deixando espaço, por pouco tempo, para companhias menores.

Mas, quando a censura política amordaçou os comediantes do teatro de revista, abrindo as portas para a pornografia explícita, e a televisão roubou-lhe os elencos, pagando melhor, ele, praticamente, encerrou as atividades e com elas um período marcante, que, a partir daí, foi só decadência.

Fonte: História do Samba - Editora Globo; http://teatrobr.blogspot.com
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Teatro de Revista - Parte V

Aracy Cortes estréia sua própria companhia em 1931, na praça Tiradentes.
Praça Tiradentes e o teatro de revista

Centro nervoso dos teatros de revista do Rio de Janeiro, a Praça Tiradentes atraía compositores, músicos e cantores, à procura de emprego para seus talentos, nos muitos palcos iluminados, que faziam a cidade sonhar e cantar.

Nos anos 20 e 30, com a popularização do teatro, em particular as revistas, os “musicais”, o cenário teatral no Rio de Janeiro, antes sem oferecer nenhum conforto e com poucas opções de diversão melhorada, se vitaliza. As casas de espetáculo não somente se multiplicam pelos vários espaços centrais da cidade, como se vão adequando aos novos estratos sociais emergentes, principalmente as classes médias.

Dentro desse contexto, a Praça Tiradentes e seu entorno constituíram-se em um dos privilegiados locais para divulgação e circulação dos artistas – em especial, músicos, compositores e cantores – do período. Além de dos teatros João Caetano, Recreio, São José, Carlos Gomes, entre outros, onde se concentravam aqueles profissionais, bares e leiterias também representavam lugares de atração e de encontro para os que buscavam na praça uma oportunidade para exercer profissionalmente seus talentos.

Os mais procurados eram a Leiteria Dom Pedro II e o Café Carlos Gomes, onde hoje existe o Café Thalia, pontos de reunião de compositores como Nelson Cavaquinho, Guilherme de Brito, Wilson Batista, Henrique de Almeida, Roberto Martins, Bidê, Marçal, Jorge Faraj, Ataulfo Alves, Antonio Almeida e tantos outros.

Sabiam eles que, a qualquer momento, poderia surgir a chance de um trabalho ser aproveitado em uma das muitas revistas que eram encenadas nos teatros da praça. Custódio Mesquita, Ary Barroso, Sinhô, André Filho, Francisco Matoso já tinham se consagrado por ali e de repente a sorte poderia aparecer. No caso de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, jamais conseguiram participar das revistas, mas acabaram por se encontrar nos bares da praça e formar uma das mais importantes parcerias da música popular brasileira.

A maioria dos cantores e compositores “ainda do time de aspirantes” freqüentava a Praça Tiradentes, uma espécie de vestibular. Depois de famosos e ganhando dinheiro para pagar elegantes alfaiates, já bem-sucedidos, transferiam-se para o Café Nice ou para o Café Papagaio, ao lado da conceituada Confeitaria Colombo.

Enquanto isso não acontecia, a solução era enfrentar as xícaras de café com leite nos botequins da Praça Tiradentes, compor os sambas em suas mesas, com tampo de mármore e pé de ferro, e aguardar que o sucesso os viesse resgatar dali. Ou que o próprio teatro de revista se encarregasse de os fazer famosos.

Fonte: http://teatrobr.blogspot.com/
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terça-feira, 1 de novembro de 2011

A morte do Teatro

Hoje, a classe teatral é realmente uma classe. Ninguém anda só, ou por outra: — a única solidão que conheço, em nossa comunidade, sou eu mesmo. No meio dos meus colegas, eu me sinto só, e tão só, como um Robinson Crusoé sem radinho de pilha. Ao passo que os outros autores, e os atores, e as atrizes, e os contra-regras, e os maquinistas são A CLASSE.

Não vejam, porém, nas minhas palavras, nenhuma insinuação restritiva. Deus me livre. Diria mesmo que considero a minha solidão, não uma virtude, mas uma incapacidade. Bem que eu gostaria de ter um mínimo de vocação associativa. Gostaria de ser ninguém ou, por outra, ser apenas GRUPO, CLASSE, REUNIÃO, ASSEMBLÉIA, DISCURSO!

Outro dia, cruzei com a minha amiga e grande atriz Cacilda Becker. Ia cumprimentá-la, mas não me atrevi. Como tratá-la?

Outrora, eu diria: — "Olá, Cacilda", ou "Bom dia, Cacilda", ou "Tudo azul, Cacilda?".

Sim, houve um tempo em que Cacilda era Cacilda, simplesmente Cacilda e apenas Cacilda. Hoje, tudo mudou. Cada ator, ou atriz, ou autor, ou diretor, ou cenógrafo é um misterioso ser impessoal, rumoroso, coletivo. E eu teria que saudar Cacilda assim: — "Olá, Comissão", "Olá, Assembléia", "Olá, Passeata".

Dias atrás, ao sair de casa, encontro um ator patrício, à espera de condução. Ergueu o gesto e anunciou: — "Vou à passeata!". Disse eu não sei o que ou, melhor, não disse nada, e ele começou a falar. Juntou gente. Não era um ator, era um Discurso, era uma Comissão, era uma Assembléia.

