Não se pode chamar Cinira Polônio (1857-1938) de vedette,
sem antes conhecer um pouco da sua história. Mulher inteligentíssima e
avançada para o seu tempo recusou-se a seguir o modelo imposto pela
sociedade da época e não se casou. Mesmo assim ou exatamente por isso,
teve uma vida amorosa extremamente movimentada.
Independente, assumiu
orgulhosamente a carreira de atriz no teatro musical, quando tudo ainda
estava começando. Cinira foi uma das mulheres mais cultas e elegantes da
época. Falava muito bem o francês e outros idiomas. Era também cantora,
compositora e maestrina. Tocava harpa e piano. Além disso, era ousada,
pois escreveu uma peça de teatro intitulada Nas Zonas, uma burleta (comédia de costumes com números musicais) que apelidou de revuette (revistinha em francês).
Fez muito sucesso nas duas
primeiras décadas do século XX, ocupando o posto de primeira atriz na
Companhia de Revistas e Burletas do Teatro São José. Seu nome aparecia
no alto, em destaque nos programas da companhia.
Era famosa por dizer bem os textos, mas tinha voz pequena para cantar. Essa sua habilidade de diseuse,
de falar bem os textos, era usada não para declamar textos clássicos,
mas para ressaltar o duplo sentido, o picante das palavras no teatro de
revista. Ela sabia, como ninguém, sublinhar as palavras mais picantes.
A crítica aclamava seu ar
refinado, elogiando-lhe a beleza, a graça e a elegância. Cinira
representou a síntese entre o erudito e o popular por reunir, em seus
personagens, o refinamento e a malícia, uma elegância excitante entre a
francesa e a brasileira.
Como atriz, fez comédias,
operetas e burletas. E, sobretudo, encenou várias revistas de Arthur
Azevedo. Nos palcos também se destacou com belíssimos figurinos e porte,
principalmente nas revistas. Ela representava o ideal de uma boa parte
da sociedade brasileira que gostaria de viver na Europa.
Dentre os diversos papéis que se
destacou, podemos lembrar uma francesa sem-vergonha chamada Madame
Petit-Pois da famosa burleta Forrobodó (1912). Pois essa
personagem ia parar numa gafieira, falava um francês-português todo
atrapalhado e ficava assanhadíssima com o Guarda. Prova de que o seu
senso de comédia permitia dessacralizar o francês da elite. Vamos
conferir uma pequena cena de Forrobodó:
Guarda – Madama, você me ensina um bocado de franciú?
Madame Petit-Pois – Moi ensina, moi ensina. Marquez moi un rendez-vous.
Guarda – Lá nas Marrecas não vou, e se for é de relance.
Madame Petit-Pois – Après le forrobodó, main-tenant je veux la dance. Avec moi
maxixê.
Apesar das interrupções para se
apresentar em Portugal, atuou no teatro musical brasileiro até 1913,
fazendo várias revistas de Arthur Azevedo como O Cordão; O Carioca; O Homem; Mercúrio. Também estrelou as revistas Comes e Bebes; Zé Pereira; Pomadas e Farofas; Cá e Lá; Chic-chic; Dinheiro Haja; Berliques e Berloques; Carestia, Ressaca e Companhia.
Foi um marco de liberdade e de
emancipação feminina. Conseguiu escapar dos preconceitos. Fez muito
sucesso. E morreu esquecida, no Retiro dos Artistas (RJ), em 1938.
Refinada e chic, era coquette, era divette. Mas quando essa brasileira piscava sensual e maliciosamente, era, sim... uma grande vedette!
Fonte: As Grandes Vedetes do Brasil - de Neyde Veneziano.