terça-feira, 26 de março de 2013

A ira de Geraldo Vandré

Os que são velhos, como eu, conheceram os estertores das gerações românticas. Havia então uma permanente nostalgia do patético e do sublime. Morrer de amor, ou por amor, era uma honra; morrer simplesmente, sem amor, nem ódio, morrer de paratifo ou até de asma, era outra honra. E quando passava um enterro de virgem, com o caixão de arminho, as mocinhas dos sobrados invejavam a morta e gostariam de estar no imaculado caixão. Bom tempo, em que a morte era mais promocional do que a vida.

Mas quem conta episódios admiráveis da vida romântica é o Eça. Num dos seus livros, não sei se Os Maias, há uma cena deliciosa. Imaginem um rapaz vestido de negro e pálido como um santo. É uma festa. Ele está, na janela, maravilhosamente só. E ali, olhando a noite, que já vai para a madrugada, cheira uma flor, talvez camélia. Muito olhado pelas damas, exalava uma nobre e inconsolável melancolia. E, súbito, vem a dona da casa e pergunta:

— "Não dança?".

O rapaz ergue a fronte diáfana e responde:

— "Como posso eu dançar, se a Polônia sofre?".

Nesse rapaz que, junto à janela, beija uma camélia; e não pode sorrir porque a Polônia sofre, nesse rapaz está todo um Portugal, toda uma Europa. Outro que tem o mesmo valor social, humano, histórico, é o nosso Geraldo Vandré.

Quem não o conhece? Com o seu sucesso no Festival da Canção, o nosso Vandré tornou-se uma súbita figura nacional. Abram os jornais, as revistas, ouçam os rádios, vejam as TVs. A fulminante celebridade de Vandré é de uma evidência estarrecedora. E mais: — de domingo para cá, sempre que três brasileiros se juntam, o assunto obrigatório, fatal, é a vil injustiça que lhe fizeram.

Vandré concorria ao Festival com a sua "Pra não dizer que não falei de flores". Segundo se diz, ele devia tirar o primeiro lugar. Vai o júri e dá-lhe um mísero e franciscano segundo lugar. Antes, porém, de passar no Maracanãzinho, preciso dizer quem é e como é Vandré. Vamos lá.

Dias atrás, um amigo meu cruza com o compositor e diz-lhe:

— "Boa noite".

Ora, a um cumprimento responde-se com outro cumprimento. É o mínimo e o máximo que se pode fazer. O Vandré, porém, está bem acima de um automatismo tão crasso e tão ignaro. Assim saudado, ele se arremessa para o meu amigo, como se fosse agredi-lo. Agarra-o pelos dois braços, sacode-o; diz-lhe, embargado:

— "Como pode você me dar boa-noite se o mundo está em guerra?".

O outro tomou o maior susto:

— "Eu não tive intenção! Eu não tive intenção!".

E, realmente, o meu amigo não tivera nenhuma intenção, senão a de lhe dar boa-noite. E o Vandré, em arrancos:

— "Você não vê que estão morrendo no Vietnã?".

O autor do imprudente "boa-noite" quase correu, fisicamente, do Vandré.

Pode parecer talvez que eu esteja fazendo um exagero caricatural. Por sua vez, os idiotas da objetividade dirão que o Vietnã está lá e o compositor aqui. Mas saibam que, no caso do Vandré, a distância não influi nas leis da emoção ou da indignação. Ele reage como se o Vietnã fosse ali na esquina; e como se o chão que ele pisa estivesse juncado de vietcongs defuntos.

Narrei o episódio para caracterizar o artista: — será nosso contemporâneo apenas nos ternos, gravatas e sapatos; mas por dentro tem a estrutura das gerações românticas. Já os familiares e conhecidos evitam cumprimentá-lo, porque o Vietnã sofre. Dito isto, passo ao Maracanãzinho.

Domingo, ia ser escolhida a música brasileira para o Festival Internacional da Canção. Não sei por que, meteu-se na cabeça de muitos, inclusive do próprio Vandré, que sua letra e sua música iam ser as ganhadoras fatais.

Vocês entendem a minha perplexidade? Informa o senso comum que qualquer competição, seja o prêmio Nobel ou de cuspe à distância, tem os seus imponderáveis. A começar pelos juizes. São quinze sujeitos e temos de admitir a "verdade de cada um", verdade que foi, como se sabe, o ganha-pão de Pirandello. Todavia, Vandré e seus partidários, que eram numerosos e ululantes,
estavam maravilhosamente certos da vitória.

Daí a crudelíssima desilusão. Os jurados preferiram "Sabiá", de Chico e Tom. Ao nosso Vandré coube o segundo lugar. Outro qualquer estaria soltando os foguetes da vaidade, e telefonando para casa:

— "Tirei o segundo lugar! Tirei o segundo lugar!".

Seria uma glória para a família, para a namorada etc. etc. Mas Vandré não tem as reações de qualquer um. Assim como não admite que o cumprimentem, também não aceita um reles segundo lugar. O resultado doeu-lhe, fisicamente, como uma nevralgia. Estava falsamente derrotado. Na verdade, merecera uma colocação nobilíssima. Não tinha que sofrer como se o segundo lugar fosse a mais hedionda das lanternas.

Os que estavam lá, no Maracanãzinho, viram muito pouco. Havia entre a platéia e o palco uma deplorável distância visual. Ao passo que o vídeo amplia a cara, o gesto, o espanto. Eu, em casa, com a televisão ligada, vi tudo e com prodigiosa nitidez. E, sobretudo, vi a bela, forte, crispada e jovem cara de Vandré. Ele acabara de saber que era, apenas e miseravelmente, o segundo colocado. Os presentes não puderam sentir o seu patético, mas o telespectador, sim.

Para nós, de casa, a cara de Vandré tomou a expressão cruel, vingativa, de certas máscaras cesarianas. Lia-se tudo na jovem cara. Houve um momento em que, instigado pelos seus fiéis, Vandré perguntou, de si para si:

— "Abro ou não o verbo?".

Seria o comício. Nas velhas gerações, o brasileiro tinha sempre um soneto no bolso. Mas os tempos parnasianos já passaram. Hoje, ferozmente politizado, ele tem sempre, à mão, um comício. Outrora soneto, hoje comício. Eis a perplexidade que o telespectador percebia, com perfeita visibilidade: — por um lado, o comício fascinava Vandré como um abismo; por outro
lado, era amigo do Chico e do Tom.

Mas eis o que eu queria dizer: — um concorrente frustrado só devia aparecer de máscara, como nos vel hos carnavais. Apenas o primeiro colocado teria o direito de fotografar-se de rosto nu. Então o Vandré cometeu o erro de saudar os concorrentes vitoriosos. Só ele e Deus sabem o esforço braçal que lhe custou essa concessão às boas maneiras.

Mas um artista não pode ser convencional. Sei que, por um instante, quase partiu para o comício. Foi quando começou:

— "Nem tudo é festival!".

Disse isso e não foi além. Assim traiu a própria ira, traiu o próprio ressentimento. Ninguém pôs uma máscara compassiva no ódio tão forte, ingênuo e impotente.

Outro momento inesquecível: — a cara de Tom Jobim.

Ao saber-se premiado teve espasmos triunfais de víbora moribunda. Somos uma pátria de cavas depressões; e a cara de Tom Jobim, na vitória, devia ser exibida por todo o Brasil.

Como é trágica a euforia do subdesenvolvido premiado. O nosso Tom foi aos Estados Unidos, fez músicas para Sinatra, é uma glória internacional. Só faltou atirar beijos como uma menina de préstito carnavalesco. Um americano embolsa um prêmio com um tédio sarcástico. O francês recebe um favor como se estivesse fazendo um favor ao favor.

E o nosso Tom, ao impacto do triunfo, quase foi para a tenda de oxigênio.

[1/10/1968]
________________________________________________________________________
A Cabra Vadia: novas confissões / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo:
Leia mais...

segunda-feira, 25 de março de 2013

Bettie Page, a rainha das pin-ups

Numa época onde as publicações para o gênero masculino eram raras (e eram vistas, lidas às escondidas) e a nudez era castigada pelos bons costumes, aconteceu uma linda jovem que mexeu com a imaginação dos homens americanos posando para fotos sensuais, usando roupas de banho ou fantasias. Foi influenciada por nossa Luz Del Fuego, aqui do Brasil.

