quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O guarda-chuva no Municipal

 Cada época tem suas palavras encantadas. No tempo de Dumas velho, era "cáspite". Ninguém sabe, até hoje, o que se esconde por trás de "cáspite". Anos atrás, o poeta Murilo Mendes foi ao Municipal. Não me lembro se era ópera ou companhia francesa.

No primeiro intervalo, lá foi ele para o corredor, fumar o seu cigarrinho. E, súbito, começa a ouvir uma série de vozes. Não vozes das grã-finas que cacarejavam nas imediações. Não.

Era uma única voz, absurda, fantástica, que repetia, junto ao seu ouvido, a mesma palavra: — "Cáspite! Cáspite!".

Demais a mais, não parecia um som terreno. Não era a primeira vez que um poeta tinha delírios auditivos como uma Joana D'Arc. Aqui abro parêntese, para referir um episódio que consta da história e lenda de Murilo Mendes.

Não sei em que dia ou ano, nem importa a data. Era o mesmo Municipal e estava levando uma peça francesa (alguém diria, mais tarde, e textualmente, que era uma peça "chatérrima"). Lá foi o nosso Murilo para uma das primeiras filas. Olhou em torno e viu uma fauna impressionante de casacas e decotes. E cada decote ou casaca humilhava e agredia o seu traje de passeio, surrado e sebento. Muito bem: — e, no fim dos primeiros cinco minutos, o poeta achava o texto irrespirável.

Não teve mais dúvidas. Abriu um guarda-chuva na platéia. Na frisa, o embaixador francês, de monóculo, já não entendia mais nada. O elenco, no palco, esbugalhou-se. Por um momento, não se ouviu aquela pronúncia perfeita, irretocável dos artistas de França.

Era uma experiência inédita aquele guarda-chuva solitário e sobrenatural. E não havia sequer uma goteira que o justificasse. Por outro lado, nenhum regulamento de teatro prevê a hipótese de um guarda-chuva.

Que fazer diante de um fato novo, revolucionário e alucinatório?

Houve uns dois ou três minutos de um suspense geral e pânico. E, súbito, aquelas casacas e aqueles decotes começaram a aplaudir. Primeiro, uma meia dúzia de palmas ainda envergonhadas e pioneiras. Depois, explodiu a unanimidade. Pela primeira vez, um guarda-chuva foi longamente ovacionado, como um tenor italiano.

Naquele tempo, o intelectual era louco (hoje, o próprio Murilo é apenas um funcionário corretíssimo, que faz do livro de ponto a sua bíblia).

Volto ao "cáspite". E, então, no corredor do Municipal, Murilo Mendes começa a repetir: — "Cáspite! Cáspite!".

Houve um fluxo e refluxo de casacas e decotes. Não satisfeito, ele cai, entorna-se no ladrilho, como um fuzilado. No ar ficou aquela palavra em flor: — "cáspite, cáspite". A queda do poeta impressionou menos do que o som apavorante. As senhoras perguntavam umas às outras: — "Por que cáspite?".

Era a pergunta que todos faziam sem lhe achar resposta. O fato é que a exumação de uma gíria velhíssima deflagrou todo um processo de terror coletivo.

Mas "cáspite" é, repito, do tempo do Dumas velho. Outra palavra que vem injetada de passado é "biltre". Se perguntarmos às novas gerações o que é "biltre", nem todos saberão responder. Mas reparem como o som é fascinante.

Ninguém chama mais ninguém de "biltre". Em nosso repertório de palavrões, falta este. E alguém que, em nosso tempo, fosse chamado de "biltre" não sentiria o ultraje fatal, a mácula indelével.

Todavia, há uma palavra que não passa, que não envelhece, uma palavra que mantém, através dos tempos, a sua eficácia mortífera. Ei-la: — "canalha".

Na minha confissão de ontem ou anteontem (já não me lembro mais), tratei do destino da inteligência. Sem nenhum dramatismo, e apenas com a maior isenção e objetividade, observei um fato patético do nosso tempo. Referi-me à "inteligência degradada".

Outro dia passou por mim pintor estimadíssimo. Alguém cochichou: — "Olha um canalha plástico!". E, de repente, vi tudo. Sim, do cinema, do teatro, da pintura, da poesia, do romance — sai todo um elenco de canalhas.

O leitor, perplexo, há de perguntar: — "Mas como e por quê?".

