Lá vinha eu ladeira abaixo, comendo minhas goiabinhas, quando ele se chegou com a mão estendida e um tom suplicante na voz. Não chega a ser um mendigo, mas anda desempregado e vivendo de pequenas facadas nos amigos:
— Seu Tanislau (ele me chama de Tanislau), será que o senhor não podia me arrumar um dinheirinho para eu poder comprar um bolo?
— Mas bolo por quê? Não pode ser pão? Poder podia, mas é que era o aniversário dele.
Rachei as goiabinhas que me sobravam com o infeliz amigo e resolvi levá-lo para almoçar ali por perto mesmo. Ele me disse que havia P.F.R. (prato feito reforçado) bastante razoável na outra esquina, Fomos.
Chegamos à porta, pedimos licença às moscas que, muito gentis, abriram caminho para nos deixar entrar, e sentamos:
— Traz o Prato do Dia — pediu ele ao garçom. Este sorriu e explicou que àquela hora não tinha mais disso. O Prato do Dia só durava meia hora no menu. Vinha faminto de todo lado, para comer.
— Então traz o macarrão — tornou a pedir o meu amigo.
E enquanto o garçom foi buscar, ele começou a conversar sobre comida. Primeiro me explicou que, do jeito que a coisa vai, pobre tende a desaparecer. Para comer comida de pobre, hoje em dia, o sujeito tem de ser rico. Aquele Prato do Dia, por exemplo, era uma pedida razoável, mas acabava logo e não dava pra todos, o que
se justificava pelo preço barato e pela quantidade de galinha que vinha, misturada no arroz.
— Ué, mas vem tanta galinha assim? — estranhei, pois galinha anda mais caro que mulher.
Ele fez sinal com a cabeça que sim. Vinha bastante galinha, mas era muito perigoso comê-la, pois o dono do restaurante era pródigo em galináceo no arroz porque comprava a penosa muito mais barato, na feira.
— E compra mais barato por quê?
— Porque ele só compra as que estão mortas dentro do engradado dos feirantes.
Roeu um pedaço do pão e pôs-se a desenhar os horrores da crise. Noutro dia resolvera tomar uma sopa muito boa, que tinha ali num freje de Botafogo. Foi a pé, gastando o resto do salto da derradeira botina e antes não tivesse ido:
— Por quê? A sopa não é mais a mesma?
— É nada. Tinha uma alface boiando, eu ainda passei a colher por baixo, para ver se o entulho estava por baixo da folha, mas que nada. A folha boiava que só vendo.
Nessa altura o garçom trouxe o prato de macarrão. Era um prato mixuruca às pampas e estava longe dos transbordantes pratos de macarronada da belle époque culinária.
Ele, para dar um exemplo definitivo de que a crise é tártara, apontou para o prato e falou:
— Tá vendo só??? Pois este prato antigamente custava 50 pratas e vinha mais cheio que trem de subúrbio. Agora custa 200 cruzeiros e o macarrão vem contado e curtinho. Tão curtinho que já não dá mais pé pra gente churupitar o bruto, como eu gostava tanto de fazer.
E, ante meu espanto, provou: — Vou contar e você vai ver que tem cinqüenta fios de macarrão aqui dentro.
Contou e — realmente — tinha cinqüenta.
Aí ele suspirou e murmurou, num sussurro: — Quando eles começam a contar fio de macarrão é porque a crise está brava.
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— Seu Tanislau (ele me chama de Tanislau), será que o senhor não podia me arrumar um dinheirinho para eu poder comprar um bolo?
— Mas bolo por quê? Não pode ser pão? Poder podia, mas é que era o aniversário dele.
Rachei as goiabinhas que me sobravam com o infeliz amigo e resolvi levá-lo para almoçar ali por perto mesmo. Ele me disse que havia P.F.R. (prato feito reforçado) bastante razoável na outra esquina, Fomos.
Chegamos à porta, pedimos licença às moscas que, muito gentis, abriram caminho para nos deixar entrar, e sentamos:
— Traz o Prato do Dia — pediu ele ao garçom. Este sorriu e explicou que àquela hora não tinha mais disso. O Prato do Dia só durava meia hora no menu. Vinha faminto de todo lado, para comer.
— Então traz o macarrão — tornou a pedir o meu amigo.
E enquanto o garçom foi buscar, ele começou a conversar sobre comida. Primeiro me explicou que, do jeito que a coisa vai, pobre tende a desaparecer. Para comer comida de pobre, hoje em dia, o sujeito tem de ser rico. Aquele Prato do Dia, por exemplo, era uma pedida razoável, mas acabava logo e não dava pra todos, o que
se justificava pelo preço barato e pela quantidade de galinha que vinha, misturada no arroz.
— Ué, mas vem tanta galinha assim? — estranhei, pois galinha anda mais caro que mulher.
Ele fez sinal com a cabeça que sim. Vinha bastante galinha, mas era muito perigoso comê-la, pois o dono do restaurante era pródigo em galináceo no arroz porque comprava a penosa muito mais barato, na feira.
— E compra mais barato por quê?
— Porque ele só compra as que estão mortas dentro do engradado dos feirantes.
Roeu um pedaço do pão e pôs-se a desenhar os horrores da crise. Noutro dia resolvera tomar uma sopa muito boa, que tinha ali num freje de Botafogo. Foi a pé, gastando o resto do salto da derradeira botina e antes não tivesse ido:
— Por quê? A sopa não é mais a mesma?
— É nada. Tinha uma alface boiando, eu ainda passei a colher por baixo, para ver se o entulho estava por baixo da folha, mas que nada. A folha boiava que só vendo.
Nessa altura o garçom trouxe o prato de macarrão. Era um prato mixuruca às pampas e estava longe dos transbordantes pratos de macarronada da belle époque culinária.
Ele, para dar um exemplo definitivo de que a crise é tártara, apontou para o prato e falou:
— Tá vendo só??? Pois este prato antigamente custava 50 pratas e vinha mais cheio que trem de subúrbio. Agora custa 200 cruzeiros e o macarrão vem contado e curtinho. Tão curtinho que já não dá mais pé pra gente churupitar o bruto, como eu gostava tanto de fazer.
E, ante meu espanto, provou: — Vou contar e você vai ver que tem cinqüenta fios de macarrão aqui dentro.
Contou e — realmente — tinha cinqüenta.
Aí ele suspirou e murmurou, num sussurro: — Quando eles começam a contar fio de macarrão é porque a crise está brava.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: GAROTO LINHA DURA - Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975