A
historinha que vai contada abaixo, naquele estilo literário que fez de
Stanislaw Ponte Preta um escritor de importância transcendental, é
absolutamente verdadeira e — a par de ser jocosa — serve para provar
que na época hodierna a mulher está tão desacostumada ao cavalheirismo,
que engrossa a toda hora, por falta de treino.
A pessoa que foi testemunha do episódio merece todo crédito e garante
que aconteceu no interior de um desses ônibus elétricos que a
irreverência popular apelidou de chifrado. O ônibus vinha lotado e, como
acontece com tanta freqüência, com vários passageiros em pé.
Antigamente, quando havia passageiro em pé, era tudo homem, porque a
delicadeza mandava que os cavalheiros cedessem seus lugares às damas.
Hoje, porém, é na base do chega-pra-lá.
Vai daí, havia um senhor que estava sentado distraidamente lendo o seu
jornal e nem percebeu que havia em pé, ao seu lado, uma jovem senhora
dessas que não são nem de capelão largar batina, nem de mandar dizer que
não está. Em suma: uma mulher bastante razoável.
O senhor acabou de ler o seu jornal, dobrou-o e deu aquela espiada em
volta, ocasião em que percebeu a distinta viajando em pé, ao seu lado.
Devia ser um cavalheiro de conservar hábitos d'antanho porque,
imediatamente, levantou-se e disse pra dona:
— Faça o obséquio de sentar-se, minha senhora. Seu ato não parecia
esconder segundas intenções, tão espontâneo ele foi. Mas, se o
cavalheiro era antigão, a madama era moderninha. Achou logo que o senhor
estava querendo fazer hora com ela e, desacostumada ao gesto delicado,
torceu o nariz e falou:
— Muito obrigada, mas eu não sento em lugar quente. Houve risinho
esparso pelo ônibus e comentários velados, o que deixaria o senhor com
cara de tacho, não fosse ele — conforme ficou provado — pessoa de muita
presença de espírito.
Notando que todos o olhavam como se ele fosse um palhaço, o gentil
passageiro voltou a sentar-se e disse, no mesmo tom de voz da grosseira
passageira, isto é, naquele tom de voz que desperta a atenção geral:
— Sinto muito que o lugar esteja quente, minha senhora. Mas não existe
nenhum processo que nos permita carregar uma geladeira no rabo.
Alias, ele não disse rabo. Ele disse mesmo foi bunda.
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sábado, 20 de agosto de 2011
O homem das nádegas frias
Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: FEBEAPÁ 1: primeiro festival
de besteira que assola o país / Stanislaw Ponte Preta; prefácio e
ilustração de Jaguar. — 12. ed. — Rio de Janeiro; Civilização
Brasileira, 1996.
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