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domingo, 13 de julho de 2014

Ouro maldito


“Chegara eu a Pirapora, nas margens do caudaloso São Francisco, em noite quente, mas de chuva forte, que me não permitiu sair do hotel. Após o jantar, servido o café, levantei-me da mesa juntamente com outro hóspede, que ali morava e que comigo havia palestrado durante a refeição. Parecia ele homem viajado e experimentado nas coisas do sertão mineiro.

Para mim, que ali ia pela primeira vez, a palestra era instrutiva e convinha mantê-la. Indagando o nome, disse-me ele que se chamava João José de Freitas, mas que era conhecido em todo o sertão como Januário, por ter nascido na cidade de Januária, que, rio abaixo, dista de Pirapora cerca de 40 léguas.

Dando-lhe também o meu nome, convidei-o a passarmos a uma larga varanda que dava para o lado do rio. Mas Januário preferiu uma sacada que dava para a mata, justamente em sentido oposto ao rio.

Acompanhei-o sem protestar, mas estranhando intimamente aquela preferência. O arguto olhar do sertanejo, não escapou, porém, a minha estranheza íntima.

Logo que nos sentamos em cômodas cadeiras com fundo tecido em cordas de palha de milho, ofereceu-me um cigarro da mesma palha, e, em preâmbulos, foi dizendo:

— Seu doutor está estranhando eu não querer ficar do lado do rio ... Mas é que o rio me entristece muito, principalmente à noitinha.

— Mas por que lhe acontece isto, seu Januário?! ... ao senhor, que parece homem habituado ao sertão e aos caudalosos rios deste grande vale!

— É por isto mesmo, seu doutor. Quem vê essas águas não sabe quanta coisa triste elas escondem. Vou lhe contar um fato que se passou comigo e que mostra a razão por que me entristeço quando estou à beira dum rio.

Há dez anos, éramos três amigos: eu, o Raimundo e o Celestino; todos três muito unidos pela luta constante na vida que levávamos como faiscadores e garimpeiros. A busca ao ouro e ao diamante, nas cabeceiras deste grande rio e nos seus afluentes, era nossa única ambição. Onde havia notícias dessas coisas preciosas, lá estávamos nós trabalhando, algumas vezes em vão; outras, porém, ganhando muito, mas sempre gastando muito, também. O que vem fácil, fácil vai.

Um dia soubemos que neste rio São Francisco, um pouco abaixo daqui, entre as bocas das Velhas e do Jequitahy, havia naufragado uma embarcação que vinha de longe, lá do Paraúna, e ia para Juazeiro, na Bahia, levando pesada carga de ouro e de diamantes.

Um parente do Raimundo tinha assistido ao naufrágio e marcou o lugar certo em que afundou o barco. Era junto a um grande penedo a pique, que forçava o rio a fazer uma volta ligeira e perigosa, em garganta apertada com muita correnteza.

Nós três vimos logo ocasião de fazer fortuna. E resolvemos empreitar o salvamento do tesouro, com a vantagem de metade do que pudéssemos arrancar do fundo do rio.

No momento, porém, era impossível. O rio estava de enchente e as chuvas turvavam muito as águas. Tivemos que esperar mais de mês pela vazante.

Já sabíamos, porém, que o lugar era fundo e dava muita piranha, de modo que o trabalho só podia ser feito com escafandro. Por isso, enquanto esperávamos a vazante, o Celestino foi ao Juazeiro buscar um escafandro de um amigo dele, que o havia comprado a um embarcadiço em São Salvador.

Mas o escafandro tinha os tubos de borracha vermelha, cor que atrai a piranha, porque ela pensa que tudo que é vermelho é carne. Resolvemos, entretanto, o caso, cobrindo os tubos com tiras de metim preto.

E quando as águas baixaram e clarearam, lá fomos nós rio abaixo, com o nosso barco bem equipado para trabalhar o escafandro.

A princípio, custamos a encontrar sinais do barco naufragado. Mas, descendo um pouco, a uns trezentos metros abaixo do lugar marcado pelo cunhado do Raimundo, conseguimos ver a proa de um barco atolado no fundo. Não podia ser outro.

Como prevíamos, o lugar era muito fundo. Só mesmo com escafandro se podia chegar lá.

Amarramos o barco com espias em terra, porque a poita não tinha firmeza para aquela corrente e precisávamos fixar bem o barco, porque o trabalho era demorado.

Feito isso, tiramos a sorte qual de nós três tinha que descer no escafandro. Caiu para o Raimundo, que não fez cara-feia. Era assim que nós trabalhávamos.

A princípio, tudo ia muito bem. Mas, quando o Raimundo fez o sinal de que tinha tocado o fundo, dando dois puxões no cabo, depois de o afrouxar duas vezes, o metim preto, devido ao roçar do cabo, soltou-se num pedaço, descobrindo o tubo vermelho. E logo apareceu uma piranha assanhada. Bati na água com o remo para espantar o peixe. Mas o Celestino achou melhor mergulhar na água para tornar a cobrir o tubo. Não achei bom: disse a ele que as piranhas podiam vir em maior número.

Celestino espiou bem, e, vendo que era uma só, perigosa para o tubo e não para ele, resolveu mergulhar, com o que acabei concordando.

Mas, tão logo ele caiu n’água e pegou o tubo, o rio empreteceu... Saia piranha de todo lado. . . Não se via mais nada. . . Bati com os remos n’água, sem resultado. . . Em vez de subir o Celestino só subia sangue.

Experimentei o tubo: já estava cortado. . . Puxei o cabo: estava partido.

Larguei a bomba de ar ... larguei tudo, para pegar nos dois remos, ... e entrei bater na água como um possesso.

Bati muito, bati até não poder mais, não sei por quanto tempo. . . Em um ponto que a luz era mais forte, vi, no meio do bando de piranhas esfaimadas, os ossos do Celestino, já quase esqueleto só! ... os pelos me arrepiaram em todo o corpo e eu não vi mais nada!

Quando voltei a mim, estava deitado no fundo do barco, que, tendo quebrado as amarras, vogava rio abaixo, volteando em um remanso.

Tinha perdido um remo ... estava escurecendo ... fiquei apavorado!

Com o remo que ficou, remei febrilmente para terra, e conseguindo encostar o barco na praia do remanso, saltei horrorizado, fugindo a todo fôlego daquelas águas tenebrosas.

Andei algumas léguas, sem rumo, até que, perdendo as forças cai sem sentidos. Só acordei ao amanhecer, como quem acorda de terrível pesadelo. Não queria acreditar no que tinha acontecido.

Procurei, mais calmo um pouco, tomar alturas, para saber onde estava. Fiquei satisfeito quando vi que estava na estrada que vai da Barra do Jequitahy a Guaicuhy, cidade em que morava um amigo nosso, o Zé Vicente. Para lá fui, mais morto do que vivo.

Em duas palavras, contei o caso ao Zé, bebi um trago, comi um pouco, sem saber o que ... e só fui descansar no barco do Zé, com quem desci o rio novamente, até o lugar sinistro.

Mas não podíamos ver mais nada. Por ter chovido nas cabeceiras dos rios, a água, que na véspera era clara, estava agora barrenta. Deitamos garateias a tarrafa, para ver se agarrávamos qualquer coisa: o Raimundo no escafandro ou os ossos do Celestino. Nada conseguimos.

Todos os dois ficaram lá, e o tesouro também. Ninguém tentou tirar do fundo aquele ouro maldito!

Depois dessa luta em vão, seu doutor, me veio um febrão, que durou mais de 15 dias. E a toda hora eu via o Celestino e o Raimundo lutando com as piranhas, ao mesmo tempo que uma voz me dizia que aquilo era o prêmio da ambição.

Que horror! seu doutor! Nunca mais peguei na bateia, nunca mais entrei num vau ...

