Henrique Fleiuss, caricaturista da revista Semana Ilustrada, sobre a passagem da vedette e atriz francesa pelo Brasil. Desta vez ela é uma cadela que sai do Alcazar perseguida por inúmeros cães. |
A mais famosa das vedettes do
Alcazar Lyrique foi Mademoiselle Aimée que, segundo revistas da época,
era uma mulher provocante, de olhos cintilantes, nariz fino, boca
pequena, pernas perfeitas, boa voz e muito inteligente.
Aimée brilhou no Rio de Janeiro
durante quatro anos, entre 1864 e 1868, e foi a primeira grande estrela
do Alcazar. Por causa dela, o policiamento do Alcazar foi reforçado e
um comerciante português matou, a tiros, um soldado da polícia.
Pelo que se sabe, ela voltou
rica para a França, levando jóias e mais de um milhão e meio de francos,
que teria recebido como presente de seus fiéis admiradores
brasileiros.
No dia em que ela foi embora,
centenas de mulheres correram para a Praia de Botafogo comemorando e
soltando fogos. Elas festejavam enquanto olhavam o vapor contornar o Pão
de Açúcar e sumir no horizonte com aquele diabo loiro que havia
seduzido seus maridos e lhes causado tantas tristezas e tanta
choradeira.
Uma revista da época chamada Semana Ilustrada dedicou uma página inteira ao acontecimento descrevendo a situação em que se encontravam: "Mulheres
ajoelhadas, agradecidas pelos céus; padres que voltavam tranqüilamente
a rezar as suas missas; roceiros que regressavam às suas lavouras;
empregados públicos que iam, de novo, assinar o ponto nas repartições;
casais que se reconciliavam; estudantes que prosseguiam nos estudos;
soldados que se lembravam de seus quartéis".
Mesmo depois da partida, Aimée
continuou nos jornais, sendo protagonista de outros escândalos e
histórias. Seus objetos pessoais foram leiloados e dizem que alguns
alcançaram preços altíssimos, como um famoso criado-mudo que foi vendido
por cem mil réis.
Até Machado de Assis acabou se rendendo ao seu fascínio e publicou, no dia 3 de julho de 1864, o seguinte texto: "Demoninho
louro – uma figura leve, esbelta, graciosa – uma cabeça meio feminina,
meio angélica – uns olhos vivos – um nariz como o de Safo – uma boca
amorosamente fresca, que parece ter sido formada por duas canções de
Ovídio, enfim, a graça parisiense, toute pure..".
O mesmo Machado, ainda escrevendo sobre o significado de seu nome, romantizou poeticamente: "...uma francesa que em nossa língua se traduzia por amada, tanto nos dicionários como nos corações".
Mas os méritos de Aimée se
deram, não só pela beleza e pelas diabruras, mas também, por sua
brilhante atuação no palco. Cantora lírica e dançarina, ela interpretou
os grandes papéis femininos das operetas de Offenbach. Foi Eurydice em Orphée aux Enfers; foi Hélène em La Belle Hélène; fez Boulette em Barbe Bleue e foi Penélope em Le Retour d’Ulysse. A todas essas personagens ela sabia dar o tom brejeiro e malicioso, acompanhado de muito talento, técnica vocal e corporal.
Aimée ficou imortalizada nas
cartas de seus admiradores, nas crônicas da época e nas palavras
depreciativas dos juízes e guardiões da moral. Instalou-se no imaginário
carioca como a bela francesa que associou a graça e a alegria de viver
ao trabalho competente e profissional.
Ao lado de Aimée, a primeira
grande estrela, outras francesas agitaram as noites cariocas e
continuaram no Alcazar até 1886, quando foi fechado após um incêndio. De
um jeito ou de outro, essas graciosas atrizes realizaram, alimentaram e
estimularam sonhos eróticos masculinos. Mais: foram invejadas e
admiradas pelas mulheres, no Rio de Janeiro do século XIX. Pois, como
boas francesas, eram também elegantes e lançavam modas a ser copiadas.
O Alcazar apontou, ao teatro
nacional, um rumo a seguir, despertando na sociedade carioca o gosto
pelo mundo colorido e sensual do teatro ligeiro.
Fonte: As Grandes Vedetes do Brasil - de Neyde Veneziano