É preciso explicar: — são os artistas que, por motivos políticos, ideológicos, rolam de abjeção em abjeção. E assim desponta, como uma nova classe, a dos "canalhas da inteligência". Fiz a pura constatação e citei dois exemplos: — o poeta Éluard, que se recusou a assinar um pedido de clemência para um outro poeta, condenado à morte. E o poeta foi enforcado. Outro exemplo: — de Sartre, que, depois do extermínio de Pasternak, dizia: — "Um escritor que não é lido em sua própria língua".

Não era lido porque a polícia russa não deixava. E Sartre achava corretíssimo o assassinato de um maravilhoso artista.

Eu poderia ir buscar, na Cortina de Ferro, centenas de exemplos. E é óbvio que a inteligência passa, em nossa época, por um processo de desumanização. Ninguém era mais humano do que o poeta, o romancista, o pintor, o escultor. O artista era o seu povo. E, hoje, nós vemos o nosso intelectual dando vivas a Cuba, outros que se esgoelam pelo Vietnã.

Populações inteiras do Brasil apodrecem na fome. E, aqui, não damos um passo sem tropeçar num vietcong da inteligência brasileira. Dane-se a nossa mortalidade infantil!

Artistas plásticos, poetas, romancistas escrevem "muerte" em seus cartazes. Traem sua língua. Traem seu povo. Sim, podemos falar numa inteligência desumana, tão pouco brasileira e de uma abjeta alienação.

Fiz toda a meditação acima pensando em Oduvaldo Viana Filho. Se vocês não o conhecem, é pena. Eu disse Oduvaldo Viana Filho e já retifico: — o Vianinha. Sua estrutura doce exige o diminutivo. Dos nossos artistas, é o menos sombrio, o menos neurótico, o menos ressentido. O nosso teatro está cheio de víboras. Pois o Vianinha é a antivíbora.

Feito este lírico retrato de lambe-lambe, passo aos fatos.

Ontem, eu o encontrei no gabinete de Beatriz Veiga, diretora do Teatro Nacional de Comédia. O Vianinha ia atrás de umas bambolinas para a estréia de Cordélia. E, pela primeira vez, eu o vi sem a luminosidade do otimista. Sim, o dramaturgo estava a meio-pau, exalando uma cava depressão. Ao ver-me, chamou-me de "senhor". (E, então, senti que se cavara entre mim e ele o abismo de várias gerações).

Simplesmente, o Vianinha está numa torva desilusão do teatro. Parece que suas últimas tentativas teatrais não foram bem-sucedidas. E o Vianinha, em conversa comigo, falou em largar o teatro. Quer ser outra coisa. Deprimido, chegava ao patético, raiando pelo sublime.

Quando falou em largar o teatro, tive ímpetos de aplaudi-lo como na ópera: — "Bravos! Bravíssimo!". Quase, quase lhe disse: — "Seja vendedor de chicabon, de laranja, de cachorro-quente ou de grapete. Mas não seja poeta, não seja artista, não seja intelectual".

O que importa é não ser nem Sartre, nem Éluard.
[24/4/1968]
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A Cabra Vadia: novas confissões / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
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O ataque com fome de gols

Em pé: Idário, Julião, Alan, Olavo, Roberto Belangero e Gylmar. Agachados: Cláudio, Luizinho, Paulo, Baltazar e Jansen.
Corinthians (1950 - 1955)

No início dos anos 50, o Corinthians levava seus torcedores ao êxtase com um esquadrão que tinha fome de gols. A sua linha de frente formada por Cláudio, Luisinho, Baltazar, Carbone e Mário entrou para a história ao ultrapassar a marca dos 100 gols num único campeonato.

Foram ao todo 103 tentos no Paulistão de 195l. Marcar gols, aliás, era a especialidade desse time que conquistou o bicampeonato paulista (1951/S2), e o título do IV Centenário da Cidade de São Paulo (1954), além de três torneios Rio-São Paulo (1950, 1953 e 1954).

Mas o grande feito da máquina corinthiana aconteceu longe da sua torcida, em 1953, quando sagrou-se campeão da Pequena Taça do Mundo, na Venezuela. Não perdeu, nem empatou. Venceu todos os jogos diante do Barcelona (Espanha), Roma (Itália) e da seleção local.

A festa ficou, então, marcada para o aeroporto de Congonhas, onde a torcida recepcionou os campeões. O time-base jogava com Gilmar (que revezava com Cabeção); Homero e Olavo; Idário, Goiano e Roberto Belangero; Cláudio. Luisinho, Baltazar, Carbone e Mário.

