sábado, 19 de novembro de 2011

Mais um dicionário gaúcho

O sotaque mais xucro, grosso e assustador de todo o universo conhecido (e do desconhecido também) é o nosso, oriundo do gaúcho bravio, meio italianado. Esse dicionário é quase perfeito, especialmente para quem não é ‘nativo’ deste chão! E pra quem não sabe falar com a gente então manda o dicionário abaixo:

Alemoa: loura

Atorá: cortar

Atucanado: ocupado, atarefado

Baita: grande

Bem Capaz: jamais, negação enfatizada

Cagar a pau: bater

Camassada de pau: apanhar

Campiá: procurar

Capaz: verdade?

Chumaço: conjunto de alguma coisa

Cóça de laço: apanhar

Crêendios pai: exclamação quando algo dá errado

De revesgueio: de um tal jeito

Fincá: cravar

Garrão: calcanhar

Incebando: enrolando, fazendo cera

Ingrupi: enganar

Ínôzá: amarrar (já viu palavra com todas as sílabas com acento?)

Intertê: fazer passar o tempo com algo

Inticá: provocar

Invaretado: nervoso

Japona: jaqueta de lã ou de nylon

Jóssa: coisa

Judiá: maltratar

Kakedo: pessoas que não valem nada

Malinducado: mal educado

Paiêro: fumo de palha

Pânca: modo de se portar, por exemplo: panca de motoqueiro (jeito de motoqueiro)

Pare, home do céu: parar, o mesmo que ‘se par de bobo’ e ‘deusolivre home’.

Pardal: radar fixo

Pestiado: com alguma doença

Pexada: acidente

Podá: ultrapassar, ou cortar, o mesmo que podá

Pozá: dormir em algum lugar

Rancho: compra do mês

Relampejando: trovejando

Resbalão: escorregar

Sinalêra: semáforo

Táio: corte

Tchuco: bêbado

Trupicá: tropeçar

Tri atucanado: muito ocupado

Tunda de laço: apanhar

Vortiada: passeio

Ximia: doce de passar no pão

Exemplo de aplicação: Agora manda um e-mail para intertê os teus amigos, aproveita enquanto teu chefe foi dá uma vortiada… Não sei como ele não vê que mesmointuiado de trabalho você fica incebando o dia inteiro… Pare de campiá desculpa, fica falando que tápestiado e ainda consegue ingrupi o coitado do chefe… Mas vai logo, antes que ele volte e fique invaretado de te ver pescociando… Pare de se bostiá, home do céu, não sejamalinducado e manda essa jóssa de uma vez…

MAS BAH TCHÊ…..especial de primeira…Boenacho.. TRI LEGAL, né!!!

Fonte: Ideal Dicas.
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sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Escritor realista

O escritor novo, moderninho, todo bossa nova, em busca de uma nova maneira de enviar sua mensagem ao leitor, o escritor cheio daquela doença atual de querer complicar o óbvio, sentou às margens de sua máquina de escrever disposto a iniciar um romance que iria revolucionar a técnica literária e o estilo do romance no Brasil.

Colocou um papel branquinho na máquina e respirou profundamente.

Sentia-se que o escritor novo estava às margens da criação genial. Sentia-se que aquele era um momento decisivo da história da literatura ocidental, como mais tarde julgaria Otto Maria Carpeaux.

O escritor novo que buscava a suprema originalidade olhou com ar superior para o papel branco à sua frente e começou a escrever: "João atravessou o relvado em direção a Maria, que corria para ele, de braços abertos. Enlaçou-a e disse...".

Aí o escritor novo parou um instante para pensar. Não lhe vinha de imediato a frase certa, definida, escorreita, que botaria na boca de seu personagem João. Acendeu um cigarro e ficou pensando um pouquinho.

Resolveu não forçar a barra. A inspiração teria que vir espontânea. Levantou-se, foi até à janela, espiou lá embaixo a plebe ignara que passava inocente, sem perceber que ali estava a espiá-la um grande escritor. Ficou ainda um pouquinho a respirar o ar fresco da tarde. Depois voltou à máquina, releu o que escrevera, mas não sentiu — mais uma vez — as palavras brotarem em sua mente para chegar ao papel.

O escritor foi até o banheiro, molhou um pouco a fronte com água fria e voltou para sua cadeira. Releu o que escrevera: "João atravessou o relvado em direção a Maria, que corria para ele, de braços abertos. Enlaçou-a e disse...".

