Não foi muito longe não, foi na Avenida das Bandeiras — que é ali
beirando a variante. Personagem : Uma vaca! A dita personagem vinha
caminhando pela beira da Avenida das Bandeiras, com aquela dignidade que
só as vacas têm, quando — súbito — resolveu atravessar para o outro
lado. E vocês sabem como vaca é. Cismou e atravessou mesmo.
Vinha um caminhão disparado e não teve tempo de frear. Aí foi aquele
acidente horrível. O caminhão pegou a vaca pelo meio e encaçapou-a
legal, matando ali mesmo. O noticiário não explica se a coitada ficou em
decúbito dorsal ou decúbito ventral, mas que morreu, lá isso morreu.
O caminhão deu no pé e nem prestou atenção; caminhão mata gente e não pára, vai travar por causa de vaca!
Aconteceu, porém, o que ninguém esperava. Um — com desculpa da má
palavra — pedestre que a tudo assistira, em vez de ficar na moita e
resolver o seu problema sozinho, saiu gritando pela aí:
— Tem uma vaca morta na estrada! Tem uma vaca morta na estrada!
No grito, a turma ouviu e só pensou em chã-de-dentro, alcatra,
mocotó, filé. Alguns, mais requintados, na voz de vaca morta, passaram a
entrever dobradinhas à moda do Porto, iscas de fígado à lisboeta,
rabada com polenta, filé à Osvaldo Aranha (ou mesmo filé ao outro...
Chateaubriand). Enfim, foi aquela ignorância.
O povo muniu-se de facas, machadinhas, canivetes e até tesouras de
unhas para retalhar a falecida, na ânsia de melhorar o ragu. Os mais
fortes conseguiram o lado bom da vaca, onde mora o mignon. Os mais
fracos, ainda que intimidados, pegaram o miolo (miolo de vaca é como o
de cronista menor, não tem muito proveito), outros franzinos levaram os
rins, e assim por diante.
Dizem técnicos em talho que do boi só não se aproveita o suspiro,
porque até a sua vergonha serve para adubar canteiros. Pois com a vaca
atropelada foi pior.
Depois que acabou o pega, os que não tiveram vez chegaram de
mansinho e repartiram os ossos, porque uma sopa razoável, hoje em dia",
está custando mais caro do que prato feito reforçado em botequim de
operário.
Dizem que o Sindicato dos Urubus vai protestar junto ao Dr. J. Karne e impetrar mandado de segurança.
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Fonte:
Tia Zulmira e Eu - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.
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