Não, isso também já é enveredar pelo perigoso terreno da galhofa — se é
que vocês me permitem usar esta expressão de Tia Zulmira. Esse negócio
de se arranjar uma comissão de inquérito para apurar o que estão fazendo
as comissões de inquérito é muito chato. Desculpem, mas vamos mais uma
vez usar a sábia parenta.
A velha e experiente Tia Zulmira,
quando soube que se cogitou, de brincadeirinha, é claro, de uma comissão
de inquérito para as comissões de inquérito da Câmara sentenciou:
— Há um dado momento em que se deve confiar, pra não piorar! Ora, a velha é fogo e sabe o que diz.
Ensinou
bailado a Nijinsky, relatividade a Einstein, psicanálise a Freud,
automobilismo a Juan Fangio, foi técnica de basquete dos "Globe
Trotters", deu aula de tourada a Dominguín, explicou a Charlie Chaplin
como se faz cinema e, na rebarba, ainda temperou a vacina para o Dr.
Jonas Salk. Logo, não está aí para blablablá.
Se ela diz que,
num dado momento, mexer a panela é pior que deixar no fogo lento, é
porque esta é a melhor maneira de se proceder. Vivida como é, a
excelente macróbia esteve a conversar conosco sobre esse círculo vicioso
que, às vezes, causa a desconfiança excessiva. Lembrou então o que
aconteceu com os pais de Primo Altamirando, menino que cedo foi viver
com a tia, porque o casal foi à garra.
Deu-se — contou-nos ela —
que Mirinho quando garoto já prometia que um dia seria isto que é hoje,
razão pela qual seus pais resolveram arranjar uma babá de toda
confiança para vigiar o agora abominável parente. Contrataram uma babá
inglesa (até hoje ninguém sabe explicar por que certos casais acham que
babá, pra ser de confiança, tem que ser inglesa)... mas — dizíamos —
contrataram uma babá inglesa e estavam muito satisfeitos, até o dia em
que acharam que era preciso ver se a babá era mesmo de confiança.
Então — porque era um antigo conhecido da família — chamaram o velho Crisanto (já falecido) para vigiar a babá.
Crisanto
ia se desincumbindo satisfatoriamente do mister e nada teria acontecido
se Altamiro, pai de Altamirando, não tivesse a idéia de conversar com a
mulher a respeito da missão de Crisanto. Quem lhes podia garantir que o
distinto estava mesmo vigiando a babá que vigiava Mirinho?
É...
ninguém podia, pois ninguém vigiava o homem. E foi por isso que —
usando da velha teoria de quem quer vai, quem não quer manda — Altamiro,
pai de Altamirando, passou a sair para vigiar Crisanto, que vigiava a
babá, que vigiava o menino.
Tudo ia muito bem, até o dia em que a
mãe da criança resolveu espiar pra ver se o marido estava mesmo
controlando o velho Crisanto. E qual não foi sua surpresa, ao descobrir
Crisanto ninando Mirinho e Altamiro ninando a babá!
É... Tia Zulmira tem razão: num dado momento, deve-se confiar, para não piorar!
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Fonte:
Tia Zulmira e Eu - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.
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