sábado, 17 de maio de 2014

Por causa de uma salsicha

Sonhou a noite inteira. Pesadelos tremendos, pesadelo com dragão, caída em abismos profundos, estas bossas. Bem que a mulher avisou que não devia comer salsicha no jantar. Se havia duas coisas que não combinavam era salsicha e seu estômago.

Quando comia salsicha no almoço, sentia que a distinta passava o dia inteiro no estômago, agora vocês façam uma ideia do que acontecia quando comia e ia dormir. Os pesadelos vinham um atrás do outro. Acordava suado, a tremer de medo. Era obrigado a levantar-se várias vezes durante a noite, tomar antiácidos.

Desta vez a salsicha levou-o a um estranho sonho. Talvez ande muito preocupado com a revolução, não sei. O fato é que, depois de uma das muitas vezes em que se levantou agitado, tornou a deitar e dormiu para sonhar que não havia mais emprego civil no país. Eram todos militares: os chefes de serviço nas repartições, os presidentes de autarquia, os ocupantes de cargos públicos.

Mas isto era o de menos: em seu pesadelo percebia que todos eram militares: a orquestra da boate era uma banda militar, o porteiro do restaurante era um general, o homem do elevador era um capitão e assim por diante.

De repente, mesmo dormindo, deu uma gargalhada. A mulher sacudiu-o para acordar, pensando que ele tinha ficado maluco. Acordou e contou o estranho sonho à mulher:

— Todo mundo era militar — explicou ele, ainda estremunhado.

— Mas você riu de que? — quis saber a mulher.

— É que no sonho, eu passei em frente a uma boate e tinha um cartaz na porta escrito: “Hoje sensacional “strip-tease”, com o Major Pereira”.


Fonte: Jornal "Última Hora", de 23/04/1964 — Coluna de Stanislaw Ponte Preta / Desenho: Jaguar.
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segunda-feira, 12 de maio de 2014

Espuma fervilhante de champanhe

Todos nós temos na vida / Um caso... / Uma loura... /  Você, você também tem. / Uma loura é um frasco de perfume / Que evapora... / É o aroma.../ De uma pétala de flor.  / Espuma fervilhante de champanhe / Numa taça muito branca de cristal / É um sonho... / Um poema...

(Uma loura - samba-canção, 1951 - Hervé Cordovil - Intérprete: Dick Farney)









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De como Mirinho quebrou o galho

O abominável primo Altamirando tinha um encontro marcado com uma pioneira social aí, dessas que prevaricam com certa regularidade. O ignóbil parente conhecera a distinta dama do nosso “society” noutro dia, quando o marido estava em São Paulo, fazendo um negócio imobiliário. Com aquela conversa que lhe é peculiar, Mirinho trouxe a dama para o seu plantel e vinha vivendo um romance legalzinho com ela.

Toda noite faziam programa juntos. Ora era uma dançadinha num dos inferninhos da Zona Sul, ora era um jantar mais caprichado nesses botecos de nome francês, ora era um discreto cineminha. Depois Mirinho ia com ela pra casa dela, que a dama reside só com seu distraído marido que, além de distraído, estava em São Paulo.

Não é pra me gambá não — como diz Ibrahim — mas o primo estava levando um vidão; não somente porque a dona é boa às pampas, como também vinha financiando os programas. Ora: mulher sem despesa é o ideal de Mirinho Durante esses dias aí da crise, ele passou numa tranquilidade invejável.

Mas, eis que, ontem, o marido voltou. Mirinho telefonou na hora do almoço, para ver se pegava a gordura de graça, mas a dona falou baixinho ao telefone, com ar de conspiradora:

— Depois eu te falo, bem. Ele voltou — e desligou o aparelho.

A tarde, Mirinho tornou a ligar:

— Escuta, queridinha, eu te apanho aí às 7 e vamos jantar juntinhos, tá?

— Mas querido — ponderou ela — Eu não posso. Meu marido voltou.

— Ali isto não tem importância — garantiu o primo. — Ele vai dormir fora de casa.

A mulher deve ter arregalado os olhos do lado de lá da linha, porque perguntou, visivelmente intrigada:

— Como é que você sabe que ele vai dormir fora de casa?

— Nada não. É que eu telefonei para um cara meu cumpincha, que trabalha na Polícia, e disse pra ele que teu marido é comunista.


Fonte: Jornal "Última Hora", de 10/04/1964 — Coluna de Stanislaw Ponte Preta / Desenho: Jaguar.
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