segunda-feira, 8 de maio de 2006

A inversão de valores assolando o país

”Hoje vi seu enérgico protesto diante das câmeras de televisão contra a transferência do seu filho, menor infrator, das dependências da FEBEM em São Paulo para outra dependência da FEBEM no interior do Estado.

Vi você se queixando da distância que agora a separa do seu filho, das dificuldades e das despesas que passou a ter para visitá-lo, bem como de outros inconvenientes decorrentes daquela transferência.

Vi também toda a cobertura que a mídia deu para o fato, assim como vi que não só você, mas igualmente outras mães na mesma situação, contam com o apoio de comissões, pastorais, órgãos e entidades de defesa de direitos humanos.

Eu também sou mãe e, assim, bem posso compreender o seu protesto. Quero com ele fazer coro. Enorme é a distância que me separa do meu filho. Trabalhando e ganhando pouco, idênticas são as dificuldades e as despesas que tenho para visitá-lo.

Com muito sacrifício, só posso fazê-lo aos domingos porque labuto, inclusive aos sábados, para auxiliar no sustento e educação do resto da família. Felizmente conto com o meu inseparável companheiro, que desempenha, para mim, importante papel de amigo e conselheiro espiritual.

Se você ainda não sabe, sou a mãe daquele jovem que o seu filho matou estupidamente num assalto a uma videolocadora, onde ele, meu filho, trabalhava durante o dia para pagar os estudos à noite.

No próximo domingo, quando você estiver se abraçando, beijando e fazendo carícias no seu filho, eu estarei visitando o meu e depositando flores no seu humilde túmulo, num cemitério da periferia de São Paulo...

Ah! Ia me esquecendo: e também ganhando pouco e sustentando a casa, pode ficar tranqüila viu? Que eu estarei pagando de novo, o colchão que seu querido filho queimou lá na última rebelião da Febem, tá?”

(Carta de uma mãe à outra - recebido via e-mail em 02/05/2005)
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sábado, 25 de março de 2006

Tempos difíceis

Já gozei de boa vida
tinha até meu bangalô
cobertor, comida,
roupa lavada,
vida veio e me levou.
(O Velho Francisco - Chico Buarque)

Ontem tivemos no bar uma cena constrangedora.

Cheguei atrasado, e esqueci de fechar a caixa do violão e encostá-la à parede, como costumo fazer. Numa mesa próxima ao pequeno tablado - o qual chamamos, meio com ternura, meio com ironia, de palco - estavam sentados alguns homens de meia-idade, todos engravatados. O bar fica numa área de muitos escritórios, e é comum aparecerem estes grupos por lá. Chegam para o happy hour e sentem-se meio deslocados. Fazem muito barulho e são os que ignoram os músicos mais ostensivamente.

Pois então, estavam lá os homens de negócio com sua bablbúrdia habitual e eu tocando Samurai, do Djavan. Ao terminar a música, o mais bêbado deles veio cambaleando e jogou uma nota de cinco reais na caixa do violão. Fiquei sem reação nenhuma: Não sabia se era alguma brincadeira besta ou se ele acreditava mesmo que era para isso que a caixa estava ali. O silêncio que se seguiu - denso e incômodo - foi quebrado pela voz do Preto Velho:

- Toca Rosa, filho.

O Preto Velho aparece todas as sextas-feiras. Vem sempre de terno branco e chapéu, pede uma cerveja que leva uma eternidade para terminar e pede sempre alguma música da velha guarda. Eu atendo na medida do possível, já que canções assim não são muito freqüentes em meu repertório, embora as aprecie. E quando eu toco a música pedida, ele acompanha apenas movendo os lábios, de olhos fechados. Uma ou duas vezes eu acho que o vi chorando.

Não sei nada sobre ele, e nem sei se quero saber. O olhar dele quando termino uma de suas músicas é melhor que qualquer aplauso. E agora devo mais essa a ele, me fez até esquecer do acinte que foi o dinheiro jogado a mim, como se eu fosse uma foca amestrada ou coisa assim.

Mas confesso que depois de tocar, parte de mim ficou esperando que o homem viesse me trazer outra nota. Não me censurem, são tempos difíceis.

Fonte: Chicote Verbal
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O veleiro na Barra Sul


Veleiro na Barra Sul, Balneário Camboriú, SC, originally uploaded by Blog do Papa-Siri.
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