Vitórias democráticas

Mais do que a genialidade de Sócrates, Zenon e Casagrande, o bicampeonato paulista de 1982-1983 ficará marcado pelo que se convencionou chamar de Democracia Corinthiana, com muito diálogo no relacionamento entre jogadores e diretoria. A torcida jamais vai esquecer que a Democracia jogava com Solito; Alfinete, Mauro, Daniel González e Wladimir; Paulinho, Sócrates e Zenon; Ataliba, Casagrande e Biro-Biro.

Fonte: Revista Placar.
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quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Vikings na América

Vários séculos depois de os europeus terem chegado à América, poucos sabem que, possivelmente, foram os vikings e não Cristóvão Colombo que descobriram o novo mundo, afirma o arqueólogo norueguês Christian Keller.

Os vikings, guerreiros que viveram entre os anos 750 e 1050, se dedicavam à pilhagem e a massacrar seus inimigos. Mas também eram astutos comerciantes, artesãos e colonizadores.

“Eles saqueavam, matavam e atuavam como mercenários em muitos exércitos europeus. Mas também faziam negócios, eram camponeses e magníficos navegantes, com os navios mais modernos da época", explica Keller, catedrático da Universidade de Oslo e especialista em história viking.

Longe da imagem popular, os vikings constituíram uma civilização culta e se adaptaram à vida de muitos dos lugares que invadiram. Na Islândia e na Groenlândia, formaram sociedades vikings puras; na Irlanda e Escócia foram absorvidos pelos celtas; na Rússia, pelos eslavos; e na França, se adaptaram rapidamente.

Além disso, a mulher tinha uma forte posição na comunidade, que só perdeu após a conversão do povo ao cristianismo, entre os anos 1000 e 1030. Na época, o culto aos deuses Odin e Tor foi abandonado. Fisicamente, eles superavam em altura o resto dos povos europeus, e não usavam capacetes com chifres, como costumam ser representados. Ele acrescentou que em inscrições em pedras os capacetes aparecem sem chifres. "Isso foi uma invenção do compositor alemão Richard Wagner", garantiu.

Foi um viking, Eirik Raude Torvaldsson, ou "Eric, o Vermelho", quem, segundo a literatura, descobriu a Groenlândia entre os anos 982 e 986, depois de ser expulso da Islândia por causa de um assassinato. Seu filho, Leif Eiriksson, pode ter descoberto a América no ano 1000, segundo documentam as sagas, escritos originais da atual Islândia que refletem a tradição oral viking.

Leif Eiriksson
"Então zarpou Leif, mas permaneceu muito tempo fora e achou terras que não sabia que existissem antes. Ali cresciam campos de trigo e árvores parecidas com a bétula, e de tudo levaram mostras", narra a saga.

A saga dos groenlandeses conta, no entanto, que foi o mercador Bjarne Herjolvsson que por acaso avistou a América, quando se perdeu com seu navio no meio de uma tempestade.

O relato de suas viagens animou Eiriksson a navegar para o oeste, buscando a terra desconhecida, que descobriu por volta do ano 1000, segundo afirma a saga.

Eiriksson chegou à Terra de Baffin, ao noroeste do Canadá, que batizou como Helluland, ou "terra de pedras planas". Ele também chamou o atual Labrador de Markland, ou "terra de florestas" e deu o nome de Vinland, ou "terra de verdes prados", ao que pode ser a Terranova ou Cape Cod.

Em 1961, um casal de exploradores noruegueses, Helge e Anne-Stine Ingstad, valendo-se das descrições das sagas, encontrou no povoado canadense de L'Anse aux Meadows os primeiros jazigos vikings da América. Mas foram necessários oito anos até que as provas técnicas confirmassem a descoberta.

"Encontraram casas e instrumentos no Canadá idênticos às relíquias vikings da Islândia e Groenlândia. Recolheram um anel de estanho, uma agulha e vestígios de produção de ferro, algo desconhecido para os índios norte-americanos", afirma Keller. Ele acrescentou que os vikings viajaram pela América durante 100 anos, comerciando com os nativos. Mas não deixaram sua marca nesse novo mundo, que não conseguiram colonizar.

Vinland

A exploração de Vinland foi efetuada pelos vikings estabelecidos nas colônias da Groenlândia e motivada pela escassez de recursos que se verificava nesta região. As colônias eram em certa medida apropriadas à ocupação humana, mas apresentavam desvantagens como o clima frio, escassez de madeira como material de combustão, de construção de casas e embarcações ou a falta de fontes acessíveis de ferro. Para suprir estas carências, Leif Ericson, filho de Eric, o Vermelho, fundador da colônia da Groenlândia, tomou a iniciativa de explorar a área circundante.

