Diz que aconteceu mesmo. O cara que me contou falou que o caso era verídico e ficou até de me apresentar ao Cravino, personagem central desta lamentável historinha de cunho conjugal.
É que esse tal de Cravino tem uma mulher que eu vou te contar: se ele fosse casado com um tamanduá estava mais bem servido. Há uns 50 quilos atrás ela ainda era mais ou menos, isto é, tinha um rebolado não de todo desprezível e um rostinho bem razoável. Mas depois que casou, a distinta só fez engordar e embuchar. Hoje em dia — se o Cravino pudesse — dava ela de entrada em qualquer crediário.
E, como se não bastasse, a mulher do Cravino é mais ciumenta que um pierrô. Por qualquer coisinha, parte pra ignorância. A coisa foi num crescendo de amargar.
No começo, o Cravino olhava pro lado e levava uma catucada nas costelas, porque a mulher achava que ele estava dando bola para alguma desajustada social. Depois, passou da catucada ao beliscão, que é muito mais doloroso e, ultimamente, diante da complacência do marido (complacência essa ditada por total incapacidade física diante da mulher), iniciou, com bastante êxito, o chamado festival de bolacha. O pobre do Cravino, por qualquer besteira, apanha mais em casa que o time da Portuguesa no campeonato.
O pobre coitado é um conformado de sousa. Até já esqueceu como é mulher e a impressão que se tem é a de que - se alguém mandar ele desenhar uma mulher — o Cravino não vai saber desenhar de cor.
Para falar francamente, a única coisa que ainda interessa um pouco o Cravino é automóvel. O rapaz é tarado por um carro bacana, um modelo esporte, um carro de corrida.
E foi mais ou menos por causa de um desastre de automóvel que foi parar num hospital. Não que o Cravino estivesse dentro de um carro acidentado; nada disso. O desastre de automóvel dele foi diferente.
O negócio foi o seguinte: o Cravino tem um amigo que comprou a maior Mercedes-Benz. Um carro alinhadíssimo, o fino da máquina e, sabendo que o seu cupincha ama carro assim, telefonou para ele e perguntou se não queria dar uma voltinha no Mercedes.
Ora, tá na cara que o Cravino ficou assanhado e topou logo. Seu entusiasmo foi tal que esqueceu a mulher que tinha. O amigo chegou com o carro na porta da loja onde o Cravino é gerente e entregou-lhe a chave:
- Pode rodar pela aí quanto quiser — falou.
O Cravino, encantado, pegou o carro e saiu rodando pelo asfalto, feliz como um passarinho. Tão entusiasmado estava que esqueceu a hora de voltar. Quer dizer, ele esqueceu, mas a mulher não. Bastou passar cinco minutos da hora normal do marido chegar, que ela começou a pensar o pior:
- Deve estar metido em algum canto, com mulheres! - falou a monstra para si mesma.
Quando já fazia uma hora da hora do Cravino chegar, a mulher já estava queimando óleo 40. Sua indignação era tanta que começou a babar numa bela coloração arroxeada. E o Cravino, nem nada, passeando no Mercedes do amigo.
Só deu as caras em casa duas horas depois. Vinha alegre, de alma lavada, amando o carro do outro. Nem se lembrou do perigo que corria e, ao abrir a porta e dar com a megera indomada à sua frente, ficou estupefato.
— Com que mulherzinha você estava, cretino? — berrou a mulher.
— Eu estava com a Mercedes... — mas nem chegou a dizer Benz. Levou uma traulitada firme por debaixo das fuças e não viu mais nada. Só soube o quanto apanhou no dia seguinte, no hospital, lendo sua ficha médica.
Foi ou não foi um desastre de automóvel?
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Fonte: FEBEAPÁ 1: primeiro festival de besteira que assola o país / Stanislaw Ponte Preta; prefácio e ilustração de Jaguar. — 12. ed. — Rio de Janeiro; Civilização Brasileira, 1996.