Dizia "nós" e não "eu". E, de repente, entraram, de roldão, o Vietnã, Mao Tsé-tung e Guevara.

Com mais um pouco, ele sairia por aí virando carros, arrancando paralelepípedos e incendiando a Bolsa (tal como em Paris).

E daí a minha admiração pela CLASSE. Em outra ocasião, houve, em São Paulo, um "seminário de teatro". Era de teatro e, como dramaturgo, lá fui eu. Imaginei que íamos discutir representação, técnicas, décor, luz, textos etc. E, súbito, um alienado qualquer falou em dramaturgia. Quase o lincharam. Um latagão enfiou-lhe o dedo na cara, aos berros:

— "Pensa que nós estamos aqui pra discutir teatro?". O quase-agredido baixou a cabeça, lívido de pusilanimidade. Sentou-se no seu canto e lá ficou, numa solidão de comício de 1° de Maio.

Eis o que eu queria dizer: — entendo, como ninguém, as posições da CLASSE. Ótimo que cada ator, ou atriz, ou diretor, tenha uma ênfase de 14 de Julho, de tomada da Bastilha, de Hino Nacional. A política é a grande linguagem do nosso tempo. E cada qual, para sobreviver, simplesmente existir, precisa ter um toque ideológico. Tudo isso é certo e eu concordo.

Mas estão acontecendo coisas que justificam, a meu ver, uma relativa perplexidade.

Não sei se vocês conhecem o caso de Norma Bengell. O que aconteceu com a famosa atriz tem mais suspense e mistério do que qualquer Hitchcock. Os jornais já comentaram, a TV cobriu, o rádio deu. Vamos aos fatos.

Um jornalista norte-americano resolveu assistir à peça de Norma Bengell. Ouviu dizer que se tratava de atriz notável, um valor internacional, e quis ver. Foi à bilheteria, adquiriu e pagou os ingressos, deixou uma propina e foi à vida. Na hora própria, ou melhor, com meia hora de antecedência, estava na porta do teatro. Soube, então, que não havia espetáculo. Deixou passar três ou quatro dias e voltou à bilheteria. Perguntou, com sotaque: — "Há espetáculo?". Havia. E, novamente, comprou os ingressos, pagou e deixou uma propina. Mais tarde, e antes de sair de casa, telefonou para o teatro. Fez a honrada pergunta: — "Há espetáculo?". Havia. Lá se mandou ele com todos os convidados. Chega e sabe: — não havia espetáculo. A partir de então, passou a desconfiar que há qualquer coisa de errado, não só no teatro, como no próprio Brasil.

Deixou passar mais uns cinco dias. E volta à bilheteria. Pergunta: — "Há espetáculo?". Havia. Pela terceira vez, comprou os ingressos, deu a propina e partiu. Dez minutos antes de abrir o pano, liga para a bilheteria e pergunta: — "Há espetáculo?". Resposta: — "Há". O desgraçado pergunta: — "Posso ir?". E do outro lado: — "Pode vir". O americano junta os convidados e chega ao teatro em cima da hora. E o apunhalam com a notícia: — não havia espetáculo. Desta vez, o que era simples e difusa angústia tornou-se pânico total. O homem e os convidados começaram a achar que o Brasil está louco.

Mas não desistiu. Deixou passar mais dois dias. Ei-lo de volta ao bilheteiro. Desta vez, os convidados o acompanharam, todos mortalmente interessados naquele suspense insuportável. Cada um perguntou: — "Há espetáculo?". A resposta foi uma só: — "Sim, senhor".

Desta feita ninguém foi para casa. Todos se reuniram num boteco próximo e lá ficaram, esperando a hora de subir o pano. Um processo de angústia instalara-se no grupo. E, quando chegou o momento, lá foram eles. Ou por outra: — primeiro, foi um voluntário fazer um reconhecimento. Informaram que havia o espetáculo.

Voltou com a grande notícia: — "Há espetáculo". Todos se juntaram, numa euforia feroz, e foram para a porta do teatro. Não havia espetáculo, simplesmente não havia espetáculo. Não era mais possível nenhuma dúvida ou sofisma. Aqueles sujeitos se convenceram e, para sempre, do seguinte: — não haveria espetáculo nunca mais, nunca mais.

Daqui a duzentos anos, na hora de subir o pano, virá um funcionário avisar: — "Não há espetáculo". O tal americano está convencido de que os nossos atores, as nossas atrizes, não representam, de que os nossos diretores não dirigem, de que os nossos cenógrafos não fazem cenários.

E talvez seja esta a santa verdade. Dizia-se que o Brasil é um país racional. Já não sei, e tenho as minhas dúvidas.

Os atores não representam, e também o romancista não faz romance, nem o poeta, poesia, nem o pintor, pintura, nem o cineasta, filme. Sim, as coisas que devem ser feitas, ninguém as faz. Cabe então a pergunta: — e por quê? Primeiro, porque tanto o teatro, o romance, a poesia, a pintura ou a música vivem de umas tantas ou quantas individualidades fortes, crispadas, miguelangelescas.

E hoje o artista prefere ser ninguém, isto é, ele morre em classes, assembléias, discursos e passeatas.

O artista é um cadáver.

[14/7/1968] 

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A Cabra Vadia: novas confissões / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
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