Aí o escritor parara, sem achar a expressão certa, mas naquele momento ela lhe aflorava no cérebro, felizmente. E o escritor novo, moderninho e preocupado em ser diferente sorriu, para depois escrever:

— Eu te amo.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora
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O leitão de Santo Antônio

O vigário rosado, gordo e satisfeito, queridíssimo dos paroquianos daquela cidadezinha, não teria maiores problemas para pastorar suas ovelhas, não fora o mistério do cofre de Santo Antônio. Era um povo quieto, sem vícios, cidade sem fofocas, salvo as pequeninas, entre comadres. E o bom padre controlava a coisa, ouvindo uma, perdoando outra, em nome de Deus.

Mas havia o mistério do cofre de Santo Antônio!

Tudo começou no dia em que o padre resolveu colocar, ele mesmo, uma notinha de vinte cruzeiros, novinha em folha, dessas que saem logo depois de uma revolução, em emissão especial para pagar as despesas democráticas. O padre notou que seus paroquianos não contribuíam muito para o cofre que ficava ao pé da imagem de Santo Antônio e então tratou de colocar ali a nota de vinte cruzeiros, na base do chamariz. Admitia a possibilidade de os fiéis, ao verem a contribuição "espontânea", contribuírem também.

E qual não foi a sua preocupação no dia seguinte, ao recolher as contribuições nos diversos cofres da igreja, notar que os vinte cruzeiros tinham ido pra cucuia? Alguém (e não fora Santo Antônio, evidentemente) passara no cofre antes do padre.

Aquilo era grave. Desde que fora designado para aquela paróquia, nunca soubera de um caso de roubo, em toda a cidade. Pelo contrário, a população orgulhava-se de dormir sem trancas. E agora surgia aquele problema. O cofre de Santo Antônio era o que ficava mais perto da porta e devia ser esta a causa de estar sempre vazio. O ladrão se viciara em roubá-lo. Devia estar fazendo isto há muito tempo, o que explicava a falta de óbolos, que o padre não sabia roubados até o dia em que resolveu incentivar os fiéis com a sua própria notinha de vinte.

Naquele domingo, preocupado com as conseqüências de seu sermão, o padre andava de um lado para outro, na sacristia. Tinha de arranjar um jeito de avisar ao ladrão que já era senhor de suas atividades, mas não devia magoar o povo com a notícia de que, na comunidade, havia um gatuno.

Isto poderia indignar de tal maneira a todos, que a vida pacata da cidadezinha ficaria comprometida pela indignação dos "sherlocks", pois é sabido que de médico e louco (e detetive), todos nós temos um pouco.

O padre fez o sinal-da-cruz e atravessou o átrio para dizer sua missa. Já tinha tudo planejado. Na hora do sermão, pigarreou e contou que Santo Antônio lhe aparecera em sonho, para agradecer a preferência de certo cristão daquela cidade, que sempre que podia deixava uma esmola gorda para os pobres e ainda "limpava" o cofre, possivelmente em sinal de contrição.

O sermão acabou e ninguém notou que o verbo "limpar" tinha sido usado com segundas intenções, mas o padre tinha certeza de que o ladrão se mancara. Mais cedo ou mais tarde viria contrito confessar-se. E — para reforçar sua tese — naquela tarde o cofre de Santo Antônio estava cheio de moedinhas.

Passaram-se alguns dias. Certa manhã o padre viu chegar o velho que tomava conta da estação. Era um negro forte, de cabelo grisalho, muito tranqüilo até a hora de largar o serviço, ocasião em que entrava na tendinha e enchia a cara. O negro chegou amparando uma bruta bandeja. Parou na frente do padre e explicou:

— Seu padre, eu também andei sonhando com Santo Antônio.

— Não me diga! — exclamou o padre, fingindo estranheza, mas já certo que aquele era o ladrão, com remorsos.

— Mas é verdade. Sonhei com Santo Antônio e soube que o santo anda com vontade de comer um leitãozinho. Eu estava engordando este aqui para o meu aniversário. Ele já está gordo e eu já tenho idade bastante para não comemorar mais nada.

Dito o que, descobriu a bandeja e apareceu o mais apetitoso dos leitõezinhos, assado em forno de lenha. O padre sentiu o cheiro gostoso do seu prato preferido. Mas agüentou firme e disse pro preto:

— Deixa a bandeja aí na sacristia que eu entrego o leitão pro santo.

O bom ladrão obedeceu. Deixou a bandeja e voltou para casa de alma leve. Mas o padre também era um excelente sujeito. Minutos depois, o menino que fazia as vezes do sacristão na igreja chegava à porta com um recado do padre:

— Seu vigário mandou dizer — falou o moleque — que Santo Antônio está de dieta, e que é pro sinhô ir comer o leitãozinho com ele, logo mais.

Foi um santo jantar.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora
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