No século XV, hordas de ciganos, vindos dos Pirineus, entraram na Espanha, aí chegando a 11 de junho de 1449. Extenuados pelas fadigas longas, banidos dos países por onde
passavam, lançados para fora de todas as terras, pediam nesse refúgio o
esquecimento e a paz para os delitos de sua vida impersistente e de
lutas incomensuráveis. E uma espécie de noite os protegeu por algum tempo, começando na
Espanha a sua existência ativa, o seu despertar na sociedade, no reinado
de Carlos III, que os utilizou em proveito das artes.
Esta reabilitação moral foi transitória e enganadora; novos governos
desencadearam contra os pariás-erradios atrozes perseguições,
despojando-os de seus empregos e profissões, destituindo-os da
naturalização e privilégios a que tinham direito.
Aos azares da má sorte, no combate braço a braço contra o destino
adverso, numerosas avançadas emigraram para Portugal, indo mais tarde
alimentar as chamas das fogueiras inquisitoriais de dom João II, que
aumentara dos códigos portugueses leis expressamente promulgadas para
puni-los [1] .
A respeito dessa raça, isto é, de sua origem, costumes e tradições,
nenhum eco se escapa das velhas crônicas portuguesas, a não ser o de
seus passos nos tribunais do crime e de seus lamentos, ao tom das vagas,
nas amuradas dos navios que os conduziam aos degredos do Brasil e
Angola.
E é pela legislação que vamos surpreender as primeiras turmas que
aportaram às nossas plagas, determinando a prioridade das províncias que
as receberam.
Abramos as
Ordernações do Reino.
Diz o decreto de 27 de agosto de 1685: “Fica comutado aos ciganos o degredo da África para o Maranhão”.
Nas provisões de 15 de abril de 1718, 23 de agosto de 1724, 29 de maio de 1726 e de 29 de julho de 1740, lê-se: “Se os ciganos e outros malfeitores, degradados do reino para
Pernambuco. não adotarem nesta capitania algum modo de vida estável e
continuarem a cometer crimes, serão novamente degradados dela para
Angola”.
Em 1718, por decreto de 11 de abril, “foram degradados os ciganos do
reino para a praça da Cidade da Bahia, ordenando-se ao governador que
ponha cobro e cuidado na proibição do uso de sua língua e gíria, não
permitindo que se ensine a seus filhos, a fim de obter-se a sua
extinção”.
Foi por essa data, segundo o sr. Pinto Noites, estimável e venerando
calon [2] de 89 anos, que chegaram ao Rio de Janeiro os seus avós e
parentes — nove famílias para aqui degradadas, em razão de um roubo de
quintos de ouro atribuído aos ciganos.
De sua prodigiosa memória, arquivo inesgotável da história de sua
nação entre nós, deixou rolar, durante duas horas que com ele
conferenciamos, informações admiráveis de critério e saber tradicional.
Daí a notícia que possuímos de famílias importantes do Brasil cruzadas
com eles, e a lista nominal das que acima referimos. de onde emergem
algumas da Cidade Nova, Minas, Bahia, etc.
Na intimidade desse povo inteligente e às mais das vezes caluniado,
conseguimos escrupulosamente verificar que as palavras do discreto
ancião ajustavam-se à versão popular dos mais esclarecidos de sua tribo.
O sr. Pinto Noites, dando-nos a relação das nove famílias, ou pelo
menos o nome dos seus chefes, compreendidos no decreto de banimento de
11 de abril de 1718, estabelece a ordem seguinte:
João da Costa Ramos, por alcunha João do Reino, com seu filho
Fernando da Costa Ramos e sua mulher dona Eugênia; Luís Rabelo de
Aragão; um Ricardo Fraga, que seguiu para Minas; Antônio Laço, com sua
mulher Jacinta Laço; o conde de Cantanhede; Manuel Cabral e Antônio
Curto, que foram para a Bahia, acompanhados, além de mulher e. filhos,
de noras, genros e netos.
— Logo que desembarcaram, terminou o nosso conferente, “alojaram-se
em barracas no Campo dos Ciganos, enorme e inculta praça que se estendia
da rua do Cano até a Barreira do Senado”.