— Mudou de vida, então, seu Januário? — perguntei eu para mudar a conversa.

— Mudei, sim, senhor. Agora só compro e vendo ouro e pedras, com pequeno lucro ... E vou bem, graças a Deus. Só quando me lembro dessas coisas é que ainda me arrepio todo, como o senhor está vendo.

— Mas, seu Januário, para que recorda essas coisas tristes?

— É a sina, seu doutor! ...

— Mas vamos esquecer ‘— concluí eu. — Vamos tomar um trago e jogar um pouco ...

— Ah! o senhor gosta do trago ?!. Então vai beber produto da minha terra.,. Oh! Quincas! (Grita o Januário para o copeiro). Traz aí uma “Januária” ... daquela que a tia Zeferina mandou no Natal! ...

Servida a bebida, pura de cana, fomos jogar, tendo eu desviado a conversa do caso macabro.  Mas, quando acabamos e nos demos o “boa-noite”, o Januário falou:

— Seu doutor, quero um favorzinho seu.

— !?! ...

— Reze um Pai-nosso pro Raimundo mais o Celestino ... Eles merecem.”

(Original de Felix Sampaio)


Fonte: revista semanal "Carioca", de 12/09/1936.
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domingo, 10 de novembro de 2013

O morto vivo

Naquela noite, enquanto os tropeiros do Brejo se acocoravam ao redor da fogueira, contando histórias, o Zé Piaba fez com que todos se calassem e principiou:

— Nem conto... Quando a “coisa” me deu, eu fiquei imóvel como pedra dormindo em fundo de açude. Por mais vontade que tivesse de me levantar não podia...

Puxou um pequeno tição, acendeu o cigarro de palha e prosseguiu, após algumas baforadas:

— Minha mulher, a Raimunda, quando deu pela “bicha”, achou que eu tinha esticado a canela. Abriu a boca no mundo, a chorar e foi logo chamar o compadre Bernardino para tratar do enterro. O mais interessante é que eu não acreditava na minha morte, pois via e ouvia tudo.

Até não pude esquecer nunca a ocasião que a minha costela se lamentava, dizendo ficar sozinha neste mundão de Nosso Senhor. Eis que o compadre, sem cerimônia, a apertou nos braços, e disse que ela não se incomodasse tanto, que se casaria com ela. Como ele era viúvo, seria um casamento igual, de dois viúvos. Ela ficou mais consolada e tudo ficou combinadinho, ali mesmo nas minhas barbas.

Quando foi noite fechada, começaram a chegar os conhecidos. A Raimunda, a todos que lhe davam os pêsames, ia oferecendo boia de carimã com café.

Mais tarde, coisa dumas 10 horas, enfiaram um pau nos punhos da rede. Lá fora a lua era uma beleza, tomando banho no rio que parecia uma lâmina cortando os campos.

Saíram com o “defunto” e foram pela estrada, cantando umas cantigas horríveis, de arrepiar couro e cabelo. Se eu pudesse teria tremido como queixo de impaludado dos Amazonas. Mais porém eu estava caipora mesmo. Nem para tremer prestava. Nem um sinalzinho de vida. Inda hoje parece que ouço a bruta:

Repouso eterno 
Dai-lhe, Senhor, 
Dá luz perpétua 
O resplandor. 

Quando acabaram essas “ladainhas” já os galos abriam o bico a cocoricar. Eu voltei para o ponto de partida, isto é, para o mesmo lugar em casa, pois o enterro seria no dia seguinte.

De manhã, foi que eu vi o negócio espritar-se mesmo. Iam enterrar-me vivinho da Silva, sem mais nem menos. Mentalmente fiz uma oração à Nossa Senhora das Candeias para que iluminasse o espírito daquela gente e não fizesse comigo aquela judiação. Vocês nem calculam como sofri.

Depois que o Padre rebolou uma porção d'água benta em riba de mim, o enterro foi marchando subindo a ladeira para o cemitério. Eu sentia um terror mortal. Acho que minha garganta estava toda cheia por um nó bem grande que não me deixava gritar. Seria nó mesmo ou apenas suposição? Não sei. O que sei é que, quase na hora H, vi que já podia fazer algum movimento.

Estendi a mão e peguei um dos gajos que iam me levando pelo paletó. Ele se virou e quando deu fé daquilo, nem digo nada: soltou a rede no chão. O outro fez o mesmo. E todos, julgando que eu era alma do outro mundo, deram de gâmbias e catrâmbias. Desandaram a correr que nem um estouro de garrotes bravios.

O compadre Bernardino, o apalavrado futuro marido de minha mulher, pensou que aquilo eram artes do Não-sei-que-diga. Quis meter-me uma carga de chumbo nos couros. Mas felizmente a garrucha negou fogo. E todos corriam com medo de mim como um bando de satanás...

A minha cara-metade só foi para casa depois que o doutor foi ver-me e disse que eu tive um ataque de “calapsia”. Ele disse uma coisa mais ou menos assim. Um nomão feio, arrevesado, que só o tal doutor sabe dizer direito.

E assim eu escapei das garras da morte. Quando à noite apareci de repente num samba, todo lampeiro, o povo quis correr, pensando que era assombração.

O compadre Bernardino é que parece que não gostou nadinha. Pouco tempo depois morreu. Penso que de tristura ou paixão recolhida.

Jayme Sisnando
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Fonte: Revista O Malho, de maio/1944
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terça-feira, 12 de março de 2013

A morte na boca do povo

"A morte para todos faz capa escura,
E faz da terra uma toalha;
Sem distinção ela nos serve,
Põe os segredos a descoberto,
A morte liberta o escravo,
A morte submete rei e papa
E paga a cada um seu salário,
E devolve ao pobre o que ele perde
E toma do rico o que ele abocanha." (1)


Abaixo, algumas locuções e expressões populares que designam o verbo morrer:

A

Abalar-se para o além
Abarcar os sete palmos
Abecar a dama negra
Abonar o coveiro
Abotoar o paletó
Abotoar o pijama de madeira
Abreviar a viagem
Acampar no cemitério
Ajuntar os pés
Amanhecer olhando o dedo grande do pé
Apitar
Apresentar-se ao papa do inferno
Atacar o paletó
Atingir a reta da chegada
Atolar o carro
Arriar a bandeira

B

Bacafuzar-se
Badalar o sino
Bater a alcatra na terra ingrata
Bater a biela
Bater a bola
Bater a pacutinga
Bater a paquera
Bater a passarinha
Bater as botas
Bater o pacau
Bater o vinte e sete
Bater o vinte e um

C

Cair no esquecimento
Casar com a mulher da foice
Cessar a suspiração
Chegar a hora
Chegar ao fim da estória
Chispar no cavalo da morte
Coalhar o sangue
Comer terra na cara
Comer pão de terra
Comer capim pela raiz
Cumprir a vontade de Deus

D

Dar adeus a jerimum
Dar com o rabo na cerca
Dar o banzé
Dar o couro à vara
Dar o créu
Dar o último suspiro
Defuntar
Deixar de comer farinha
Deixar de viver
Desarmar a tenda
Descansar
Desencadernar
Desligar a tomada
Desocupar o beco
Dizer adeus ao mundo

E

Embarcar
Embiocar
Enfrentar São Pedro
Engajar no batalhão da morte
Entrar no rol dos bons
Entregar a alma a Deus
Envelopar-se
Espichar a canela
Estancar o motor
Estar na terra da verdade
Estar na terra de onde não se volta
Esticar o cambito
Esticar o molambo
Esticar o pernil
Esvaziar os pneus

F

Falecer da vida presente
Fazer a última viagem
Fazer companhia aos defuntos
Fazer gosto ao cão
Fazer a vontade de Deus
Fechar a sueca
Fechar o furico
Fechar os olhos
Ficar de olho vidrado
Findar
Fumar-se

