Foi num dia aí que eu tive que ir ao Recife!
Eu sou danado para chegar atrasado no Galeão. Eu e o conforto. Eu ainda chego. Atrasado mas chego. O conforto é que está demorando um bocado. Em matéria de aeroporto internacional, deviam mudar o nome daquele cercado para Galinhão — parece um galinheiro, ficava mais condizente. Mas isto deixa pra lá.
Dizia eu que tive de ir ao Recife e fui mesmo. Fui o último a entrar no avião e sentei ao lado de um cara que tinha uma cor puxada para o esverdeado:
— Esse sujeito deve ter um fígado desses que se deixam subornar pelas hostes inimigas. Ou então é desses que têm mais medo de avião do que "beatnik" de sabonete.
Mas não. Mal o avião levantou vôo, o cara pediu um uísque duplo à aeromoça e puxou conversa. Explicou que estava saindo do Rio por causa de uma mulher. E que mulher, seu moço! Dessas que nem presidente de associação de família bota defeito. Ela soube que ele estava andando com a Julinha.
— Manja a Julinha? — ele me perguntou.
Não. Eu não manjava, e era um trouxa por causa deste detalhe. A Julinha era uma das melhores coisas que podem acontecer a qualquer sujeito apreciador do gênero.
E assim foi o cara, até Vitória. Na hora em que o avião ia descer, ele estava explicando que ali, na capital capixaba, tinha tido grandes momentos. Mas grandes momentos mesmo. Se meteu com uma pequena ótima, sem saber que ela tinha duas irmãs melhores ainda. E ele foi pulando de uma para outra.
— Apanhei as três, tá bem? — batia na minha perna e dizia, balançando a cabeça, com um sorriso vitorioso (talvez em homenagem à já citada capital capixaba). E repetia para mim: — Apanhei as três!
Depois da escala em Vitória, tentei sentar longe do folgazão, mas me dei mal. Ele me viu sozinho na poltrona, isto é, com a poltrona do lado dando sopa, e não conversou. Pediu mais um uísque duplo à aeromoça e retomou o assunto mulher. Descreveu como é que foi com a mulher do quinto andar lá do prédio onde ele mora. No começo não queria. Sabe como é — a gente não deve se meter com essas desajustadas que moram perto, porque fica fácil de controlar. E parecia que ele estava adivinhando. Todo dia de manhã era uma bronca, porque todo dia de manhã — é lógico — saía uma mulher do seu apartamento, e a dona do quinto andar ficava na paquera.
— Mandei andar, viu?
— Qual?
— A do quinto.
— Ah, sim...
Entre Vitória e Salvador o sujeito já tinha apanhado mais mulher do que o falecido Juan Tenório. Mas nem por isso deixou de contar mais umas duas ou três aventuras amorosas, enquanto aqui o filho de Dona Dulce aproveitou a boca para comer uns dois ou três acarajés. Era eu com acarajé e ele com mulher. Desisti até de me livrar do distinto. No Recife cada um de nós iria para o seu lado e eu não veria mais o garanhão.
Retornamos ao avião. Ele, firme, do meu lado. Pediu outro uísque duplo à aeromoça — a qual, inclusive, elogiou, afirmando que tinha umas ancas notáveis.
— Hem, hem? Notáveis! — e me catucava com o cotovelo.
Foi quando sobrevoávamos Penedo que ele confessou que já tinha casado três vezes. Felizmente não tivera filhos, mas mulher não faltou. Depois do terceiro casamento, com várias senhoras de diversos tamanhos e feitios intercalados entre cada casamento, resolveu que não era trouxa.
— Comigo não, velhinho. Chega de casar! — nova catucada: — Comigo agora é só no passatempo. Por falar nisso, você tem algum compromisso no Recife?
Fingi que tinha. Uma senhora que não poderia ser suspeitada, caso contrário poderia sair até tiro. Ele compreendeu. Embora tremendo boquirroto, concordou que, às vezes, é preciso manter o sigilo. Mas era uma pena eu não estar disponível no Recife. Ele conhecia umas garotas bem interessantes. Era bem possível que, já no aeroporto de Guararapes, algumas estivessem à sua espera.
— Você dá uma espiada — aconselhou-me. Se alguma delas me conviesse e — naturalmente — se a tal senhora inconfessável falhasse, eu poderia ficar com duas ou três de suas amiguinhas, para umas farras em Boa Viagem:
— A gente vai para a praia. De noite... aqueles mosquitinhos mordendo a gente.
Disse isso com tal entusiasmo na voz que, por um instante, eu cheguei a pensar que ele gostasse mais do mosquitinho do que de mulher. Mas foi só por um instante. Enquanto o avião manobrava e descia no Recife, o cara ainda falou numa prima lá dele, pela qual tivera uma bruta paixão.
Aí o avião parou, todo mundo desamarrou o cinto e — coisa estranha — o meu companheiro de viagem voltou a ficar esverdeado.
Saímos, apanhamos as malas e, quando eu ia pegar um táxi, lá estava o cara sozinho, também atrás de condução. Ele me viu, sorriu e explicou:
— Olha, meu velho, aquilo tudo era bafo. Eu não apanho ninguém. Eu tenho é pavor de avião e só falando de mulher é que eu perco o medo.