Empregavam-se eles, pelo que pudemos depreender da narrativa, no
trabalho dos metais: eram caldeireiros, ferreiros, latoeiros e ourives;
as mulheres rezavam de quebranto e liam a sina.
Qual o rumo posteriormente tomado pelos deportados, quantos
internaram-se nas florestas ou permaneceram nos centros colonizados, é
uma questão complexa e de resolução dificílima.
Tropas e tropas vagabundas infestavam o norte e o sul, vivendo da
natureza e na natureza, comerciando nos pequenos povoados e pirateando
nas estradas. A reprodução entre si deu-se em grande escala; o
cruzamento com as três raças existentes efetuou-se, sendo o cigano a
solda que uniu as três peças de fundição da mestiçagem atual do Brasil
[3].
À ebulição dos elementos disparatados de nossa formação, mais
portugueses e boêmios vieram juntar-se em 1808, em desproveito do negro,
cujo manancial ia em breve estancar-se com a abolição do tráfico.
O estado do Brasil nessa época era todo especial; a família real
portuguesa traslada-se para a colônia, alterando a fisionomia do
passado.
Acontecimentos notáveis se sucedem; o país atravessa nova fase na sua organização política, administrativa e econômica.
Estudemos os fatos.
À chegada da corte real portuguesa, o Rio de Janeiro era a capital de
uma colônia, que a sua metrópole considerava como uma feitoria. O
comércio e toda a espécie de indústria lhe eram vedados; trabalhava na
agricultura e nas minas, para mandar o produto do seu trabalho a seus
dominadores da Europa.
O príncipe-regente veio quase inesperadamente, escoltado por uma
esquadra inglesa de nove naus, comandada pelo vice-almirante Sidney
Smith. A esquadra portuguesa compunha-se de muitas naus de linha, além
dos navios mercantes que iam chegando, perfazendo ao todo 3.000 pessoas,
as que acompanharam o rei, no dizer do conselheiro Drumond.
O Conde dos Arcos [4], personificação escolhida de todos os defeitos
de sua casta, perseguia barbaramente o contrabando, que eram todos os
produtos estrangeiros. Rodeou-se de malsins, que denunciavam quem tinha
uma peça ou outra de fazenda inglesa ou francesa. Se o infeliz era
negociante, mandavam que fosse por alguns dias posto de sentinela,
carregado de armas, à porta da Alfândega, enquanto durasse o despacho.
Isto não contando as somas com que o condenavam.
Era proibido por lei que no Brasil houvesse ourives [5]! Esta lei foi
derrogada muito depois da mudança das cortes portuguesas, e já existiam
na rua dos Ourives lojas de ambos os lados, mas que só negociavam com
obras feitas no Porto ou Lisboa — que a metrópole consentia que as
usassem os habitantes do Brasil!
Do interminável séquito da família real poucos prestavam para alguma coisa.
Eram fidalgos e vadios. Aos fidalgos mandou-se dar pensões do
tesouro: aos casados de 4.000$ e aos solteiros de 2:400$ [6]. Os vadios
foram empregados nas repartições que se criaram para esse fim.
Aos fidalgos, ainda depois do regresso da família real, o tesouro do
Brasil pagou alguns meses as tais pensões. Posições civis e militares, a
lucrativa servidão do paço, lugares de governadores e capitães-generais
das províncias lhes foram dados. E tudo isto não bastava! Criou-se a ordem da Torre e Espada [7] — valor e lealdade — para galardoar o
valor dos que fugiram com o rei e a lealdade de o acompanharem para o Brasil!!!
A desapropriação, a rapina e o menoscabo dos brios da colônia excediam mesmo dos limites da afronta… E os fidalgos e os vadios não eram mais fidalgos nem menos vadios do que os ciganos, que certamente fizeram parte da comitiva…
Luminárias, músicas,
Te Deum em ação de graças e demonstrações calorosas e regozijos populares assinalavam a grande recepção do senhor na senzala do cativo. Os ares pareciam sonoros, as janelas transformavam-se em jardins; as
ruas, à noite, ao clarão das luzes, alongavam-se como rios de fogo…
Isto durou por nove dias.