G

Ganhar o descanso eterno
Gastar a mola
Guardar a ferramenta

I

Inteirar o tempo
Ir dar conta do feijão que comeu
Ir desta para melhor
Ir para a buíca
Ir para a cidade de pés juntos
Ir para o Acre
Ir para o buraco de camunda
Ir para o envelope
Ir para o vinagre
Ir pro beleléu
Ir-se

L

Largar a casca
Levar bandeira a meio-pau
Limpar o lugar
Liquidar o negócio

M

Mascar barro
Morar na pensão de Santo Amaro
Morrer na vez que lhe coube
Mudar de planeta
Mudar-se para o cemitério
Mudar-se
Muquecar-se

N

Não comer mais feijão
Não comer mais pirão

P

Passar
Passar desta para melhor
Pedir baixa
Pegar o expresso de madeira somente com passagem de ida
Peitar a parca
Perder o garrão
Perder o rumo da seguição
Picar a mula
Pifar
Pitar macaia
Promover-se a defunto

Q

Quebrar o rabicho
Quebrar a tira
Queimar o fusível
Queimar a piriquita

R

Rachar o quengo
Receber as incelenças
Refinar a rapadura
Render a alma ao criador
Render o espírito
Render o fôlego

S

Sair da cancha
Saldar as dívidas
Secar o mucumbu
Selar os olhos
Sustar o jogo

T

Tomar a benção a São Pedro
Tomar chá de buraco

V

Ver o céu por dentro
Vestir pijama de madeira
Viajar
Virar defunto
Virar picolé
Visitar São Pedro
Voar no pau

 (1) Hélinand de Froidmont. Os Versos da Morte. Poema do século XII, 1996: 50, vv. 361-372)
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Em Maior, Mário Souto. “A morte na fala do povo”. Em Revista brasileira de folclore, ano XII, nº 36, maio/agosto de 1973. Ministério da Educação e Cultura, Departamento de Assuntos Culturais.

Fonte: Jangada Brasil.
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terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Ciganos no Brasil

No século XV, hordas de ciganos, vindos dos Pirineus, entraram na Espanha, aí chegando a 11 de junho de 1449. Extenuados pelas fadigas longas, banidos dos países por onde passavam, lançados para fora de todas as terras, pediam nesse refúgio o esquecimento e a paz para os delitos de sua vida impersistente e de lutas incomensuráveis. E uma espécie de noite os protegeu por algum tempo, começando na Espanha a sua existência ativa, o seu despertar na sociedade, no reinado de Carlos III, que os utilizou em proveito das artes.

Esta reabilitação moral foi transitória e enganadora; novos governos desencadearam contra os pariás-erradios atrozes perseguições, despojando-os de seus empregos e profissões, destituindo-os da naturalização e privilégios a que tinham direito.

Aos azares da má sorte, no combate braço a braço contra o destino adverso, numerosas avançadas emigraram para Portugal, indo mais tarde alimentar as chamas das fogueiras inquisitoriais de dom João II, que aumentara dos códigos portugueses leis expressamente promulgadas para puni-los [1] .

A respeito dessa raça, isto é, de sua origem, costumes e tradições, nenhum eco se escapa das velhas crônicas portuguesas, a não ser o de seus passos nos tribunais do crime e de seus lamentos, ao tom das vagas, nas amuradas dos navios que os conduziam aos degredos do Brasil e Angola.

E é pela legislação que vamos surpreender as primeiras turmas que aportaram às nossas plagas, determinando a prioridade das províncias que as receberam.

Abramos as Ordernações do Reino.

Diz o decreto de 27 de agosto de 1685: “Fica comutado aos ciganos o degredo da África para o Maranhão”.

Nas provisões de 15 de abril de 1718, 23 de agosto de 1724, 29 de maio de 1726 e de 29 de julho de 1740, lê-se: “Se os ciganos e outros malfeitores, degradados do reino para Pernambuco. não adotarem nesta capitania algum modo de vida estável e continuarem a cometer crimes, serão novamente degradados dela para Angola”.

Em 1718, por decreto de 11 de abril, “foram degradados os ciganos do reino para a praça da Cidade da Bahia, ordenando-se ao governador que ponha cobro e cuidado na proibição do uso de sua língua e gíria, não permitindo que se ensine a seus filhos, a fim de obter-se a sua extinção”.

Foi por essa data, segundo o sr. Pinto Noites, estimável e venerando calon [2] de 89 anos, que chegaram ao Rio de Janeiro os seus avós e parentes — nove famílias para aqui degradadas, em razão de um roubo de quintos de ouro atribuído aos ciganos.

De sua prodigiosa memória, arquivo inesgotável da história de sua nação entre nós, deixou rolar, durante duas horas que com ele conferenciamos, informações admiráveis de critério e saber tradicional. Daí a notícia que possuímos de famílias importantes do Brasil cruzadas com eles, e a lista nominal das que acima referimos. de onde emergem algumas da Cidade Nova, Minas, Bahia, etc.

Na intimidade desse povo inteligente e às mais das vezes caluniado, conseguimos escrupulosamente verificar que as palavras do discreto ancião ajustavam-se à versão popular dos mais esclarecidos de sua tribo.

O sr. Pinto Noites, dando-nos a relação das nove famílias, ou pelo menos o nome dos seus chefes, compreendidos no decreto de banimento de 11 de abril de 1718, estabelece a ordem seguinte:

João da Costa Ramos, por alcunha João do Reino, com seu filho Fernando da Costa Ramos e sua mulher dona Eugênia; Luís Rabelo de Aragão; um Ricardo Fraga, que seguiu para Minas; Antônio Laço, com sua mulher Jacinta Laço; o conde de Cantanhede; Manuel Cabral e Antônio Curto, que foram para a Bahia, acompanhados, além de mulher e. filhos, de noras, genros e netos.

— Logo que desembarcaram, terminou o nosso conferente, “alojaram-se em barracas no Campo dos Ciganos, enorme e inculta praça que se estendia da rua do Cano até a Barreira do Senado”.

Empregavam-se eles, pelo que pudemos depreender da narrativa, no trabalho dos metais: eram caldeireiros, ferreiros, latoeiros e ourives; as mulheres rezavam de quebranto e liam a sina.

Qual o rumo posteriormente tomado pelos deportados, quantos internaram-se nas florestas ou permaneceram nos centros colonizados, é uma questão complexa e de resolução dificílima.

Tropas e tropas vagabundas infestavam o norte e o sul, vivendo da natureza e na natureza, comerciando nos pequenos povoados e pirateando nas estradas. A reprodução entre si deu-se em grande escala; o cruzamento com as três raças existentes efetuou-se, sendo o cigano a solda que uniu as três peças de fundição da mestiçagem atual do Brasil [3].

À ebulição dos elementos disparatados de nossa formação, mais portugueses e boêmios vieram juntar-se em 1808, em desproveito do negro, cujo manancial ia em breve estancar-se com a abolição do tráfico.

O estado do Brasil nessa época era todo especial; a família real portuguesa traslada-se para a colônia, alterando a fisionomia do passado.

Acontecimentos notáveis se sucedem; o país atravessa nova fase na sua organização política, administrativa e econômica.

Estudemos os fatos.

À chegada da corte real portuguesa, o Rio de Janeiro era a capital de uma colônia, que a sua metrópole considerava como uma feitoria. O comércio e toda a espécie de indústria lhe eram vedados; trabalhava na agricultura e nas minas, para mandar o produto do seu trabalho a seus dominadores da Europa.

O príncipe-regente veio quase inesperadamente, escoltado por uma esquadra inglesa de nove naus, comandada pelo vice-almirante Sidney Smith. A esquadra portuguesa compunha-se de muitas naus de linha, além dos navios mercantes que iam chegando, perfazendo ao todo 3.000 pessoas, as que acompanharam o rei, no dizer do conselheiro Drumond.

