A
modinha é uma canção lírica, sentimental, derivada da moda portuguesa.
Nos fins do século XVIII, em Portugal, a palavra moda tomou sentido
genérico e com ela se designavam árias, cantigas ou romances de salão.
A
voga que essa música vocal de salão adquiriu no reinado de Maria I se
traduziu no trocadilho que se tornou de uso comum entre cronistas da
época, “era moda, na corte de Maria I, cantar a moda”, cujos autores
eram músicos de escola formados na Itália: João de Sousa Carvalho, Leal
Moreira e Marcos Portugal
Quebrando
o formalismo dessas modas cortesãs, surgiu nos serenins dos palácios
de Bemposta, de Belém ou de Queluz, Portugal, a figura do brasileiro Domingos Caldas Barbosa
(?1740—1800), poeta e tocador de viola. Protegido dos marqueses de
Castelo Melhor, Caldas Barbosa, o Lereno da Nova Arcádia, sofreu a
reação violenta dos poetas e escritores portugueses da época,
principalmente Bocage, Filinto Elísio e Antônio Ribeiro dos Santos, que
chegou a considerar sua presença como indício da dissolução dos
costumes da corte portuguesa.
Domingos Caldas Barbosa deixou o
Brasil em 1770. Só cinco anos depois, já investido de ordens menores,
apareceram suas primeiras obras e por elas se verifica que o padre
mulato, cobrindo-se com a batina para disfarçar o fator adverso da cor,
não se deixou atingir pelos apodos virulentos dos seus rivais. Músico
sem conhecer música, cantor sem haver estudado canto, Caldas Barbosa
substituiu o cravo e o pianoforte pela viola de arame e com ela
granjeou a simpatia dos áulicos e das açafatas da rainha.
Não
se conhecem documentos que atestem a existência da modinha antes da
apresentação de Caldas nos saraus lisboetas de 1775. Historiadores
brasileiros mencionam os nomes de Gregório de Matos (1633—1696), Antônio
José da Silva, o judeu (1705—1739) e Tomás Antônio Gonzaga
(1744—?1808) como precursores da modinha. A documentação pesquisada não
confirma a suposição desses historiadores.
O próprio Caldas Barbosa, evitando a designação de moda, usada pelos compositores eruditos, intitulou de cantigas as canções enfeixadas no seu Viola de Lereno:
coleção das suas cantigas, oferecidas aos seus amigos (volume 1:
Oficina Nunesiana, Lisboa, 1798; volume II: Tipografia Lacerdina,
Lisboa, 1826). No texto de uma dessas cantigas, refere-se às suas modas,
palavra que, por modéstia ou humildade, preferiu usar no diminutivo modinhas,
criando assim o gênero poético-musical que iria converter-se na “mais
rica das formas por que se manifesta a inspiração poética do nosso
povo” (José Veríssimo).
É
numerosa a bibliografia dos fins de setecentos e começos de oitocentos
relativa à modinha, e nela é manifesta a primazia que escritores e
viajantes dão à modinha brasileira, em confronto com a modinha
portuguesa. O depoimento de William Beckford (1760—1844), datado de
1787, não deixa dúvida quanto à prioridade da modinha brasileira sobre a
portuguesa. Teófilo Braga não hesita em afirmar a procedência
brasileira da modinha.
Já
a documentação musicográfica sofre a contingência de não ter tido o
Brasil uma imprensa que documentasse a produção musical da época. Os
mais antigos documentos saíram das oficinas e tipografias de Lisboa e
Coimbra. Merece menção o Jornal / de / Modinhas / com acompanhamento de
cravo / pelos melhores autores / dedicado / A Sua Alteza Real /
Princesa do Brasil / por P. A. Marchal Milcent / no primeiro dia e no
quinze de cada mez, sairá / uma modinha nova / Preço 200 Rs / Lisboa.
Esse jornal foi editado a partir de 1792 e nele aparecem modinhas de
Caldas Barbosa, cujo sucesso se refletiu no Brasil nas modinhas de
Joaquim Manuel, outro mestiço brasileiro que teve a honra de ser
editado em Paris, em 1824, num álbum de vinte modinhas harmonizadas por
Sigismund Neukomm, o discípulo preferido de Joseph Haydn (1732—1809)
que morou no Rio de Janeiro de 1816 a 1821.
Embora cultivada em Lisboa como
música da aristocracia, foi no Brasil que a modinha se enraizou.
Floresceu no I Reinado na obra de Cândido Inácio da Silva, Gabriel
Fernandes da Trindade, padre José Maurício Nunes Garcia, padre Teles,
Leal e outros. No II Reinado, a produção modinheira se enriqueceu com
poemas dos melhores poetas, como Gonçalves Dias, Castro Alves, Álvares de Azevedo, Fagundes Varela, Casimiro de Abreu.
Musicalmente,
porém, as edições brasileiras de então traziam o nome de compositores
estrangeiros, que, atrelados ao estilo e ao gosto da ária da ópera
italiana, não afinavam com o caráter nacional que a modinha já
adquirira. Só nos fins do Império e começos da República, a modinha, já
inteiramente aculturada, reflete a sensibilidade e o gosto do povo
brasileiro.
A
modinha se populariza. Deixa o recinto fechado dos salões e se expande
nas ruas, ao relento, nas noites enluaradas, envolta nos acordes do
instrumento que, no Brasil, se tornou o seu companheiro inseparável — o
violão. É a fase em que pontificam Laurindo Rabelo, Xisto Bahia, Melo Morais Filho, Catulo da Paixão Cearense.
Fonte: Enciclopédia da Música Brasileira - Art Editora e Publifolha - 2a. Edição - São Paulo - 1998.
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