Desde então a capital do Rio de Janeiro era toda festas. Repetidas
vezes pomposos bandos, por ordem do Senado da Câmara, corriam a cidade,
anunciando que iluminariam até os subúrbios, que haveria fogo de
artifício, cavalhadas e corrida touros.
Quando o Brasil foi elevado a reino [8], os folguedos tocaram ao
delírio: arcos triunfais, torneios, cavalhadas, carros alegóricos
oferecidos pelo comércio, pela classe dos ourives, marceneiros,
caldeireiros, latoeiros; representações no teatro real com o
Elogio das Estações
e transparentes, e o quanto a riqueza e a imaginação em manifestar de
mais caprichoso: tudo contribuiu para o grandioso do ato comemorativo.
O sr. Pinto Noites, que ainda conserva a lembrança das festas que
tiveram lugar por ocasião dos desposórios do sr. dom Pedro I com a
princesa dona Leopoldina, duquesa d’Áustria, descreveu-nos com clareza o
que vira, chamando especialmente o nosso interesse para o “curro no
Campo”, por isso que aos do seu
núcleo couberam as glórias mais vivas [9].
Começaram os festejos a 12 de outubro de 1818 e terminaram a 15.
No primeiro dia, depois das salvas das fortalezas, da recepção do
corpo diplomático no Paço da Boa Vista e das solenidades religiosas, o
povo em multidão, apinhado nas praças, nas janelas, nos telhados,
impacientava-se por avistar suas majestades e a família real. As portas das casas estavam armadas de seda, as colchas de damasco
espelhavam ao sol, as ruas eram cintilantes de areia fina e esmaltada de
flores. Coretos com bandas militares, arcos e bandeiras tremulando nos
galhardetes, soldados dos regimentos e das milícias, gente aos
borbotões, davam a essa festa o cunho da magnificência das dinastias
asiáticas…
Os sinos repicam, as girândolas estrugem, os batedores, à disparada, de espadas desembainhadas, abrem alas…
Dom João VI e a sua corte, às aclamações das turbas, aos sons das
fanfarras, entram triunfantes no campo de Santana, para assistir ao
curro.
O Senado da Câmara aí fizera preparar um anfiteatro deslumbrante: o
terreiro, aplainado para as cavalhadas, achava-se circulado de
arquibancadas inúmeras, com panejamentos de cores múltiplas, enfeitadas
de bandeiras, destacando-se ao fundo o pavilhão de el-rei, enorme,
forrado de veludo e ouro, com cortinas de damasco finíssimo, estreladas e
franjadas de ouro, sobressaindo na frisa as armas portuguesas, entre
legendas fulgurantes.
Nos palanques faustosamente adornados, a fidalguia e a vadiagem dominavam absolutas. El-rei e os nobres, no seu dossel suntuoso, escutam as bandas de música que executam dobrados e hinos, esperando o torneio.
A foguetaria estoura, as beldades, faiscantes de pérolas e
brilhantes, anseiam pelo instante da justa, que deveria ser admirável. Em frente do palanque real, o rico e humanitário cigano Joaquim
Antônio Rabelo mandara arranjar, com a maior galhardia imaginável, um
tablado de preciosa madeira, de onde se erguia, dos quatro cantos, uma
construção de estilo egípcio, realçando sobre o damasco, a seda e o
veludo, galões e rendas de ouro.
Joaquim Antônio Rabelo, a quem a história nacional talvez um dia
considere como uma força nas agitações políticas da independência, assim
o determinara, para o dançado dos ciganos a quem ensaiara com
entusiasmo artístico e vestira à sua custa.
Às quatro da tarde rebentam bombas, as girândolas sibilam e um soar
de guizos, chocalhando nas cabeçadas e peitorais de fogosos ginetes,
anuncia as cavalhadas. Vinte cavaleiros, com seus pajens, envergam esquisitos costumes, simbolizando cristãos e mouros. [10] Os cavalos, ajaezados de prata, relincham escarvando a terra, sopeados na arena.
