sexta-feira, 21 de outubro de 2011

O anjo

O marido solto no verão — por força do veraneio da família — é um homem que muda por completo seus hábitos e atitudes ao sentir-se libertado dos compromissos domésticos.

É um homem sem horário para comer, para dormir e até mesmo para trabalhar.

O marido em disponibilidade nos dias úteis, porque no domingo sobe para Petrópolis, Teresópolis, Friburgo ou lá onde tem a família, assume uma segunda personalidade, até então insuspeitada, e é um homem de estranhas atitudes, mutáveis segundo a influência de amigos e acontecimentos.

Tenho encontrado maridos a fazerem as coisas mais extravagantes possíveis, qual boi de curral, que — segundo dizem os entendidos em gado vacum — quando solto no pasto lambe-se todo. E, dentre esses maridos, o mais estranho é o tímido.

Tomo para exemplo o Rosamundo, cuja esposa, senhora de proporções — digamos — cinemascópicas, cerrado buço e intransigência doentia, sofre de pertinazes pruridibus cutaneus, doença que o vulgo houve por bem denominar brotoejas. Tal senhora, mal começam a subir os termômetros, sobe também, mas para a serra, a se coçar toda e a lamentar as férias forçadas que dará ao marido, criatura quase santa, homem que terá entrada franca no céu se, quando lá chegar, mostrar a fotografia da esposa a São Pedro.

Ele faz parte do grupo dos maridos que, mesmo com ampla liberdade de ação, permanecem tímidos e sossegados num canto, pouco aproveitando a folga matrimonial. Pelo contrário até, noutro dia foi visto a comprar revistas de palavras cruzadas, numa banca de jornal. Surpreendido no ato da compra, explicou:

— É para resolver na cama, enquanto o sono não vem.

Assim é o homem pacato. Mas, dizia eu, um marido solto é um enigma e este não é melhor que os outros. Acredito mesmo que o tímido, quando insuflado pelos amigos, é capaz das mais extravagantes aventuras.

Foi assim com este. Era, segundo lhe diziam, uma festinha pré-carnavalesca, coisa íntima. Só gente da corriola — se me permitem o termo. Rosamundo, de princípio — e disso sou testemunha — não queria ir. Vamos que a mulher telefonasse de madrugada, vamos que estivesse na festa uma conhecida dela, vamos uma porção de coisas, que o homem medroso cria uma série de dificuldades antes de se decidir.

Contornadas todas essas hipóteses dramáticas, amigos e conhecidos acabaram por convencê-lo a ir... e bebeu-se fartamente ao evento. Ele também tomou umas e outras tanto que, quando soube que o negócio era na base da fantasia, gritou entusiasmado:

— Eu vou de anjo!

Arranjou uma camisola enorme (provavelmente da esposa), umas asas de papelão, uma auréola de arame e saiu para a rua, à procura de um táxi. E, como já se sentisse um outro homem, na ausência do táxi entrou mesmo num lotação, criando inclusive um caso na hora de saltar, porque cismou que anjo tem abatimento em qualquer condução.

A festa não era tão íntima assim como disseram os amigos. Segundo suas próprias palavras, era "um pagode de grande rebolado", no qual ele se meteu todo, já sem nenhuma prudência, cumprimentando senhoras conhecidas, deixando-se fotografar abraçado a uma baiana decotadíssima que encontrara numa volta do cordão, enfim, esteve distraído.

Foi no dia seguinte de manhã que o medo voltou a baixar sobre sua consciência. Mesmo antes de abrir os olhos, pedia a Deus que ninguém lhe tivesse atirado confete, porque confete é uma coisa de morte que a gente pensa que limpou, mas que, meses depois, ainda aparece no fundo do sapato, na dobra da ceroula, nos mais variados lugares.