O Conde dos Arcos [4], personificação escolhida de todos os defeitos de sua casta, perseguia barbaramente o contrabando, que eram todos os produtos estrangeiros. Rodeou-se de malsins, que denunciavam quem tinha uma peça ou outra de fazenda inglesa ou francesa. Se o infeliz era negociante, mandavam que fosse por alguns dias posto de sentinela, carregado de armas, à porta da Alfândega, enquanto durasse o despacho. Isto não contando as somas com que o condenavam.

Era proibido por lei que no Brasil houvesse ourives [5]! Esta lei foi derrogada muito depois da mudança das cortes portuguesas, e já existiam na rua dos Ourives lojas de ambos os lados, mas que só negociavam com obras feitas no Porto ou Lisboa — que a metrópole consentia que as usassem os habitantes do Brasil!

Do interminável séquito da família real poucos prestavam para alguma coisa.

Eram fidalgos e vadios. Aos fidalgos mandou-se dar pensões do tesouro: aos casados de 4.000$ e aos solteiros de 2:400$ [6]. Os vadios foram empregados nas repartições que se criaram para esse fim.

Aos fidalgos, ainda depois do regresso da família real, o tesouro do Brasil pagou alguns meses as tais pensões. Posições civis e militares, a lucrativa servidão do paço, lugares de governadores e capitães-generais das províncias lhes foram dados. E tudo isto não bastava! Criou-se a ordem da Torre e Espada [7] — valor e lealdade — para galardoar o valor dos que fugiram com o rei e a lealdade de o acompanharem para o Brasil!!!

A desapropriação, a rapina e o menoscabo dos brios da colônia excediam mesmo dos limites da afronta… E os fidalgos e os vadios não eram mais fidalgos nem menos vadios do que os ciganos, que certamente fizeram parte da comitiva…

Luminárias, músicas, Te Deum em ação de graças e demonstrações calorosas e regozijos populares assinalavam a grande recepção do senhor na senzala do cativo. Os ares pareciam sonoros, as janelas transformavam-se em jardins; as ruas, à noite, ao clarão das luzes, alongavam-se como rios de fogo…

Isto durou por nove dias.

Desde então a capital do Rio de Janeiro era toda festas. Repetidas vezes pomposos bandos, por ordem do Senado da Câmara, corriam a cidade, anunciando que iluminariam até os subúrbios, que haveria fogo de artifício, cavalhadas e corrida touros.

Quando o Brasil foi elevado a reino [8], os folguedos tocaram ao delírio: arcos triunfais, torneios, cavalhadas, carros alegóricos oferecidos pelo comércio, pela classe dos ourives, marceneiros, caldeireiros, latoeiros; representações no teatro real com o Elogio das Estações e transparentes, e o quanto a riqueza e a imaginação em manifestar de mais caprichoso: tudo contribuiu para o grandioso do ato comemorativo.

O sr. Pinto Noites, que ainda conserva a lembrança das festas que tiveram lugar por ocasião dos desposórios do sr. dom Pedro I com a princesa dona Leopoldina, duquesa d’Áustria, descreveu-nos com clareza o que vira, chamando especialmente o nosso interesse para o “curro no Campo”, por isso que aos do seu núcleo couberam as glórias mais vivas [9].

Começaram os festejos a 12 de outubro de 1818 e terminaram a 15.

No primeiro dia, depois das salvas das fortalezas, da recepção do corpo diplomático no Paço da Boa Vista e das solenidades religiosas, o povo em multidão, apinhado nas praças, nas janelas, nos telhados, impacientava-se por avistar suas majestades e a família real. As portas das casas estavam armadas de seda, as colchas de damasco espelhavam ao sol, as ruas eram cintilantes de areia fina e esmaltada de flores. Coretos com bandas militares, arcos e bandeiras tremulando nos galhardetes, soldados dos regimentos e das milícias, gente aos borbotões, davam a essa festa o cunho da magnificência das dinastias asiáticas…

Os sinos repicam, as girândolas estrugem, os batedores, à disparada, de espadas desembainhadas, abrem alas…

Dom João VI e a sua corte, às aclamações das turbas, aos sons das fanfarras, entram triunfantes no campo de Santana, para assistir ao curro.

O Senado da Câmara aí fizera preparar um anfiteatro deslumbrante: o terreiro, aplainado para as cavalhadas, achava-se circulado de arquibancadas inúmeras, com panejamentos de cores múltiplas, enfeitadas de bandeiras, destacando-se ao fundo o pavilhão de el-rei, enorme, forrado de veludo e ouro, com cortinas de damasco finíssimo, estreladas e franjadas de ouro, sobressaindo na frisa as armas portuguesas, entre legendas fulgurantes.

Nos palanques faustosamente adornados, a fidalguia e a vadiagem dominavam absolutas. El-rei e os nobres, no seu dossel suntuoso, escutam as bandas de música que executam dobrados e hinos, esperando o torneio.

A foguetaria estoura, as beldades, faiscantes de pérolas e brilhantes, anseiam pelo instante da justa, que deveria ser admirável. Em frente do palanque real, o rico e humanitário cigano Joaquim Antônio Rabelo mandara arranjar, com a maior galhardia imaginável, um tablado de preciosa madeira, de onde se erguia, dos quatro cantos, uma construção de estilo egípcio, realçando sobre o damasco, a seda e o veludo, galões e rendas de ouro.

Joaquim Antônio Rabelo, a quem a história nacional talvez um dia considere como uma força nas agitações políticas da independência, assim o determinara, para o dançado dos ciganos a quem ensaiara com entusiasmo artístico e vestira à sua custa.

Às quatro da tarde rebentam bombas, as girândolas sibilam e um soar de guizos, chocalhando nas cabeçadas e peitorais de fogosos ginetes, anuncia as cavalhadas. Vinte cavaleiros, com seus pajens, envergam esquisitos costumes, simbolizando cristãos e mouros. [10] Os cavalos, ajaezados de prata, relincham escarvando a terra, sopeados na arena.

Os justadores empunham compridas lanças com fitas na ponta; simulam desafio, traçam largo aceno com espadas e lanças, indicando posições a tomarem, e separam-se. Galopando em volta do circo, confundem-se após, saúdam o rei, pronunciam discursos de embaixada, findo o que, o partido dos cristãos toma à direita e os dos mouros à esquerda. Depois das evoluções mais arriscadas, da corrida da argolinha e das cinco cabeças, da vencida de um deles, cristãos e mouros vão às varandas implorar às formosas damas o batismo de um olhar meigo, ou a confirmação de um sorriso de amor. Flores, triunfos, palmas repetidas…

Nisso, um outro grupo salta na liça: os ciganos.  Guiando soberbos cavalos brancos arreados com igualdade e riqueza, balançando penachos implantados em discos de forma lunar, luzidos criados transpõem as barreiras. Os bailadores trazem as bailadeiras à garupa: morenas, sedutoras como as profetisas gentias.

Os homens trajam jaqueta escarlate, calção de veludo azul, meias de seda cor de rosa, chapéu desabado de veludo com plumas, sapatos baixos de fivelas. As moças ajustam à cintura flexível costume de veludo, primorosamente bordado, calção, sapatos de cetim branco com ramagens de ouro; na cabeça, como um turbante de nuvens, um toucado azul, recamado de estrelas, como o diadema das noites do Oriente.

A embaixada cigana dirige-se ao palanque real; a música toca, e os corcéis, levemente fustigados, empinam-se no centro da planície, rodam, dançam a polca. A multidão, contente do desempenho, manifesta-se com ruído.

Findos os primeiros exercícios, os pajens tomam da brida dos animais e conduzem os cavaleiros ao recinto do baile.