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Eu sou danado para chegar atrasado no Galeão. Eu e o conforto. Eu ainda chego. Atrasado mas chego. O conforto é que está demorando um bocado. Em matéria de aeroporto internacional, deviam mudar o nome daquele cercado para Galinhão — parece um galinheiro, ficava mais condizente. Mas isto deixa pra lá.
Dizia eu que tive de ir ao Recife e fui mesmo. Fui o último a entrar no avião e sentei ao lado de um cara que tinha uma cor puxada para o esverdeado:
— Esse sujeito deve ter um fígado desses que se deixam subornar pelas hostes inimigas. Ou então é desses que têm mais medo de avião do que "beatnik" de sabonete.
Mas não. Mal o avião levantou vôo, o cara pediu um uísque duplo à aeromoça e puxou conversa. Explicou que estava saindo do Rio por causa de uma mulher. E que mulher, seu moço! Dessas que nem presidente de associação de família bota defeito. Ela soube que ele estava andando com a Julinha.
— Manja a Julinha? — ele me perguntou.
Não. Eu não manjava, e era um trouxa por causa deste detalhe. A Julinha era uma das melhores coisas que podem acontecer a qualquer sujeito apreciador do gênero.
E assim foi o cara, até Vitória. Na hora em que o avião ia descer, ele estava explicando que ali, na capital capixaba, tinha tido grandes momentos. Mas grandes momentos mesmo. Se meteu com uma pequena ótima, sem saber que ela tinha duas irmãs melhores ainda. E ele foi pulando de uma para outra.
— Apanhei as três, tá bem? — batia na minha perna e dizia, balançando a cabeça, com um sorriso vitorioso (talvez em homenagem à já citada capital capixaba). E repetia para mim: — Apanhei as três!
Depois da escala em Vitória, tentei sentar longe do folgazão, mas me dei mal. Ele me viu sozinho na poltrona, isto é, com a poltrona do lado dando sopa, e não conversou. Pediu mais um uísque duplo à aeromoça e retomou o assunto mulher. Descreveu como é que foi com a mulher do quinto andar lá do prédio onde ele mora. No começo não queria. Sabe como é — a gente não deve se meter com essas desajustadas que moram perto, porque fica fácil de controlar. E parecia que ele estava adivinhando. Todo dia de manhã era uma bronca, porque todo dia de manhã — é lógico — saía uma mulher do seu apartamento, e a dona do quinto andar ficava na paquera.
— Mandei andar, viu?
— Qual?
— A do quinto.
— Ah, sim...
Entre Vitória e Salvador o sujeito já tinha apanhado mais mulher do que o falecido Juan Tenório. Mas nem por isso deixou de contar mais umas duas ou três aventuras amorosas, enquanto aqui o filho de Dona Dulce aproveitou a boca para comer uns dois ou três acarajés. Era eu com acarajé e ele com mulher. Desisti até de me livrar do distinto. No Recife cada um de nós iria para o seu lado e eu não veria mais o garanhão.
Retornamos ao avião. Ele, firme, do meu lado. Pediu outro uísque duplo à aeromoça — a qual, inclusive, elogiou, afirmando que tinha umas ancas notáveis.
— Hem, hem? Notáveis! — e me catucava com o cotovelo.
Foi quando sobrevoávamos Penedo que ele confessou que já tinha casado três vezes. Felizmente não tivera filhos, mas mulher não faltou. Depois do terceiro casamento, com várias senhoras de diversos tamanhos e feitios intercalados entre cada casamento, resolveu que não era trouxa.
— Comigo não, velhinho. Chega de casar! — nova catucada: — Comigo agora é só no passatempo. Por falar nisso, você tem algum compromisso no Recife?
Fingi que tinha. Uma senhora que não poderia ser suspeitada, caso contrário poderia sair até tiro. Ele compreendeu. Embora tremendo boquirroto, concordou que, às vezes, é preciso manter o sigilo. Mas era uma pena eu não estar disponível no Recife. Ele conhecia umas garotas bem interessantes. Era bem possível que, já no aeroporto de Guararapes, algumas estivessem à sua espera.
— Você dá uma espiada — aconselhou-me. Se alguma delas me conviesse e — naturalmente — se a tal senhora inconfessável falhasse, eu poderia ficar com duas ou três de suas amiguinhas, para umas farras em Boa Viagem:
— A gente vai para a praia. De noite... aqueles mosquitinhos mordendo a gente.
Disse isso com tal entusiasmo na voz que, por um instante, eu cheguei a pensar que ele gostasse mais do mosquitinho do que de mulher. Mas foi só por um instante. Enquanto o avião manobrava e descia no Recife, o cara ainda falou numa prima lá dele, pela qual tivera uma bruta paixão.
Aí o avião parou, todo mundo desamarrou o cinto e — coisa estranha — o meu companheiro de viagem voltou a ficar esverdeado.
Saímos, apanhamos as malas e, quando eu ia pegar um táxi, lá estava o cara sozinho, também atrás de condução. Ele me viu, sorriu e explicou:
— Olha, meu velho, aquilo tudo era bafo. Eu não apanho ninguém. Eu tenho é pavor de avião e só falando de mulher é que eu perco o medo.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora