Primeiro
elas eram estrangeiras. Francesas, para ser mais exata. Vieram com um
empresário chamado Monsieur Arnaud que trouxe, em 1859, um tipo de
espetáculo de variedades para o Rio de Janeiro, com números de canto,
dança, ginastas e um corpo de baile de lindas francesinhas que
levantavam a saia e mostravam as pernas envolvidas em justíssimas meias
no ritmo do cancã.
Chegaram para se apresentar no
Alcazar Lyrique, um teatrinho recém-inaugurado na Rua da Vala, perto da
Rua do Ouvidor, no centro da então Capital Federal.
A primeira opereta francesa (a que inaugurou o cancã na França) foi o Orfeu no Inferno,
de Ofenbach, e chegou na versão integral ao Brasil, alguns anos antes
da Revista. Foi em 1865, sete anos depois da estreia em Paris (em
1858). Para aquela época, foi rápido demais!
Imaginemos nosso cenário: cidade
do Rio de Janeiro, ainda pacata, no século XIX, ansiosa por progresso e
querendo se atualizar com as novidades européias. Desde 1860, algumas
ruas do centro carioca já eram iluminadas a gás. Conseqüentemente, a
vida noturna se tornou possível, já que as pessoas poderiam andar mais à
vontade, à noite.
Portanto, quando o Alcazar
Lyrique foi inaugurado, o centro do Rio já estava iluminado havia cinco
anos. A diversão noturna trazia uma cara de modernidade. E tudo que era
moderno, naquela época, era importado da França. O Alcazar Lyrique e
as novidades da boêmia francesa ofereciam ao público brasileiro o
teatro da moda que foi, muito apropriadamente, chamado de Gênero
Alegre. Porque ali se apresentavam números musicais alegres, populares,
divertidos. Um Teatro de Variedades.
A boemia carioca entusiasmou-se
com o glamour das belas francesinhas. E elas abafaram, quando fizeram
uma opereta inteira, mostrando o espetáculo divertido com aquele cancã
famoso que a gente conhece até hoje.
O que mais poderia ter
acontecido no Rio de Janeiro do século XIX? Os homens (de todas as
classes sociais) ficaram enlouquecidos com aquelas mulheres, é claro. No
início, Machado de Assis fez campanha declarada contra aquelas meias
tão justinhas que quase deixavam ver as próprias pernas!
Naquele tempo, as patricinhas e os mauricinhos eram chamados de jeunesse d’ orée (juventude dourada, em francês). Pois os rapazes da tal jeunesse d’ orée
começaram a gastar rios de dinheiro no teatro que tinha o formato de
um cabaret, ou seja, na platéia, em lugar de cadeiras, havia mesinhas
com comes e bebes. Principalmente bebidas. O evento fazia a delícia do
público masculino endinheirado (e também de outras classes e posses)
que passava a noite fumando e bebendo cerveja.
Esse teatrinho – com formato de
café-concerto ou cabaret – foi chamado de café cantante. E, a partir
dali, a noite carioca nunca mais foi a mesma. A polícia teve muito
trabalho.
Pela imprensa, as meninas do
cancã foram chamadas de odaliscas alcazalinas e provocaram críticas
severas por causa das piadas de duplo sentido (consideradas grosseiras) e
pelos seus corpos que, para a época, eram considerados quase desnudos.
Elas ainda não eram vedettes. Chamavam-se cocottes essas novas deusas da noite. E deram muito que falar.
Fonte: As Grandes Vedetes do Brasil - de Neyde Veneziano