Os justadores empunham compridas lanças com fitas na ponta; simulam
desafio, traçam largo aceno com espadas e lanças, indicando posições a
tomarem, e separam-se. Galopando em volta do circo, confundem-se após, saúdam o rei,
pronunciam discursos de embaixada, findo o que, o partido dos cristãos
toma à direita e os dos mouros à esquerda. Depois das evoluções mais arriscadas, da corrida da argolinha e das
cinco cabeças, da vencida de um deles, cristãos e mouros vão às varandas
implorar às formosas damas o batismo de um olhar meigo, ou a
confirmação de um sorriso de amor. Flores, triunfos, palmas repetidas…
Nisso, um outro grupo salta na liça: os ciganos. Guiando soberbos cavalos brancos arreados com igualdade e riqueza,
balançando penachos implantados em discos de forma lunar, luzidos
criados transpõem as barreiras. Os bailadores trazem as bailadeiras à garupa: morenas, sedutoras como as profetisas gentias.
Os homens trajam jaqueta escarlate, calção de veludo azul, meias de
seda cor de rosa, chapéu desabado de veludo com plumas, sapatos baixos
de fivelas. As moças ajustam à cintura flexível costume de veludo,
primorosamente bordado, calção, sapatos de cetim branco com ramagens de
ouro; na cabeça, como um turbante de nuvens, um toucado azul, recamado
de estrelas, como o diadema das noites do Oriente.
A embaixada cigana dirige-se ao palanque real; a música toca, e os
corcéis, levemente fustigados, empinam-se no centro da planície, rodam,
dançam a polca. A multidão, contente do desempenho, manifesta-se com ruído.
Findos os primeiros exercícios, os pajens tomam da brida dos animais e conduzem os cavaleiros ao recinto do baile.
Aí, depois das cortesias à família real, ”uma salva de castanholas
marca o princípio do dançado… E, ao som das guitarras, o fandango
espanhol peneira, arde e geme — mansinho como as ondulações de um lago,
quente como os beijos das odaliscas, lascivo como as inspirações do
poeta-rei. Os dançarinos são vitoriados: flores, fitas, aplausos, eles os
conquistam pela magia plangente de seus instrumentos, pela graça ideal
de suas danças.
Dom João VI, participando do agrado geral, fá-los vir à sua presença. Uma banda de música precede-os na maior ordem. Subindo ao pavilhão, dois camaristas trazem, estendidos num coxim de
púrpura, os prêmios que lhes eram destinados: patentes militares aos
homens e jóias às mulheres [11].
As ovações, os vivas a el-rei e as harmonias coroavam os artistas e a
festa… Restabelecido o silêncio, voltaram jubilosos a seu palanque. Preludiaram na guitarra uns acordes casados a vozes de uma cantilena em sua linguagem. A tradição olvidou a toada e as letras… Para o sr. Pinto Noites, era o
Canto egipcio.
Às 6 horas os clarins, à frente de enorme préstito, ecoavam na cidade. El-rei nosso senhor via as luminárias…
Uma mulher trigueira, no auge da aflição, olhando para uma cruz
vermelha [12], pintada no alto de sua porta, fitou o rei na sua
passagem, e, estendendo os braços. como que querendo repelir uma visão
perseguidora, exclamou:
—
Jála-te, bengue! [13]
_________________________________________________________________________
Morais Filho Filho, Alexandre José de Melo.
Os ciganos no Brasil e Cancioneiro dos ciganos.