Aí, depois das cortesias à família real, ”uma salva de castanholas marca o princípio do dançado… E, ao som das guitarras, o fandango espanhol peneira, arde e geme — mansinho como as ondulações de um lago, quente como os beijos das odaliscas, lascivo como as inspirações do poeta-rei. Os dançarinos são vitoriados: flores, fitas, aplausos, eles os conquistam pela magia plangente de seus instrumentos, pela graça ideal de suas danças.

Dom João VI, participando do agrado geral, fá-los vir à sua presença. Uma banda de música precede-os na maior ordem. Subindo ao pavilhão, dois camaristas trazem, estendidos num coxim de púrpura, os prêmios que lhes eram destinados: patentes militares aos homens e jóias às mulheres [11].

As ovações, os vivas a el-rei e as harmonias coroavam os artistas e a festa… Restabelecido o silêncio, voltaram jubilosos a seu palanque. Preludiaram na guitarra uns acordes casados a vozes de uma cantilena em sua linguagem. A tradição olvidou a toada e as letras… Para o sr. Pinto Noites, era o Canto egipcio.

Às 6 horas os clarins, à frente de enorme préstito, ecoavam na cidade. El-rei nosso senhor via as luminárias…

Uma mulher trigueira, no auge da aflição, olhando para uma cruz vermelha [12], pintada no alto de sua porta, fitou o rei na sua passagem, e, estendendo os braços. como que querendo repelir uma visão perseguidora, exclamou:

Jála-te, bengue! [13]

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Morais Filho Filho, Alexandre José de Melo. Os ciganos no Brasil e Cancioneiro dos ciganos. Belo Horizonte, Editora Itatiaia; São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1981 (Reconquista do Brasil, nova série, 59), p.25-33

Notas - As notas indicadas por (M) foram feitas pelo autor, todas as outras são de autoria de Luís da Câmara Cascudo

1. Ordenações, Liv. 5º  tít. 69, § 10. Leis de 7 de janeiro de 1606, de 13 de setembro de 1613, de 24 de outubro de 1647, de 5 de fevereiro de 1649, de 26 de janeiro e de 10 de novembro de 1708, de 20 de setembro de 1760. Decretos de 30 de julho de 1648, de 20 de setembro de 1649, de 27 de agosto de 1686, de 28 de fevereiro de 1718 e de 17 de julho de 1745. Provisão de 9 de julho de 1679. Cartas Régias de 3 de dezembro de 1614 e de 30 de junho de 1639 e Aviso de 15 de maio de 1756. Pelo Alvará de 20 de outubro de 1760 se procedeu contra ciganos, que deste reino foram degradados para o Estado do Brasil, e aí viviam despóticos, cometendo furtos de cavalos, escravos e carregando-se de armas de fogo pelas estradas. Vejam a esse respeito as Leis de 13 de março de 1526, de 26 de novembro de 1538, de 17 de agosto de 1557 e o Alvará de 14 de março de 1573. (M).

2. Cigano (M). “O nome calon é tirado dum dos nomes genéricos da nação dos ciganos, Isto é, de kalo, no plural kala, que verdadeiramente quer dizer negro, os negros”; José B. de Oliveira China, “Os ciganos do Brasil”, Revista do Museu Paulista, nº 21, p.552, São Paulo, 1937 (Obs.: O M entre parênteses (M) indica que a nota é do autor e não tendo assinatura é de Luís Câmara Cascudo). 

3. É evidentemente exagerada a opinião do autor. A percentagem cigana não constituiu elemento étnico capaz de merecer a frase. A dissolução do cigano sedentário se processou pelo duplo efeito da mestiçagem e da assimilação da vida burocrática ou comercial citadina. Nos dois maiores centros de densificação cigana, Bahia e Rio de Janeiro, seu desaparecimento como massa sensível foi completo. De mais raro e difícil dispersamento étnico está sendo ainda o cigano nômade, vivendo no grupo errante, por todos os estados do Brasil desde o século XVIII.

4. Dom Marcos de Noronha e Brito, oitavo conde dos Arcos, décimo-quinto e último vice-rei do Brasil, 1806-1808. A ação do conde dos Arcos na administração e política brasileira foi intensa, envolvendo-se nas lutas e manobras partidárias da época com entusiasmo. É uma figura de homem hábil, enérgico, sabendo conquistar e manter amizades. Sebastião Pagano estudou-o, O conde dos Arcos e a revolução de 1817, e em Portugal, Rocha Martins no O último vice-rei do Brasil fixou-lhe a fisionomia sugestiva, inquieta e viva.

5. As “obras de ouro e prata” tinham sido proibidas no Brasil pela carta régia de 30 de julho de 1766. Os primeiros favores apareceram na carta de lei de 10 de abril de 1808. A autorização plena só ocorreu pelo alvará com força de Lei de 11 de agosto de 1815, oficialmente ab-rogando a carta régia de 30 de julho de 1766.

6. “Só para pensões a fidalgos e outras pessoas que o acompanharam, dom João criou a despesa de 164:394,824$. Essas pensões variavam desde 4:000$ até 30$ por ano, “Tobias Monteiro, Elaboração da independência, p.107″.

7. A Ordem da Torre e Espada foi “restaurada e renovada” (criara-a o rei dom Afonso V, o africano, em 1459) por decreto de 13 de maio de 1808 e regulamentada pela carta de lei de 29 de novembro do mesmo 1808. Dom João, na carta de lei, explicava a necessidade de uma ordem puramente honorífica, destinada a premiar civis e militares, nacionais e estrangeiros, especialmente ingleses. As três ordens existentes eram militares e religiosas, excluindo dos quadros os não-católicos que a não podiam receber. A Torre e Espada não fazia essas exigências. Por toda carta de lei o regente menciona como um dos títulos credenciários à condecoração o gesto daqueles que preferiram a honra de acompanhar-me a todos os seus interesses, abandonando-os a feliz dita de me seguirem. A ordem vinculava bens territoriais brasileiros, sobrevivência jurídica pouco citada. O artigo IX declarava: “Sendo o fim principal da renovação desta ordem premiar as grandes ações, e serviços, que se me fizerem, Hei por bem estabelecer seis comendas para os seis Grãos Cruzes Efetivos, que hão de consistir em uma doação de duas léguas de raiz ou quatro quadradas de terra cada uma, e oito comendas de légua e meia de raiz, ou duas e um quarto quadradas para os comendadores”. O artigo X esclarecia ser o terreno dessas comendas inculto e desaproveitado e absolutamente por cultivar e sobre o qual não houvesse domínio ou posse. Com essas restrições, naturalmente não apareceu comendador que requeresse sua comenda territorial, contentando-se com a placa, medalha, colar e mais honras visíveis. A ordem (artigo XIV) sua festa oficial em cada dia 22 de janeiro, aniversário da chegada do príncipe regente ao Brasil.

8. A carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 elevou o vice-reinado do Brasil à dignidade, preeminência e denominação de Reino do Brasil. O artigo III dava ao príncipe dom. João o título de príncipe regente do Reino-Unido de Portugal e do Brasil e Algarve.

9. Não era a primeíra vez que os ciganos tomavam parte, oficialmente, num programa de festas protocolares. O barão de Eschwege. Brasilien die neue welte, v.2, p.55 narra a participação entusiasta de um grupo cigano na comemoração pública quando do casamento da princesa dona Maria Teresa, primogênita do príncipe regente, com seu primo, Infante de Espanha, dom Pedro Carlos, a 13 de maio de 1810. Eschwege informa: “Os ciganos foram.convidado para as festas dadas na capital brasileira por ocasião do casamento da filha mais velha de dom João VI com o infante espanhol. Os moços desta nação, trazendo à garupa suas noivas, entraram no circo montando belos cavalos ricamente ajaezados. Cada par pulou no chão, com incrível agilidade, e todos juntos, executaram os mais lindos bailados que eu jamais vira. Todos só tinham olhos para as jovens ciganas e os outros bailados que também executaram pareceram ter tido por único fim fazer sobressair os dos ciganos como os mais agradáveis”.