As primeiras viagens revelaram descobertas promissoras num continente de clima relativamente mais ameno e repleto de recursos essenciais à sobrevivência. Para além de Vinland (terra das vinhas), Leif Ericson descreveu ainda Markland (a costa de Labrador), Straumfjord e Helluland (costa este da Ilha de Baffin), relatadas nas sagas como locais ideais para a criação de rebanhos. No entanto, a costa este do atual Canadá situava-se a mais de 1000 milhas marítimas da Groenlândia, o que representava pelo menos três semanas de viagem de barco. Dada a impossibilidade de viajar a não ser no Verão, devido às condições atmosféricas, Leif Ericson depressa encontrou vantagem em estabelecer uma base de Inverno na região. Leifsbudir foi o nome dado a esta colônia.

Leifsbudir

A única fonte histórica que menciona a colônia de Leifsbudir em Vinland são as sagas nórdicas. De acordo com estes textos, Leifsbudir foi fundada por Leif Ericson, seu irmão Thorvald, sua irmã e sua mulher, por volta do ano 1000. O local era descrito como uma pequena aldeia destinada a servir como quartel-general às expedições que continuavam a decorrer no Verão. À falta de fontes independentes e de vestígios vikings na América do Norte, os historiadores mantiveram-se céticos quanto a estas narrativas, classificadas por alguns acadêmicos como fantasias.

Reconstrução de uma aldeia viking em L'Anse aux Meadows, no Canadá.

A dúvida dissipou-se em 1964 quando uma equipe de arqueólogos descobriu ruínas de arquitetura viking na área de L'Anse aux Meadows na costa norte da ilha da Terra Nova. O sítio era constituído por oito edifícios, dos quais três câmaras com espaço para acolher cerca de 80 pessoas, uma oficina de carpintaria e uma forja com tecnologia de extração de ferro idêntica à dos vikings. As datações por carbono 14 indicaram ainda idades em torno do ano 1000. A localização e características destas ruínas estavam por isso de acordo com as descritas pelos contemporâneos de Leif Ericson e confirmavam a veracidade da presença viking na América do Norte.

Uma das características mais marcantes da aldeia descoberta pelos arqueólogos era a ausência dos artefatos que normalmente acompanhavam os vikings. As escavações revelaram apenas e só a presença de 99 pregos estragados, 1 prego em boas condições, um pregador de bronze, uma roca, uma conta de vidro e uma agulha de tricot. Este magro espólio arqueológico foi interpretado como abandono deliberado da colônia, o que é apoiado pelas narrativas da época que contam como Leifsbudir foi abandonada ao fim de poucos anos de vida.

De acordo com as sagas, Vinland tinha todas as características de uma terra prometida, mas as idéias de exploração e colonização foram abandonadas, ao que tudo indica, repentinamente. Os motivos para o abandono são descritos pelos próprios relatos contemporâneos: Vinland era a morada de um povo hostil com o qual os vikings não conseguiram estabelecer relações pacíficas.

O primeiro contato dos vikings de Leifsbudir com os índios americanos é relatado em pormenor nas sagas. O acampamento foi visitado por um grupo de nove nativos, que os vikings chamavam genericamente skraelings (“os feios”, uma palavra também aplicada aos Inuit) dos quais os vikings mataram oito por razões não especificadas. O nono elemento fugiu e regressou em canoas com um grupo maior que atacou os colonos. Na luta, morreram algumas pessoas de parte a parte incluindo Thorvald, irmão de Leif Ericson.

Apesar deste início pouco auspicioso, foi possível estabelecer relações comerciais com os Índios, com a troca de leite e têxteis nórdicos por peles de animais locais. A paz durou algum tempo até que nova batalha começou quando um índio tentou roubar uma arma e foi morto. Os vikings conseguiram ganhar este conflito, mas o acontecimento serviu para perceberem que a vida em Vinland não seria fácil sem apoio militar adequado ao qual não tinham acesso.

A morte do nórdico Thorvald em um dos conflitos com os "skraelings"

De acordo com as sagas decidiram então abandonar a aldeia de Leifsbudir e o sonho de colonizar Vinland. Apesar do abandono, os vikings continuaram a visitar a América do Norte, em particular a região de Markland. Estas viagens não se destinavam à exploração ou a um eventual estabelecimento, mas sim recolher madeira e ferro, recursos que continuavam a escassear na Groelândia natal. A última referência a uma viagem a Markland data de 1347.

Fontes: Entretenimento UOL; Wikipedia.
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