domingo, 17 de novembro de 2013

Orquídeas do Pontal Norte

Pontal Norte - BC 17/11/2013
Pontal Norte - BC 17/11/2013Pontal Norte - BC 17/11/2013Pontal Norte - BC 17/11/2013Pontal Norte - BC 17/11/2013Pontal Norte - BC 17/11/2013Pontal Norte - BC 17/11/2013
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Orquídeas do Pontal Norte BC, um álbum no Flickr.
Nesta tarde, de 17/11/2013, no pontal norte da praia de Balneário Camboriú.
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Faquirismo e provocação

Os mais assíduos (leitores, naturalmente) devem estar lembrados do que escrevemos no dia em que Silki — o Pele da Fome — entrou novamente numa urna de vidro para tentar recuperar para o Brasil o recorde da dita, ora nas mãos, ou melhor, no estômago do francês Burmah. Escrevemos na ocasião que o grande inimigo desse Didi da inanição seriam as provocações do público, um público que pagava para chatear o faquir.

Já da última vez que Silki bateu o recorde, a coisa tinha acontecido. Inimigos da fome pagavam entrada para ver o faquir, chegavam junto à urna de vidro munidos de pastéis, empadinhas e outras guloseimas, e ficavam comendo na frente dele, para ver o bicho que dava.

O faquir resolveu temporariamente o problema fechando os olhos, para não ver. Surgiu, porém, um torturador requintado que comia a empadinha e cuspia o caroço em cima da urna, com toda a força. Ora, sendo a urna de vidro, o caroço ao bater fazia tiliiiiiimmmm... obrigando o coitado a abrir os olhos de susto.

Agora a provocação foi maior. Silki pretendia ficar mastigando vento 108 dias — temporada que lhe traria o recorde de volta — mas abandonou a urna com 36 dias, vítima de um ataque de nervos e a conselho de seu médico assistente, que o retirou à força ajudado pelo delegado de Costumes e Diversões.

Silki não queria sair, mas seus nervos estavam em tal estado, que foi obrigado a ceder e se internar numa Casa de Saúde, onde ainda se encontra. O secretário do faquir falou à imprensa e contou, revoltado:

— Muitas pessoas, ao visitá-lo, exibiam pratos variados e apetitosos, como galinha assada, empadas, doces etc. E o pior é que, pela madrugada, lá chegavam mulheres trajando roupas escandalosas, algumas até exibindo certas partes do corpo. Silki não agüentou. Vejam vocês que baianada!

O secretário não explicou pra imprensa quais as partes do corpo que as elegantes exibiam, mas isto não importa. Mulher — quando é boa — qualquer parte serve, conforme costuma dizer nosso nefando primo Mirinho — o crápula.

Também não explicou qual das abstinências provocou o estado de nervos de Silki. A gente, porém, tira as conclusões.

Da outra vez ele bateu o recorde mesmo com a provocação de exibições gastronômicas. Desta vez é que começou a novidade de mulher ir provocá-lo. Portanto, dos seus jejuns, ele deve ter sucumbido ao segundo.


Fonte: Tia Zulmira e Eu - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.
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domingo, 10 de novembro de 2013

O morto vivo

Naquela noite, enquanto os tropeiros do Brejo se acocoravam ao redor da fogueira, contando histórias, o Zé Piaba fez com que todos se calassem e principiou:

— Nem conto... Quando a “coisa” me deu, eu fiquei imóvel como pedra dormindo em fundo de açude. Por mais vontade que tivesse de me levantar não podia...

Puxou um pequeno tição, acendeu o cigarro de palha e prosseguiu, após algumas baforadas:

— Minha mulher, a Raimunda, quando deu pela “bicha”, achou que eu tinha esticado a canela. Abriu a boca no mundo, a chorar e foi logo chamar o compadre Bernardino para tratar do enterro. O mais interessante é que eu não acreditava na minha morte, pois via e ouvia tudo.

Até não pude esquecer nunca a ocasião que a minha costela se lamentava, dizendo ficar sozinha neste mundão de Nosso Senhor. Eis que o compadre, sem cerimônia, a apertou nos braços, e disse que ela não se incomodasse tanto, que se casaria com ela. Como ele era viúvo, seria um casamento igual, de dois viúvos. Ela ficou mais consolada e tudo ficou combinadinho, ali mesmo nas minhas barbas.

Quando foi noite fechada, começaram a chegar os conhecidos. A Raimunda, a todos que lhe davam os pêsames, ia oferecendo boia de carimã com café.

Mais tarde, coisa dumas 10 horas, enfiaram um pau nos punhos da rede. Lá fora a lua era uma beleza, tomando banho no rio que parecia uma lâmina cortando os campos.

Saíram com o “defunto” e foram pela estrada, cantando umas cantigas horríveis, de arrepiar couro e cabelo. Se eu pudesse teria tremido como queixo de impaludado dos Amazonas. Mais porém eu estava caipora mesmo. Nem para tremer prestava. Nem um sinalzinho de vida. Inda hoje parece que ouço a bruta:

Repouso eterno 
Dai-lhe, Senhor, 
Dá luz perpétua 
O resplandor. 

Quando acabaram essas “ladainhas” já os galos abriam o bico a cocoricar. Eu voltei para o ponto de partida, isto é, para o mesmo lugar em casa, pois o enterro seria no dia seguinte.

De manhã, foi que eu vi o negócio espritar-se mesmo. Iam enterrar-me vivinho da Silva, sem mais nem menos. Mentalmente fiz uma oração à Nossa Senhora das Candeias para que iluminasse o espírito daquela gente e não fizesse comigo aquela judiação. Vocês nem calculam como sofri.

Depois que o Padre rebolou uma porção d'água benta em riba de mim, o enterro foi marchando subindo a ladeira para o cemitério. Eu sentia um terror mortal. Acho que minha garganta estava toda cheia por um nó bem grande que não me deixava gritar. Seria nó mesmo ou apenas suposição? Não sei. O que sei é que, quase na hora H, vi que já podia fazer algum movimento.

Estendi a mão e peguei um dos gajos que iam me levando pelo paletó. Ele se virou e quando deu fé daquilo, nem digo nada: soltou a rede no chão. O outro fez o mesmo. E todos, julgando que eu era alma do outro mundo, deram de gâmbias e catrâmbias. Desandaram a correr que nem um estouro de garrotes bravios.

O compadre Bernardino, o apalavrado futuro marido de minha mulher, pensou que aquilo eram artes do Não-sei-que-diga. Quis meter-me uma carga de chumbo nos couros. Mas felizmente a garrucha negou fogo. E todos corriam com medo de mim como um bando de satanás...

A minha cara-metade só foi para casa depois que o doutor foi ver-me e disse que eu tive um ataque de “calapsia”. Ele disse uma coisa mais ou menos assim. Um nomão feio, arrevesado, que só o tal doutor sabe dizer direito.

E assim eu escapei das garras da morte. Quando à noite apareci de repente num samba, todo lampeiro, o povo quis correr, pensando que era assombração.

O compadre Bernardino é que parece que não gostou nadinha. Pouco tempo depois morreu. Penso que de tristura ou paixão recolhida.

Jayme Sisnando
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Fonte: Revista O Malho, de maio/1944
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