10. Esses cristãos e mouros realizam uma quadrilha eqüestre, simulacro de batalha, com os melhores efeitos de alta escola de equitação. O auto popular de cristãos e mouros é diverso, também denominado chegança, nome de uma dança portuguesa do século XVIII. Semelhantemente à exibição do Rio de Janeiro em 1818, Saint Hilaire assistiu em Ilhéus, na província da Bahia. Havia ainda, além do auto e da quadrilha eqüestre, um outro ato, ocorrendo a prisão e livramento de uma princesa moura que era batizada, tema do ciclo carlovíngio que José de Alencar descreveu como se realizando na Cidade do Salvador, Minas de prata, XIII. Ver Revista da música brasileira, Renato Almeida, “Chegança dos mouros”, p.216-225, e bibliografia citada.

11. A Joaquim Antônio Rabelo, sargento-mor do 3º regimento de milícias da corte, foi concedida a mercê de melhoramento de reforma no posto de tenente-coronel; e nomeados alferes agregados das Ordenanças da corte, José Cardoso Rebelo. Manuel Laço, Antônio Vaz Salgado Fernando José da Costa, José Luís da Mota, Baltasar Antônio Policarpo e João do Nascimento Natal. (M)

12. Era uma intimação de despejo, por ordem de el-rei, para que o morador cedesse a casa aos recém-chegados do reino. (M). Tobias Monteiro esclarece: “Pela chamada Aposentadoria Real o Soberano podia requisitar as casas de que precisasse para si e as pessoas a quem quisesse acomodar, desalojando desse modo os ocupantes. O papel pregado à porta dessas casas com as iniciais P. R, Príncipe Real, passou a ser traduzido jocosamente pelo povo; queria dizer: “ponha-se na rua”, Elaboração da independência, p.100-101. Alguns fidalgos do séquito real ficaram ocupando as residências alheias, sem pagar, durante mais de década, como o conde de Belmonte e a duquesa de Cadaval.

13. Vai-te, diabo!
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quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

O homem que pôs um ovo

Um marido tinha uma mulher muito gabola de saber guardar segredo. Vivia dizendo que as outras eram saco rasgado e ninguém podia confiar no juízo dela. Tanto se gabou e se gabou que o marido pensou em fazer uma experiência para ver se a mulher era mesmo segura de língua.

Uma noite, voltando tarde para casa, o homem trouxe um grande ovo de pata, que é muito maior do que os da galinha e deitou-se na cama. Lá para as tantas da madrugada, acordou a mulher, todo assustado e pedindo que ela guardasse todo segredo, contou que acabara de pôr um ovo! A mulher só faltou morrer de admiração mas o marido mostrou o ovo e ela acreditou, jurando que nem ao padre confessor havia de dizer o que soubera.

Ora muito bem. Pela manhã, assim que o marido saiu para o trabalho a mulher correu para a vizinha e, pedindo segredo de amiga, contou que o marido pusera um ovo na cama e estava todo aborrecido com essa desgraça. A vizinha prometeu que ninguém saberia mas passou o dia contando o caso, ao marido, aos vizinhos, aos conhecidos, sempre pedindo segredo.

E como quem conta um conto aumenta um ponto, toda vez que a história passava adiante o ovo ia mudando de número. Primeiro era um, depois dois, depois três. Ao anoitecer já o homem pusera meio cento de ovos. Voltando para casa, o marido encontrou-se com um amigo e este lhe disse que havia novidade naquela rua.

- Qual é a novidade?

- Não soube? Uma cousa esquisita! Imagine que um morador nesta rua pôs, penso eu, quase um cento de ovos, seu mano! Diz que está muito doente e que cada ovo tem duas gemas. É o fim do mundo.

O marido não quis saber quem estava de vigia. Entrou em casa, chamou a mulher, agarrou uma bengala e passou-lhe a lenha com vontade, dando uma surra de preceito, que a deixou de cama, toda doída e com panos de água e sal.

Depois o homem saiu contando como o caso começara e a mulher ficou desmoralizada. Por isso é que os antigos diziam que:

Quem tiver o seu segredo
Não conte a mulher casada
Ela conta ao seu marido
O marido aos camaradas...
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(CASCUDO, Luís da Câmara. Contos tradicionais do Brasil)
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quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

A lenda do primeiro gaúcho

Século XVIII. Uma partida de brasileiros atravessa as verdejantes campinas do Rio Grande do Sul. Impulsionados pela necessidade de braços para as lavouras, buscam o índio. Hão de avassalar as tribos ocupantes daquela região. Com esta disposição, viajam bem municiados e armados.

Os índios minuanos, avisados pelas sentinelas da aproximação dos brancos, montam em seus fogosos cavalos e, armados de flecha e boleadeiras e lanças, deixam seu acampamento e rumam para as coxilhas.

Ao avistar os brasileiros se aproximando, os índios usam de sua tática de ocultar-se ao longo do dorso dos cavalos. Destarte, dificilmente seriam descobertos pelos inimigos.

Imóveis, esperam eles o momento azado para atirar-se sobre os viajantes.

Os brasileiros não são conhecedores dos hábitos e da tática empregada pelos índios habitantes das campinas do Sul. E avistando à distância o bando de cavalos pastando, tomam essa direção, muito senhores de si.

Assim, ao se aproximarem os brasileiros, os índios despencam-se nos seus animais do cimo das coxilhas, em galopada, investindo contra os brancos com furiosa saraivadas de flechas. Respondem estes com tiros de armas de fogo. Nova investida dos índios, agora se servindo-se das lanças, obriga os invasores a fugir em desordem.

Caído por terra acha-se um moço ferido. Ao seu lado uma jovem índia minuano. Fascinara-a a coragem do estrangeiro.

O brasileiro sabe da sorte que o espera. E, interrogando a moça quando será sacrificado, responde-lhe esta que nada tema, pois estará a seu lado. Anima-o com palavras confortadoras, cheia de simpatia e compaixão pela sorte do estrangeiro.

O prisioneiro é levado para o acampamento dos minuano. Enquanto esperam que se cure da ferida para sacrificá-lo, dão-lhe toda liberdade sob vigilância das sentinelas.

O jovem branco resolve fazer uma viola. Uma tarde, à sombra de uma árvore, com a pouca ferramenta de que dispõe, a muito custo vai improvisando um rústico instrumento. Inicialmente aparelha, em forma de espessa tábua, uma pau de corticeira. Cava-a dando-lhe a forma de viola. Coloca uma tampa com abertura circular para dar vibração ao som das cordas. Para colar a tampa emprega o grude de parasita sombaré, das árvores da serra. E da própria fibra da parasita ele prepara as cordas para o instrumento.

A índia já lhe tem muita amizade e está sempre ao seu lado nas horas de folga. Enquanto o vê trabalhar, canta-lhe suavemente um canto doce e pitoresco da gente minuana.

Ainda não passara um lua, e já, na grande ocara do acampamento, celebra-se o ritual do sacrifício.

Amarrado a um tronco está o prisioneiro.

Todos os índios da nação, reunidos em volta dele, dançam e cantam a sua morte. De quando em vez, passam, de mão em mão, cuias contendo delicioso vinho fabricado com o mel eiratim.

Há um silêncio de morte em todo o acampamento. O chefe minuano ordena que soltem o prisioneiro e tragam-no à sua presença.

