quinta-feira, 19 de maio de 2011

O diário de Muzema

Muzema é um bairrozinho pequeno e pacato, ali pelas bandas da Barra da Tijuca. Pertence à jurisdi­ção da 32ª Delegacia Distrital e nunca dá bronca. Ou melhor, minto... não dava bronca porque esta que deu agora foi fogo.

Diz que o delegado da 32ª estava em sua mesa de soneca tirando uma pestana, feliz com o sos­sego, quando um bando de perto de 200 pessoas invadiu a delegacia, carregando no ar um coitado, baixote e magrinho, com a cara mais amassada que pára-choque de ônibus de subúrbio. E a turba fazia um barulho de acordar prontidão.

O delegado, que era o Levi, deu um pulo da cadeira e berrou:

— Chamem a Polícia!!! — mas aí percebeu que ele mesmo é que era a Polícia e perguntou que diabo era aqui­lo. Logo todo mundo começou a berrar ao mesmo tem­po, o que obrigou o Dr. Levi a berrar mais alto ainda, or­denando:

— Um de cada vez, pombas!

Aí um dos que carregavam o pequenino, ordenou que os companheiros pusessem "aquele rato" no chão (a expressão é lá do cara) e começou a explicar:

— Nós somos moradores do bairro de Muzema, dou­tor Delegado.

— Sim. E esse pequenino aí?

— Pois é, doutor. Nós somos todos de lá e esse creti­no aí também é. Imagine o senhor que ele tem um cader­no grosso, que ele chama de "Meu Diário", onde escreve as maiores sujeiras sobre a gente.

— Como é que é? — estranhou o delegado.

Começou todo mundo a berrar outra vez e, enquan­to um guarda dava um copo de água para o diarista arre­bentado, o delegado viu-se outra vez a berrar mais alto:

— Calem-se! Um só de cada vez!

Foi aí que deram a palavra pro dono do caderno:

— É o seguinte, doutor: eu tenho um diário. Ando muito lá pela Muzema e ninguém nunca repara em mim. Assim eu posso ver o que os outros fazem sem ser impor­tunado. Mas acontece que eu não sou fofoqueiro. Eu vejo cada coisa de arrepiar. Ainda ontem eu vi a mulher daque­le ali (e apontou para um sujeito do grupo) num escurinho da praça, abraçada com aquele lá (e apontou um ou­tro sujeito no canto da delegacia, que, ao ser apontado, encolheu-se todo).

Esta informação bastou para que o assinalado mari­do partisse pra cima do encolhido e o tumulto se genera­lizasse. Coitado do delegado, já estava quase rouco, quan­do conseguiu reimplantar a ordem na 32a DD.

— Prossiga! — disse pro pequenino.

O pequenino pigarreou e prosseguiu:

— Como eu dizia, eu tenho o meu diário e anoto nele tudo que vejo. Não faço fofoca com ninguém. Tudo que está escrito é verídico.

— Como é o seu nome? Onde você mora?

— Edson Soares. Moro lá mesmo na Muzema. Lote "A", casa 18.

O Delegado Levi pediu o diário e folheou algumas páginas. Havia coisas mais ou menos assim, escritas nele. "Dona Jurema, do lote "B", casa 75, estava saindo de ma­drugada da casa 67 do mesmo lote, onde mora o Sebastião, que tem um cacho com ela há muito tempo". Ou então: "Lilico continua fingindo que é noivo da filha de Dona Júlia, mas se aquilo é noivado eu sou girafa. Como eles mandam brasa, atrás do muro da casa dela".

O Delegado Levi tossiu, embaraçado, e quis saber como é que os personagens daquele diário tinham desco­berto o que estava escrito ali. O pequenino foi sincero:

— Eu dei azar, doutor. Eu esqueci o diário num banco da pracinha e fui jantar. Quando eu voltei estava todo mundo em volta desse garoto aí (e apontou um garoto sorridente, que se divertia com o bafafá), e o miserável do garoto lendo em voz alta:"... o seu Osooo... Osório. Não: Osório. O seu Osório quando sai pra o trai... tralba... para o trabalho, devia levar a muuu... a mu­lher dele. Ela é muito assada... assada não... muito assanhada".

— Eu achei o diário dele — falou o garoto, mas calou-se logo ao levar um cascudo de um gordão que devia ser, na certa, o seu Osório.

Já ia saindo onda outra vez. O pessoal do bairro paca­to estava mesmo disposto a beber o sangue de Edson So­ares, o historiador da localidade. Sanada, todavia, mais esta tentativa o Delegado Levi perguntou ao dono do diário:

— O senhor também é poeta?

— Mais ou menos, né?

— Eu pergunto — esclareceu o delegado — porque este versinho aqui está interessante, e leu no diário: "Para o José Azevedo / O futebol não cola / Pois se for cabecear / Na certa ele fura a bola".

Pimba... mais uma bolacha premiou a cara do poeta. Ninguém conseguia segurar José Azevedo, residente na Muzema, Lote "J", casa 77. O pau roncou solto e só quan­do chegou reforço é que o delegado conseguiu botar em cana uns quatro ou cinco, inclusive o biógrafo muzemense. O resto mandou embora, aconselhando:

— Vocês ve­jam se não dão margem ao artista de se expandir tanto, em seu futuro diário, tá?

O pessoal prometeu.

Por: Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).

Fonte: FEBEAPÁ 1: primeiro festival de besteira que assola o país / Stanislaw Ponte Preta; prefácio e ilustração de Jaguar. — 12. ed. — Rio de Janeiro; Civilização Brasileira, 1996.
Leia mais...

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Uma praia chamada Buraco

DSCN5300G

De águas agitadas, a praia do "Buraco" é ocupada, em parte de sua orla, por um hotel e o seu nome deve se originar devido à grande depressão que há em sua margem. Fica a três km ao norte do centro da cidade de Balneário Camboriú, e seu acesso é feito através da parte norte dessa cidade, o Pontal Norte, onde podemos caminhar por uma charmosa passarela de 500 metros, com mirantes, decks de madeira, luminárias em toda sua extensão e escadas de acesso à areia da praia.

O mar é agitado e propício para a prática de surf. De lá é possível ter uma bela vista da Praia Central de Balneário e o acesso é feito por trilhas ecológicas que fazem divisa com a cidade vizinha de Itajaí. As fotos foram tiradas na tarde 6/5/2011.

DSCN5305G

DSCN5324G
Leia mais...

Aos tímidos o que é dos tímidos

Tímido que ele era. Um desses sujeitos assim cujo complexo de inferioridade é tamanho que, ao se olhar no espelho, sente-se mal ao deparar sua própria imagem, por considerá-la superior ao original.

Tem uns caras que, francamente: eu — por exemplo — conheci um que o pes­soal chegou a apelidar de Zé Complexo. Um dia ele me confessou que, muitas vezes, quando saía de casa, tinha ímpetos de deixar o elevador pra lá e descer pela lixeira. Acabou morrendo por timidez, numa véspera de Natal.

Foi assim: a família tinha engordado um peru para a ceia natalina, e ele ficou encarregado de matar o peru. Na véspera da coisa, e dia do peru, levou-o lá prós fundos e começou a dar cachaça para o condenado, e foi lhe dan­do aquela tristeza e, então, pra ver se levantava o moral, começou a beber junto com o peru, e foi bebendo e foi piorando, baixou nele uma neura bárbara, até que consi­derou as circunstâncias, olhou para o peru mais uma vez, o peru olhou para ele com aquele olhar de peru encachaçado, que é pior que olhar de deputado nordestino. En­fim, para encurtar o caso: acabou considerando que o peru merecia mais que ele e se suicidou, deixando o peru sozi­nho lá no quintal, no maior pileque.

Mas não era desse cara que eu queria falar não. Esse morreu, deixa pra lá. O tímido desta história tinha as suas mumunhas, tanto assim que chegou a arrumar uma namorada. Não era nenhum estouro de mulher, mas também não era como aquela que o gato cheirou e cobriu de areia. Na verdade a namorada deste tímido que eu estava falando, e depois passei pro outro que morreu, levava um certo jeito. Pernudinha, nem baixa nem alta, nem magra nem gorda. Engraçadinha, sabe como é?

Pois não é que apareceu um desses bacanos de cabelão, pele tostada no moderno estilo "Castelinho", folgado às pampas, e cismou com a pequena do tímido?

Como, minha senhora? A pequena do tímido é que deu bola pro bonitão?

Nada disso, madama, nada disso. Embora eu não po­nha a mão no fogo por mulher, porque eu não quero ficar com o apelido de maneta, posso garantir à senhora, que a pequena do tímido tinha fama de batata. Tanto isto é ver­dade que foi ela quem inventou o plano.

Quando o namorado descobriu que havia cabrito na sua horta, ficou numa fossa tártara. Dava até pena ver: perto da dele a fossa de qualquer um parecia apartamento de cobertura. Ainda bem não tinha morado no assunto, ficou logo achando que perderia a parada, porque o ou­tro era mais forte, mais freqüentador do "Le Bateau", sa­bia dançar o surf muito bem, e mais diversas outras papa­gaiadas que hoje em dia as mulheres consideram predica­dos masculinos.

Aí a pequena dele ficou tão chateada que lhe deu uma bronca:

- Toma uma atitude, Lelé! (O nome dele era Leovigildo, mas ela chamava de Lelé.) Contrata aí um desses latagões a serviço da bolacha e manda dar uma surra nes­se atrevido!

Tá certo, a pequena era um pouco chave-de-cadeia, mas essa atitude dela provava que, entre o bacanão e o Lelé, ela era mais o Lelé. Foi, aliás, o que o Lelé deduziu, dedução esta que o levou a procurar Primo Altamirando.

Ora, o Mirinho vocês conhecem e, se não conhecem, per­guntem na Polícia, que lá eles sabem. Procurou Mirinho e propôs o negócio: dez "cabrais" ou dois "tiradentes" — a escolher — para dar um corretivo no cara.

Mirinho achou o negócio legal e saiu em campo. Não demorou muito, encontrou o perseguido badalando num balcão de sorveteria, fazendo presepada no meio das menininhas. Chamou-o num canto, como quem vai pro ba­nheiro, e, agarrando o braço dele, colocou-o a par da con­juntura. O cara foi ficando branco que nem parecia freguês de sol do "Castelinho", começou a gaguejar, e o Pri­mo viu logo que aquela transação podia render mais. Sol­tou o braço do cara e meteu a proposta:

— Faz o seguinte. Manda 20 mil aí que eu transfiro o negócio pra outra firma.

O bonitão nem quis ouvir mais nada. Filho de pai rico e coisa e tal, meteu a mão no bolso e pagou à vista. Com 30 mil em caixa, o abominável parente resolveu ti­rar licença-prêmio e foi gastar o lucro.

Deu-se que, ontem, estava ele parado numa esquina, paquerando o ambiente, quando o tímido apareceu de braço com a pequena. Ao passar por ele, fez um gesto largo, sorriu, piscou um olho e berrou:

— Olha! Aquele nosso negócio; perfeito, velhinho! A firma concorrente entrou pelo cano.

Mirinho olhou pra ele, lembrou-se dos 20 mil que o outro lhe confiara e suspendeu a licença. Caminhou em sua direção e tacou-lhe um bofetão em si bemol que o coita­do saiu catando cavaco e foi cair sentado no meio-fio.

Tá certo! O fim desta história é meio chato. Mas, é como me explicou Mirinho: onde já se viu tímido bancar o expansivo só porque tá com mulher?

Por: Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).

Fonte: FEBEAPÁ 1: primeiro festival de besteira que assola o país / Stanislaw Ponte Preta; prefácio e ilustração de Jaguar. — 12. ed. — Rio de Janeiro; Civilização Brasileira, 1996.
Leia mais...