Belo Horizonte, Editora Itatiaia; São Paulo, Editora da Universidade de
São Paulo, 1981 (Reconquista do Brasil, nova série, 59), p.25-33
Notas - As notas indicadas por (M) foram feitas pelo autor, todas as outras são de autoria de Luís da Câmara Cascudo
1. Ordenações, Liv. 5º tít. 69, § 10. Leis de 7 de janeiro de 1606,
de 13 de setembro de 1613, de 24 de outubro de 1647, de 5 de fevereiro
de 1649, de 26 de janeiro e de 10 de novembro de 1708, de 20 de setembro
de 1760. Decretos de 30 de julho de 1648, de 20 de setembro de 1649, de
27 de agosto de 1686, de 28 de fevereiro de 1718 e de 17 de julho de
1745. Provisão de 9 de julho de 1679. Cartas Régias de 3 de dezembro de
1614 e de 30 de junho de 1639 e Aviso de 15 de maio de 1756. Pelo Alvará
de 20 de outubro de 1760 se procedeu contra ciganos, que deste reino
foram degradados para o Estado do Brasil, e aí viviam despóticos,
cometendo furtos de cavalos, escravos e carregando-se de armas de fogo
pelas estradas. Vejam a esse respeito as Leis de 13 de março de 1526, de
26 de novembro de 1538, de 17 de agosto de 1557 e o Alvará de 14 de
março de 1573. (M).
2. Cigano (M). “O nome calon é tirado dum dos nomes genéricos da nação dos ciganos, Isto é, de kalo, no plural kala,
que verdadeiramente quer dizer negro, os negros”; José B. de Oliveira
China, “Os ciganos do Brasil”, Revista do Museu Paulista, nº 21, p.552,
São Paulo, 1937 (Obs.: O M entre parênteses (M) indica que a nota é do
autor e não tendo assinatura é de Luís Câmara Cascudo).
3. É evidentemente exagerada a opinião do autor. A percentagem cigana
não constituiu elemento étnico capaz de merecer a frase. A dissolução
do cigano sedentário se processou pelo duplo efeito da mestiçagem e da
assimilação da vida burocrática ou comercial citadina. Nos dois maiores
centros de densificação cigana, Bahia e Rio de Janeiro, seu
desaparecimento como massa sensível foi completo. De mais raro e difícil
dispersamento étnico está sendo ainda o cigano nômade, vivendo no grupo
errante, por todos os estados do Brasil desde o século XVIII.
4. Dom Marcos de Noronha e Brito, oitavo conde dos Arcos,
décimo-quinto e último vice-rei do Brasil, 1806-1808. A ação do conde
dos Arcos na administração e política brasileira foi intensa,
envolvendo-se nas lutas e manobras partidárias da época com entusiasmo. É
uma figura de homem hábil, enérgico, sabendo conquistar e manter
amizades. Sebastião Pagano estudou-o, O conde dos Arcos e a revolução de 1817, e em Portugal, Rocha Martins no O último vice-rei do Brasil fixou-lhe a fisionomia sugestiva, inquieta e viva.
5. As “obras de ouro e prata” tinham sido proibidas no Brasil pela
carta régia de 30 de julho de 1766. Os primeiros favores apareceram na
carta de lei de 10 de abril de 1808. A autorização plena só ocorreu pelo
alvará com força de Lei de 11 de agosto de 1815, oficialmente
ab-rogando a carta régia de 30 de julho de 1766.
6. “Só para pensões a fidalgos e outras pessoas que o acompanharam,
dom João criou a despesa de 164:394,824$. Essas pensões variavam desde
4:000$ até 30$ por ano, “Tobias Monteiro, Elaboração da independência, p.107″.
7. A Ordem da Torre e Espada foi “restaurada e renovada” (criara-a o
rei dom Afonso V, o africano, em 1459) por decreto de 13 de maio de 1808
e regulamentada pela carta de lei de 29 de novembro do mesmo 1808. Dom
João, na carta de lei, explicava a necessidade de uma ordem puramente
honorífica, destinada a premiar civis e militares, nacionais e
estrangeiros, especialmente ingleses. As três ordens existentes eram
militares e religiosas, excluindo dos quadros os não-católicos que a não
podiam receber. A Torre e Espada não fazia essas exigências. Por toda
carta de lei o regente menciona como um dos títulos credenciários à
condecoração o gesto daqueles que preferiram a honra de acompanhar-me a
todos os seus interesses, abandonando-os a feliz dita de me seguirem. A
ordem vinculava bens territoriais brasileiros, sobrevivência jurídica
pouco citada. O artigo IX declarava: “Sendo o fim principal da renovação
desta ordem premiar as grandes ações, e serviços, que se me fizerem,
Hei por bem estabelecer seis comendas para os seis Grãos Cruzes
Efetivos, que hão de consistir em uma doação de duas léguas de raiz ou
quatro quadradas de terra cada uma, e oito comendas de légua e meia de
raiz, ou duas e um quarto quadradas para os comendadores”. O artigo X
esclarecia ser o terreno dessas comendas inculto e desaproveitado e
absolutamente por cultivar e sobre o qual não houvesse domínio ou posse.