Fitando o moço bem nos olhos, assim fala o cacique:

-Que aos teus irmãos sirva de lição esta última derrota. Que não nos tornem a vir incomodar. Os que vierem nestes campos buscar escravos, hão de ser esmagados pelas patas de nossos cavalos. E tu, pagarás com a morte a tua audácia e a dos teus!

Contudo, o chefe minuano diz ao condenado que faça o seu último pedido.

Surpreende-se o branco com tal gesto. E, dotado de uma inteligência não vulgar, num relance percebe como poderá livrar-se da morte. Sabendo da emotividade e a influência que exerce a música sobre aquelas criaturas, pede que lhe tragam o seu instrumento de cordas. Quer tocar pela última vez. Cantar uma balada de sua terra.

É a jovem índia quem lhe traz a sua viola, debaixo dos olhares curiosos dos índios.

Cheio de fé, o moço pega da viola. Depois de alguns sonoros acordes, entoa uma canção. E o ricto bárbaro daquelas fisionomias rudes transforma-se como por encanto.

Ouve-no com enlevo, exclamando a todo instante: – Gaú-che! Gaú-che!… o que significa: gente que canta triste.

Sensibilizados pela doce cantiga do condenado à morte, os índios intercedem para que o sacrifício seja revogado.

E, assim, o brasileiro fica morando com os minuanos.

Enamorado da jovem índia, casa-se com ela. E dessa bela união, do elemento branco com a indígena, resultou o tipo desse homem extraordinário que se chama gaúcho.
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Fonte: Lessa, Barbosa - Antologia ilustrada do folclore brasileiro: Estórias e lendas do Rio Grande do Sul. São Paulo, Editora Literart, 1960
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sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

História de Cosme e Damião

São Cosme e São Damião são dois santos orientais, provavelmente martirizados em Egéia, Cilícia, Ásia Menor, região da atual Turquia, a 27 de setembro de 287, durante a perseguição do imperador Diocleciano (284-305). Historicamente, pouco se sabe sobre a vida destes dois irmãos médicos e, segundo a tradição, gêmeos. Seus restos mortais foram levados para Roma, durante o pontificado de João Félix, e depositados na igreja que tem seus nomes.

Seu culto divulgou-se intensamente pela Europa, principalmente na Itália, Flandres, França, Espanha e Portugal, onde várias igrejas foram construídas sob seu patronato.

Considerados protetores dos cirugiões, eram padroeiros de diversas confrarias, como por exemplo, a Confrérie et College de Saint Côme, fundada em Paris, em 1226, a mais famosa associação médica da Europa e que existiu até a Revolução Francesa. Nas primeiras décadas do século XIX, pagava-se na Universidade de Coimbra a quantia de 480 réis pelo registro do diploma de medicina e 100 réis pelo exame de boticário, valores devidos à Irmandade dos Santos Cosme e Damião.

Estão ligados aos cultos dos deuses da reprodução, fecundação, germinação e moléstias sexuais. No Brasil, estão mais dedicados à defender da fome, das doenças do sexo e dos partos de gêmeos. No sincretismo religioso, os jeje-nagôs os identificaram como os orixás gêmeos sudaneses Ibeiji, que são a divinização do parto duplo. No seu dia oblacional, recebem festas também no candomblé, com ofertas de alimentos e reunião de amigos para danças, comidas e bebidas. Em grego são chamados de anargiros, o que significa sem dinheiro, por nunca receberem dinheiro em troca de seus serviços. Curavam não somente pessoas, mas também animais.

Conta a tradição popular que um dia, São Damião aceitou uma pequena oferta de uma mulher chamada Paládia, a quem havia curado de uma doença. São Cosme recriminou-lhe o gesto, dizendo que não queria ser enterrado junto a ele. Quando os cristãos recolheram seus restos mortais para sepultá-los, um camelo começou a bradar com voz humana, dizendo que enterrassem os dois irmãos juntos, uma vez que Damião recebera a oferta apenas para não humilhar a pobre mulher.

Prece do serviço aos necessitados

"Deus, nosso Pai, São Cosme e São Damião passaram no mundo fazendo o bem, curando as doenças e aliviando o sofrimento de sua gente, dando confiança e esperança aos corações atribulados. Fizeram de seu ofício de médico um serviço ao próximo. Fazei, Senhor, que também nós, inspirados no exemplo de vida de São Cosme e São Damião, sirvamos os nossos semelhantes de modo desinteressado, buscando sempre o seu bem e a sua felicidade. Fazei que lutemos corajosamente pela humanização de uma medicina que coloque o homem - mente e coração, corpo e espírito - no centro de suas preocupações. Que os médicos coloquem em primeiro lugar a vida, o bem de seus pacientes, e não o lucro, a exploração do comércio da morte, visando apenas o dinheiro. Que, a exemplo de Cristo, que veio para servir e não para ser servido, colaborem para que se efetue o direito do povo de ter saúde e viver plenamente."

Nota: orem com bastante fé, porque atualmente está difícil nossos médicos e os planos de saúde (aqueles que os têm) terem algum resquício de respeito ou compaixão aos necessitados...

Fonte: Jangada Brasil.
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terça-feira, 2 de outubro de 2012

Marejada 2012

Marejada 2012:  Amanda Gastaldi, 1ª princesa, Bruna Piske, rainha, e Tayse de Brito, 2ª princesa.


A Marejada, uma das mais tradicionais festas típicas do país, acontece entre os dias 11 e 21 de outubro em Itajaí, polo pesqueiro e portuário do sul do Brasil. Neste ano, o evento chega a sua 26ª edição e será realizado com uma nova proposta. A programação será ampla, integrando exposições, desfile, sete shows nacionais e 190 atrações artísticas, passeio de escuna e artesanato. A festa irá contar, também, com estacionamento para cerca de 300 veículos para comodidade dos visitantes.

Para visitar o Parque da Marejada o visitante irá pagar R$ 5,00 (cinco reais) nos dias em que não tiver show nacional. No entanto, em dias de atrações nacionais, o público será isento da cobrança de ingresso para a Festa. A entrada para os shows nacionais será cobrada separadamente e acontecerá no Centreventos Itajaí. A venda de ingressos para os Shows Nacionais está sendo realizada pelo endereço virtual: www.blueticket.com.br. Em breve serão divulgados novos pontos de vendas.

As apresentações artísticas contam com ritmos variados que abrangem cerca de 190 apresentações artísticas que passarão pelos quatro palcos da Marejada (Palco Gastronomia, Palco Centreventos (Shows Nacionais), Palco Píer e Palco Folclórico (Auditório), durante os 11 dias de festa, valorizando, principalmente, os músicos locais. Também estão previstos dias com programações temáticas como o “Festival do Pagode”, “Noite Sertaneja”, “Noite do Reggae” e “Dia do Rock”. Já o público infantil terá tardes animadas por diversas atividades, na conhecida “Marejadinha”, além de um dia especial (16) dedicado a melhor idade com baile e outras apresentações.

A edição 2012 contará com sete shows de renome nacional em seis noites de festa. A programação nacional foi definida após processo licitatório, na modalidade de pregão presencial, para agenciamento de shows nacionais que serão administrados por empresa terceirizada. Na abertura, dia 11 de outubro, o cantor Luan Santana retorna a cidade e promete agitar a primeira noite de festa. Dia 13 de outubro o pagode e o sertanejo se encontram com os shows da Turma do Pagode e da consagrada dupla Victor e Léo.

Já no domingo, dia 14, o cantor Israel Novaes é quem sobe ao palco. Conhecido como o “Cara do Arrocha”, o músico é referência no estilo musical, novidade nas baladas do país. Na quinta-feira, dia 18, a dupla Jorge & Mateus, responsáveis por algumas das levadas mais animadas do sertanejo universitário, como “Pode Chorar”, “De Tanto Te Querer”, “Voa Beija Flor”, “Querendo Te Amar”, “Amo Noite e Dia”, embalam a noite da Marejada.