Até a véspera de subir para o fim de semana, remoeu-se em dúvidas e suspeitas: sua mulher já saberia de tudo? Estaria esperando sua chegada para explodir? Essas e dezenas de outras perguntas se fez até o momento de rumar para Petrópolis. Antes comprara todas as revistas semanais, até o Monitor Mercantil ("nunca se sabe!"), com medo de que alguma delas tivesse publicado o seu retrato, de anjo abraçado à baiana decotada, de quem conseguira o telefone, mas a quem tivera a prudência de não telefonar.

Sossegou somente com a idéia de que, sendo a mulher como era, se soubesse de alguma coisa, não esperaria sua chegada para desabafar — teria descido com brotoeja e tudo. Foi mais aliviado, portanto, que chegou em casa, abriu a porta e deu com a gordíssima esposa a esperá-lo.

— Como vai, meu anjo? — disse ela.

Desmoronaram-se todas as suas esperanças. Após um tremido "pode deixar que eu explico", contou tudo que acontecera, sem perceber que aquele "meu anjo", com que ela o saudara, era apenas uma carinhosa expressão de esposa saudosa.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora.
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quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Nílton Santos, a "Enciclopédia do Futebol"

O Brasil ganhava de um a zero da Áustria na partida de estréia da Copa de 1958, quando Nilton Santos avançou pela esquerda para desespero do técnico Vicente Feola. Próximo da grande área, tocou para um espantado Mazzola. Teve que gritar um palavrão para que o atacante lhe devolvesse a bola e, assim, pudesse anotar o gol. Um gol histórico que marcou o nascimento do futebol moderno, já que, naquele tempo, um lateral jamais ultrapassava o meio-de-campo, e muito menos atacava. 

Nílton dos Santos, na verdade, gostava mesmo era de jogar para a frente, pois tinha técnica e sabia driblar. A contragosto, acabou na defesa. Mas foi da linha de trás que Nilton Santos se tornou o maior lateral-esquerdo do futebol brasileiro e conquistou o bicampeonato mundial em 1958 e 1962. Além da Seleção, Nílton só vestiu a camisa do Botafogo, clube pelo qual conquistou catorze títulos, entre os quais os Campeonatos Cariocas de 1948/57/61/62. Conhecia todos os segredos do jogo, o que lhe valeu ser chamado de Enciclopédia do Futebol.

Nílton Reis dos Santos, mais conhecido como Nílton Santos, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 16 de maio de 1925. Já era craque jogando futebol na praia e.quando cumpria serviço militar foi descoberto por um oficial da Aeronáutica. Levado para jogar no Botafogo em 1948, somente deixou General Severiano em 1964 quando abandonou os gramados.

No Botafogo conquistou por quatro vezes o campeonato estadual (1948, 1957, 1961 e 1962), além do Torneio Roberto Gomes Pedrosa (Rio-São Paulo de 1962 e 1964) e do Torneio Internacional de Paris em 1963 - além de vários outros títulos internacionais. Nílton Santos participou de 718 partidas pelo clube sendo o recordista e marcou onze gols entre 1948 e 1964.


Sua estréia com a camisa do clube da estrela solitária aconteceu contra o América Mineiro. No campeonato carioca de 1948, disputou seu primeiro jogo contra o Canto do Rio em Caio Martins. O Botafogo venceu de 4 a 2. O Alvinegro de General Severiano foi o campeão carioca de 1948. Obs: no primeiro jogo do carioca contra o São cristóvão quem atuou pela equipe principal foi Nílton Barbosa.

Foi chamado de "A Enciclopédia" por causa dos conhecimentos sobre o futebol. Considerado o maior lateral-esquerdo de todos os tempos, foi o precursor em arriscar subidas ao ataque através da lateral do campo. Revolucionou a posição de lateral-esquerdo, utilizando-se de sua versatilidade ao defender e atacar, inclusive marcando gols, numa época do futebol onde apenas tinha a função defensiva.

Nílton estreou na seleção no sul-americano de 1949, a competição foi realizada no Brasil que acabou campeão. Participou da Copa do Mundo de 1950 onde foi vice-campeão. Ainda foi campeão com a seleção do pan-americano de 1952, bi campeão mundial em 1958 na Suécia e 1962 no Chile. Atuou em 75 partidas oficiais e 10 não oficiais. Sua despedida da seleção ocorreu na final da Copa de 1962. Marcou dois gols com a camisa da seleção.