Com essas restrições, naturalmente não apareceu comendador que
requeresse sua comenda territorial, contentando-se com a placa, medalha,
colar e mais honras visíveis. A ordem (artigo XIV) sua festa oficial em
cada dia 22 de janeiro, aniversário da chegada do príncipe regente ao
Brasil.
8. A carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 elevou o vice-reinado do
Brasil à dignidade, preeminência e denominação de Reino do Brasil. O
artigo III dava ao príncipe dom. João o título de príncipe regente do
Reino-Unido de Portugal e do Brasil e Algarve.
9. Não era a primeíra vez que os ciganos tomavam parte, oficialmente, num programa de festas protocolares. O barão de Eschwege. Brasilien die neue welte,
v.2, p.55 narra a participação entusiasta de um grupo cigano na
comemoração pública quando do casamento da princesa dona Maria Teresa,
primogênita do príncipe regente, com seu primo, Infante de Espanha, dom
Pedro Carlos, a 13 de maio de 1810. Eschwege informa: “Os ciganos
foram.convidado para as festas dadas na capital brasileira por ocasião
do casamento da filha mais velha de dom João VI com o infante espanhol.
Os moços desta nação, trazendo à garupa suas noivas, entraram no circo
montando belos cavalos ricamente ajaezados. Cada par pulou no chão, com
incrível agilidade, e todos juntos, executaram os mais lindos bailados
que eu jamais vira. Todos só tinham olhos para as jovens ciganas e os
outros bailados que também executaram pareceram ter tido por único fim
fazer sobressair os dos ciganos como os mais agradáveis”.
10. Esses cristãos e mouros realizam uma quadrilha eqüestre,
simulacro de batalha, com os melhores efeitos de alta escola de
equitação. O auto popular de cristãos e mouros é diverso, também
denominado chegança, nome de uma dança portuguesa do século XVIII.
Semelhantemente à exibição do Rio de Janeiro em 1818, Saint Hilaire
assistiu em Ilhéus, na província da Bahia. Havia ainda, além do auto e
da quadrilha eqüestre, um outro ato, ocorrendo a prisão e livramento de
uma princesa moura que era batizada, tema do ciclo carlovíngio que José
de Alencar descreveu como se realizando na Cidade do Salvador, Minas de prata, XIII. Ver Revista da música brasileira, Renato Almeida, “Chegança dos mouros”, p.216-225, e bibliografia citada.
11. A Joaquim Antônio Rabelo, sargento-mor do 3º regimento de
milícias da corte, foi concedida a mercê de melhoramento de reforma no
posto de tenente-coronel; e nomeados alferes agregados das Ordenanças da
corte, José Cardoso Rebelo. Manuel Laço, Antônio Vaz Salgado Fernando
José da Costa, José Luís da Mota, Baltasar Antônio Policarpo e João do
Nascimento Natal. (M)
12. Era uma intimação de despejo, por ordem de el-rei, para que o
morador cedesse a casa aos recém-chegados do reino. (M). Tobias Monteiro
esclarece: “Pela chamada Aposentadoria Real o Soberano podia requisitar
as casas de que precisasse para si e as pessoas a quem quisesse
acomodar, desalojando desse modo os ocupantes. O papel pregado à porta
dessas casas com as iniciais P. R, Príncipe Real, passou a ser traduzido
jocosamente pelo povo; queria dizer: “ponha-se na rua”, Elaboração da independência,
p.100-101. Alguns fidalgos do séquito real ficaram ocupando as
residências alheias, sem pagar, durante mais de década, como o conde de
Belmonte e a duquesa de Cadaval.
13. Vai-te, diabo!