Bettie Page (Betty Mae Page), modelo, nasceu em Nashville, Tennessee, EUA, em 22/04/1923, e faleceu em Los Angeles, California, em 11/12/2008. Tornou-se famosa na década de 1950 por fotos de temática pin-up e fetichista.

Ela é frequentemente chamada de "Rainha das Pin-ups" e seu visual, cuja marca registrada eram os cabelos pretos lustrosos e uma franja, influenciaram dezenas de artistas.Page foi também uma das primeiras "Playmates do Mês" da Playboy, aparecendo na edição de janeiro de 1955 da revista.

Bettie Page at Funland Amusement Park Miami, Florida, photos by Bunny Yeager, 1954
O final de sua vida foi marcado por depressão, mudanças violentas de ânimo e vários anos de internação em um hospital psiquiátrico público. Em 1959, ela se converteu ao cristianismo, posteriormente trabalhando para Billy Graham. Após anos de obscuridade, ela presenciou uma retomada de sua popularidade durante a década de 1980.

Bettie Page at Funland Amusement Park Miami, Florida, photos by Bunny Yeager, 1954
Foi a segunda de seis filhos de Walter Roy Page e a Edna Mae Pirtle. A família vivia em condições financeiras precárias e não se mantinha por muito tempo em um mesmo lugar. Com a queda da bolsa em 1929 a situação piorou. Os pais se divorciaram em 1932. No ano anterior, Walter havia sido preso por alcoolismo e desordem. Edna Pirtle se estabeleceu em dois empregos, enviou Bettie e duas de suas irmãs para um orfanato por um ano. Aos quinze anos de idade, Bettie fora violentada pelo próprio pai, quando este havia voltado a morar com a família. Em idade tenra, Page conheceu responsabilidades duras e aprendeu a tomar suas próprias decisões.

Bettie Page at Funland Amusement Park Miami, Florida, photos by Bunny Yeager, 1954
Entre o coro da igreja e o salão de beleza que Edna trabalhava, Bettie ocupava seu tempo com a costura. Ela foi considerada uma estudante excepcional. Mostrou sempre interesse pelo cinema e pela vida de modelo. Coordenou o grupo de arte dramática e se formou bacharel em Artes no Peabody College em 1943. No mesmo ano, casou-se com Billy Neal, seu namorado. Mudaram-se para São Francisco.

Em São Francisco obteve seu primeiro trabalho como modelo. Ainda com Neal, viajou para o Taiti, onde lhe foi revelado um mundo exótico, muito explorado pela arte em volta do ícone Bettie Page, as mulheres morenas de sol. Assim como Luz Del Fuego, Bettie passou tomar banhos de sol nua ou mesmo se exercitar.

Com cinco anos de casada, divorciou-se de Neal e mudou-se novamente, desta vez para Nova Iorque. Em Coney Island conheceu o policial Jerry Tibbs, por volta de 1950. Tibbs era também fotógrafo amador, ele foi o criador da "pin-up" Bettie. Ele afirmou à época que sua testa era larga demais para usar o cabelo partido ao meio. Bettie, então, eternizou a franja convexa lisa.

Bettie investiu também no mundo da moda: criou seus maiôs e bikinis e a tanga clássica de oncinha.

Mas apenas os fotógrafos Irving Klaw e Bunny Yeager imortalizariam a pin-up Bettie Page. Ela há muito havia trocado a carreira de secretária pela vida de modelo. Os horários eram independentes, a carga horária menor e o salário maior. Quando resolveu posar para Klaw aceitou o contrato dele, o qual afirmava que o pagamento só seria disponível mediante poses com bondage.

O então presidente do Senado Carey Estes Kefauver, contrário as fotografias de Irving Klaw, pela apologia ao sadomasoquismo, requisitou a própria modelo a depor.

Várias publicações da época como "Eyeful", "Beauty Parade" ou "Wink" a procuraram. Em janeiro de 1955 foi capa da "Playboy" e no mesmo ano recebeu das mãos de Hugh Hefner o título de "A Miss Pin-Up Girl do Mundo". Hefner foi um dos maiores benfeitores de Bettie até o final de sua vida.

