Era
uma vez um homem que queria ser da televisão. Até aí tudo normal,
embora muito anormal também queira ser da televisão. O homem desta
história não era anormal. Era — isto sim — burro, mas isto também é um
fato corriqueiro. Não é preciso ser um Sherlock Holmes para saber que
tem burro às pampas na televisão.
Mas — dizia aqui o filho de Dona Dulce — o homem queria ser da
televisão, só que não seria tão fácil assim. Cantor — por exemplo. Ele
podia entrar para a televisão para ser cantor...
Para isso precisava ser um pouco fanhoso, como o Miltinho ou o Jorge
Veiga; dar berros magníficos, como o Jorge Goulart ou o Vicente
Celestino; ser rouquinho ao máximo, como o Agostinho dos Santos ou a
Rosana Toledo. E — acima de tudo — precisava ser afinado. O homem,
entretanto, era mais desafinado que a cintura da Leny Eversong.
O homem não desistiria por tão pouco. Se não podia ser cantor, talvez
arrumasse uma beirada na televisão como ator. Não tinha jeito, porém.
Era de uma inibição para a arte de representar somente comparável com a
inibição de certos deputados para a chamada arte da oratória (desses
deputados que passam todo um mandato sem falar uma palavra... só comendo
quietos).
Ora, quem tem inibição para representar, muito mais terá para ser
animador, garoto-propaganda, mestre-de-cerimônias, entrevistador e
outros rebolados que dão margem para muita gente ser da televisão. Vai
daí, tudo isso não servia para o homem desta história. Partiu, então,
para o setor técnico.
Não queria ser o engenheiro-eletricista da televisão, isto nunca. Ele
sabia quais eram as suas limitações e de mais a mais, para ser
engenheiro tem que se fazer um curso, passar nos exames, ganhar um
diploma, etc. etc. O homem tentou os lugares técnicos menos ambiciosos e
foi um desastre em todos eles.
Até como "câmera" penetrou pela tubulação. Um dia ia calmamente com a
cara enfiada na câmera, passeando pelo estúdio, quando não reparou que o
outro "câmera", obedecendo ordens vindas da "suite" que dirigia o
programa, vinha em sentido contrário. E houve então o primeiro desastre
de câmeras de que se tem memória na televisão.
O homem já estava desanimado de entrar para a televisão. Mas era
persistente e acabou no departamento de propaganda. Justiça seja feita:
foi de uma regularidade impressionante, durante toda a época em que
esteve nesse setor. Durante um ano inteiro não conseguiu vender um
minuto sequer de programação.
Graças aos seus conhecimentos, às cartas de recomendação, enfim, a essas
marretas comuns no ambiente artístico, o homem foi trocando de setor e
falhando em todos eles. Do departamento de propaganda passou para o de
relações públicas, do departamento de relações públicas passou para o
departamento de pessoal, daí para o de patrimônio... para encurtar
conversa: já não tinha mais lugar para experimentar o homem na
televisão. Ele era um fracasso em qualquer um.
Desistiu portanto da parte administrativa e retornou à artística. Foi
ser diretor de programa. Entrava no estúdio, dava ordens, berrava com os
contra-regras, abraçava as atrizes mais redondinhas, era complacente
com os grandes artistas, durão com os fichinhas, enfim, tinha todo o
jeito para diretor de programa. Só não sabia dirigir e seus programas
saíam sempre piores do que o usual.
E — convenhamos — programas piores do que o usual também já é querer abusar da paciência dos telespectadores.
O homem suspirou, ao ser dispensado desta derradeira função, quando um
parente de um amigo cuja tia ele... tá bom, deixa prá lá... já tinha
desistido definitivamente, quando uma pessoa com a qual podia contar,
foi encarregada de tomar conta de uma emissora de televisão. Essa pessoa
chamou o homem e falou:
— Você vai ser o superintendente.
— Tudo isso? — estranhou o homem, engolindo em seco.
— Tudo isso o quê? Superintendente é o cargo de quem não sabe ocupar um
cargo, sua besta. Você vai ter seu nome nos programas sem escrever nem
dirigir os programas. Você vai supervisionar os cantores sem saber
cantar; vai dirigir as orquestras sem saber uma nota de música. É o
único lugar que lhe serve.
E, realmente, o homem que era uma negação para qualquer coisa dentro da
televisão é um superintendente de cartaz. Ganha um dinheirão, está
cercado de puxa-sacos e é considerado gênio. Eu não duvido nada que
ainda venha a ser eleito "O Homem da Televisão", no fim do ano.
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Fonte: GAROTO LINHA DURA - Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975