quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Movido pelo ciúme

Aqui no jornal diz que Luís Caldas matou Rosa Maria dos Santos movido pelo ciúme; e dá antecedentes do crime. Luís foi passar o carnaval num sítio, lá no interior, casa de um amigo. Rosa Maria ficou aqui, nos quatro dias de festas carnavalescas. Diz que os dois eram noivos, mas deviam ser mais do que isso, pois Luís sentiu o ciúme a doer-lhe na carne.

Pobre Luís! Sua inexperiência amorosa levou-o ao mais doloroso dos sentimentos. "Cada um mata aquilo que adora" — dizia o nem sempre ultrapassado Oscar Wilde. E Luís foi nessa. Não soube explicar à amada que há homens cujo amor não suporta o impacto de um carnaval e sentiriam a angústia do ciúme mesmo que enfrentassem as lides carnavalescas de braço com a mulher que querem e que sentem sua. Não soube explicar e depois não soube livrar-se das provocações da amada, porque toda mulher é assim mesmo e é nas reações do homem que busca o alimento do seu amor.

Rosa Maria não tomou a ausência de Luís ou não a sentiu — melhor dizendo — em suas verdadeiras proporções: Luís sumiu por amor, por nutrir pela amada um misto de superconfiança nela e mesquinha insegurança em si mesmo. Vieram as Cinzas, voltaram a se encontrar e ela pôs-se a provocar.

Ó Senhor, é preciso todo um mundo de renúncias íntimas para suportar o que diz a amada, após o reencontro. Pobre Luís, não tinha ainda aprendido a grande lição! No reencontro a amada mostra-se alegre como um passarinho e já aí começa o ciúme a maltratar o homem. Ela deixará escapar frases soltas, pequenas provocações que o homem, para proteger o seu amor por ela, deve deixar que batam contra o escudo do estoicismo.

Ela dirá, por exemplo, "há muito tempo que o carnaval não esteve tão animado". Ao homem, nesta circunstância, resta balançar a cabeça, concordando, mas nunca perguntando: "Você achou, é?". De maneira nenhuma. Passe incólume, amigo, se ama de fato quem o ama.

Ela virá com novas armas. Haverá um momento de pausa na conversa e ela vai cantarolar baixinho: "Tristeza... por favor vai embora!". Algumas, depois de cantarolar, ainda acrescentam: "Chi, esta música não me sai da cabeça". Agüente firme, irmão, e se ânimo sobrar, diga: "Esse samba é lindo, realmente".

Sei que o ciúme está fazendo de você o "palhaço das perdidas ilusões", mas até aí você vai indo bem. Chegará o momento em que ela, a troco de nada, vai dizer: "Lá onde você passou o carnaval tinha televisão?". Responda que não, mesmo que houvesse, pois ela arrematará: "No Baile do Monte Líbano eu fui focalizada diversas vezes". Finja que não vê o olhar que ela estará usando contra você e faça de si a estátua da renúncia, quando ela informar que a fantasia dela fez muito sucesso: "Era aberta de um lado e deixava a perna toda de fora. Recebi elogios totais".

Sei que é hora do bofetão, amigo, mas — por favor — não deixe que o fantasma do ciúme invada o seu castelo. Para que sua amada continue a ser a sua amada, respire fundo e esqueça, ela poderá insistir com mais umas duas ou três, no estilo "que beleza é ver o sol nascer no carnaval", mas está cada vez amando mais você. E então, quando ela telefonar com aquela mesma voz dengosa que tinha em janeiro, você estará de parabéns: venceu a batalha, irmão!

Mas lembre-se: vencer uma batalha não é vencer a guerra. Aguarde, que outros carnavais virão.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).

Fonte: FEBEAPÁ 1: primeiro festival de besteira que assola o país / Stanislaw Ponte Preta; prefácio e ilustração de Jaguar. — 12. ed. — Rio de Janeiro; Civilização Brasileira, 1996.

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