Page casou-se novamente, com Armand Walterson, e em 1958, desapareceu da vida pública sem uma razão definida. Alguns, culpam o caso Kefauver X Klaw; outros, atribuem o casamento com Walterson. Sabe-se que, após seu casamento com Walterson, Bettie tornou-se numa devotada religiosa.

Sua última entrevista foi em 1962, focada em aspectos do divórcio com Walterson.

Faleceu aos 85 anos, em 11 de dezembro de 2008, de pneumonia, uma semana após sofrer um ataque cardíaco do qual não recobrou a consciência e entrou em coma.

Fonte: Wikipédia
Leia mais...

O noivo organizado

Aconteceu em São Paulo. Um camarada chamado João Augusto de Melo, ao encontrar na rua sua ex-noiva Leonor Conceição de Paula, abotoou a distinta e perguntou onde é que estavam os Cr$ 2192,00 que lhe devia.

A ex-noiva, ainda que inibida pela truculenta cobrança, respondeu que não devia coisa nenhuma, muito menos 2 192 cruzeiros, que lembra preço de paletó da "Ducal".

— Não devo coisa nenhuma — reclamou Conceição.

E João, que não estava disposto a discutir, tacou-lhe a mão nas bochechas, bolacheando-a fartamente, até a intervenção de outros paulistas que passavam por perto e que, mesmo não podendo parar, resolveram entrar para desapartar.

Aí veio um guarda (lá em São Paulo tem guarda) e levou o casal de ex-noivos para a delegacia. E então a dívida foi esclarecida. O rapaz informou ao comissário que fora noivo de Conceição durante três anos. Durante o noivado tivera o cuidado de tomar nota de todos os gastos que fizera com ela ou por causa dela. No dia em que desmancharam o noivado, dividiu o total por dois e se sentiu com direito a ser reembolsado na metade das despesas. E para provar que era um sujeito organizado, mostrou à autoridade a cópia da carta que enviara a Conceição, carta esta, que transcrevemos aqui, em seus trechos principais.

Diz assim: "Primeira vez que saímos juntos — 1 café 1,50. Cinema Alhambra — 25,00. Cinema Dom Pedro (duas vezes) — 30,00 Condução, nas vezes que fui ver você e gastei por sua causa — 30,00. Uma vez que jantamos juntos logo que você chegou do interior — 300,00. Duas vezes Cinema Ópera — 50,00. Duas vezes que paguei Cinzano no bar — 20,00. Uma vez Cine Anchieta — 25,00. Uma vez Cinema Oásis — 30,00.

Uma vez que fomos juntos à "Boite Asteca" — 700,00. Gastos com você no Bar Áurea — 280,00. Metade da despesa de táxi (Baile da Moóca) — 50,00. Um presente para sua mãe — 16,00. Dinheiro que lhe dei, quando você foi ao Paraná — 100,00. Três pratos — 30,00. Dias dos Namorados (uma blusa) — 315,00. Uma xícara que dei para você — 10,00. "Despesas" que fiz com você (não especificadas) — 400,00. Total que você me devo — 2192,00. (ass): .— João Augusto de Melo, ex-noivo."

Esta é a relação que está na cópia da carta que João cansou de enviar a Conceição, sem que a dita se mancasse. E João (ex-noivo, como ele mesmo se catalogou), deve ter ficado indignado com o pouco caso de Conceição para saldar a dívida. Sim, porque João é um "pão-duro" desgraçado.

Em três anos de namoro, pagou Cinzano uma vez, deu de presente uma blusa, uma xícara e três pratos.Isto sem contar o presente de 16 mangos que deu pra mãe lá dela. Que diabo de presente teria sido esse, tão preço de queima total para entrega das chaves? João não diz. Não diz porque é um ex-noivo discreto, predicado que deixa antever naquela marotíssima "Despesa" (entre aspas) não especificada.

Conceição não quis explicar ao comissário, qual era a "despesa" não especificada. Mas está na cara, né João? Foi quarto de hotel suspeito e você, mais "pão-duro" do que discreto, castigou na relação. E está com toda razão. Pois se vocês foram juntos, por que é que ela não vai pagar também, é ou não é?

Cobra mesmo João. Cobra mesmo, ex-noivo organizado.

________________________________________________________________________
Fonte: Tia Zulmira e Eu  - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.
Leia mais...