Decisão do Mundial de 1958 contra a Suécia. Vitória brasileira por 5 a 2 e o primeiro título mundial. Em pé estão Djalma Santos, Zito, Bellini, Nilton Santos, Orlando e Gilmar; agachados: Garrincha, Didi, Pelé, Vavá, Zagallo e Mário Américo.
 Na Seleção Brasileira de futebol, Nílton foi um jogador chave na defesa durante os campeonatos mundiais em que participou e ficou famoso internacionalmente por marcar um gol magnífico no torneio de 1958, quando o Brasil jogou com a Áustria. Trazendo a bola do campo de defesa e driblando o time adversário inteiro (e deixando doido o técnico Vicente Feola), finalizou com um ótimo chute.

Outra jogada sua sempre lembrada é a do penalti que cometeu no jogo contra a Espanha na Copa do Mundo de 1962, considerado a partida mais difícil daquela campanha. O árbitro marcou a falta, mas quando chegou perto para conferir o lance, colocou a bola fora da área, pois não percebeu que Nílton Santos, sem se desesperar e gesticular os braços como fariam outros jogadores, matreiramente havia dado um passo e saido da área, enganando o árbitro.

Internado em uma clínica carioca, nosso eterno lateral-esquerdo sofre de doenças típicas da idade. Ele apresenta problemas cardíacos e, algumas vezes, perde a memória. o Botafogo, orientado pelo presidente Bebeto de Freitas, está arcando com as despesas de internação de um dos melhores laterais da história do futebol.

Fontes: Wikipedia; Revista Placar; Que Fim Levou.
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Continho de Natal

Deixou o trabalho e foi andando pela rua, olhando as vitrinas. Cada preço de encabular senador. Mas não queria chegar em casa sem levar qualquer coisa para a família.

Então continuou olhando para os artigos expostos nas portas das casas comerciais.

Num instante percebeu que levar um presente para cada um era impossível. O dinheiro que trazia no bolso não daria para tanto, ainda mais porque, na época de Natal, o comércio aumenta tudo, cobrando da gente aqueles anjos tocando trombeta que eles penduram nos postes, que nem lista de bicho, dizendo que é colaboração dos comerciantes para alegrar o Natal.

Colaboração mais desgraçada, que eles dizem que é deles, mas quem paga é a gente.

Uni brinquedo que pudesse ser desfrutado por todos os filhos; talvez. Mas qual? As meninas iam apreciar uma boneca. Sim, uma boneca faria a alegria de suas filhas, mas causaria tremenda decepção aos meninos. Em compensação, se levasse uma metralhadora de matéria plástica (vira diversas,, que as fábricas de brinquedo fazem para incentivar o crime), os garotos iriam vibrar de contentamento. As meninas, porém, talvez chorassem de desalento.

Resolveu então comprar alguma coisa de comer. Aí estava. Uma coisa de comer poderia ser apreciada por todos. Um peru, ou mesmo um frango, que peru de pobre pode perfeitamente ser um frango. Para comprar um peru daqueles que estava vendo pendurado num gancho do armazém, só com fiador. O frango também era caríssimo.

Puxou o dinheiro que trazia no bolso, contou, recontou e entrou ali mesmo para comprar o presente de Natal da família. Pouco depois voltava pra casa. Abriu a porta e gritou para os filhos:

— Alarico, Odete, João Pessoa, Gustavo, Firmina, Olivinha, Jussara, Inez, Júlio, Juscelino, Abraão... Corram todos aqui, que papai trouxe o presente pro Natal.

Os filhos acorreram ao chamado e a esposa também. Ele então, com ar triunfante, botou uma castanha em cima da mesa, esfregou as mãos e disse:

— Vai buscar uma faca pra gente dividir esta castanha.

E antes que alguém avançasse na castanha, berrou:

— Calma, que dá pra todos!
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora.
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