Na sexta-feira, dia 19, em seu décimo ano de carreira solo, o cantor Belo promete agitar o público com grandes sucesso e as novas músicas do seu 10º álbum "Pra Ser Amor". Para encerrar os grandes shows nacionais, no sábado, dia 20, a dupla Fernando & Sorocaba irá apresentar seus grandes sucessos "Madri", "Paga pau", "Bala de prata", "A casa caiu", "Tô passando mal", "Você não sabe o que é amor", entre outras.

Programação dos shows nacionais

Dia 11 (quinta-feira) - 23h30min - Luan Santana
Dia 13 (sábado) - 23h30min - Turma do Pagode / Victor e Leo
Dia 14 (domingo) - 23h30min - Israel Novaes
Dia 18 (quinta-feira) - 23h30min - Jorge e Mateus
Dia 19 (sexta-feira) - 23h30min - Belo
Dia 20 (sábado) - 23h30min - Fernando & Sorocaba


Fontes: Site Oficial; Click Camboriú.
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Programação da Oktoberfest 2012

Abertura oficial da festa

Será no dia 10 de outubro, às 22h, logo após o desfile na rua XV de Novembro, às 19h30min. Entrada gratuita.

Grupos Folclóricos

Apresentações diárias nos setores durante o intervalo das trocas de bandas.

Desfiles Oficiais na rua XV de Novembro

Dia 10, quarta-feira, desfile de abertura – às 19h30min
Dia 13 - sábado, às 10h
Dia 17 - quarta-feira, às 19h30
Dia 20 - sábado, às 16h
Dia 24 - quarta-feira, às 19h30
Dia 27 - sábado, às 16h

Desfiles internos

Pequenos desfiles típicos na área interna do Parque Vila Germânica nas terças-feiras, dias 16 e 23, às 19h30.

Cervejas

Cervejarias artesanais
Cervejas importadas
Chopp oficial Brahma
Mais de 25 variedades de chopp ou cerveja

Bierwagen

Desfile diário com distribuição gratuita de chopp no centro da cidade, no período vespertino.

Retretas e danças típicas

Diariamente haverá animação com bandas típicas e apresentações de danças folclóricas em diferentes pontos da cidade.

Rei do Tiro

O público poderá participar das competições do Rei do Tiro, uma modalidade esportiva organizada pelos Schützenvereine (Sociedades de Atiradores) da cidade.

Concurso nacional de Chopp em metro


Ocorre diariamente no setor 3, exceto nos dias 15, 16, 21, 22, 23 e 28/10. Participação gratuita.

Rainha da Oktoberfest 2013

O concurso para eleger a Realeza da 30ª Oktoberfest ocorre no último domingo da festa, dia 28, às 20h. Entrada gratuita.

Noite do Stammtisch

Encontro dos Grupos de Amigos (Stammtisch) na Oktoberfest, no dia 18, a partir das 19h30.

Noite dos Gincaneiros

Encontro das equipes de Gincaneiros, da Gincana Cidade de Blumenau, no dia 25, a partir das 19h30.

Festa da Melhor Idade

Dia 25, das 11h às 17h. Entrada gratuita.

Fonte: Site Oficial.
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quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O batizado

Entre as várias anedotas de caráter regionalista, que correm pelo sertão, ouvi, quando menino, centenas de vezes a seguinte:

Um vaqueiro foi à cidade de Quixeramobim, batizar uma filha de meses. Quando o padre lhe perguntou, junto à pia, qual o nome da menina, respondeu sem pestanejar, diante do espanto da assistência:

- Onça!

O sacerdote sacudiu a cabeça, pôs-lhe carinhosamente a mão no ombro, e disse-lhe que aquele nome era de um bicho feroz e não quadrava bem numa criança, que, quando ficasse moça, seria alvo de risotas e chalaças, por causa do seu apelido.

- Mas eu quero! insistiu o vaqueiro.

O religioso fez outras considerações, a fim de demovê-lo, e terminou perguntando:

- Já viu alguém com nome de fera?

O matuto retorquiu, embatucando-o:

- E o Santo Padre não se chama Leão? Por que minha filha não se pode chamar Onça?

Esta historieta, que parece autóctone, é simplesmente a variante de um raconto peninsular europeu. Pode-se encontrá-la em outras regiões da América e em outra língua. Eu a li no curioso livro do grande escritor peruano Ricardo Palma - Mis últimas tradiciones:

"Trataba-se de cristianar a un niño, y antes de llevarlo al bautisterio, el cura apuntaba, en la sacristia, los datos que consignaria más tarde en el libro parroquial.

- Que nombre le ponemos al chico?

- Por mi - contestó el padrno, - póngale usted Tigre.

- No puede ser - arguijó el párroco.

- Pues entonces, póngale usted Búfalo ó Rinoceronte.

- Tampoco puede ser! Esos son nombres de animales y no de cristianos.

- No moje, padre! Como el Papa se llama León?"

Esse pequeno conto, europeu de nascença, deu, entretanto, origem a um que é a expressão mais perfeita do espírito sertanejo do Nordeste. Vejamo-lo:

Ao perguntar-lhe o padre que nome queria pôr ao filho, já nos braços da madrinha, ao pé da pia, um vaqueiro lhe respondeu:

- Não sei bem, não, senhor; mas desejava um nome grande e bonito, um nome de encher a boca.

- Alexandre? lembrou o vigário.

- Não, senhor.

- Napoleão?

- Não serve, não, senhor.

- Heliodoro?

- Também não serve, seu padre.

- Então que nome há de ser?

O vaqueiro hesitou instantes e, depois, torturando nas mãos a aba do chapéu:

- Seu vigário, eu quero um nome que encha a boca da gente, um nome, assim como este, que ouvi outro dia: Amancebado!
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Fonte: BARROSO, Gustavo. O sertão e o mundo.
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Aventuras de um jabuti

Dom jabuti seguia uma vez, distraído, preocupado com os seus negócios, filosofando nas coisas desta vida, por um caminho no meio do mato, quando esbarrou com uma velha e enorme anta, enforcada num laço, que caçadores haviam amarrado. Mais que depressa principiou a roer a corda que prendia o pescoço do bicho, e depois de esconder a corda num buraco, começou a gritar:

— Acode, gente!... acode depressa!...

Dona onça, que passeava na ocasião, foi ver por que motivo tanto gritava o jabuti.

— Que é isso? interrogou.

— Estou chamando gente para vir comer a anta que acabei de caçar agora mesmo.

— Queres que eu parta a anta? Propôs a comadre onça

— Quero sim. Dividirás a metade para mim e a outra para ti, disse ele.

— Então, vai apanhar lenha, para assarmos a carne da anta.

Quando o jabuti voltou, apenas encontrou o couro da anta, e disse:

— Deixa estar, onça velhaca, hás de me pagar algum dia esse desaforo que me fizeste.

Saído dali, andou por muitos dias seguidos. Ia pelo caminho pensando como se vingar da onça, quando se encontrou com um bando de macacos, em cima de uma bananeira, comendo bananas.

— Olá, compadre macaco, atira uma banana para mim, disse o jabuti.

— Por que não sobes? Não és tão prosa, jabuti?

— Vim de muito longe, estou cansado.

— Pois o que posso fazer é ir buscar-te daí de baixo cá para cima, disse um dos micos.

— Pois então, vem.

O macaco desceu, pôs em cima o jabuti, que ali ficou dois dias, por não poder descer.

No terceiro, apareceu uma onça, a mesma que se tinha encontrado com ele perto da anta.

— Olá, jabuti, como subiste nesta babaneira?

— Muito bem, onça.

A onça, que estava com fome, disse:

— Ó, jabuti, desce cá para baixo.

— Só se me aparares na boca, onça. Não quero me machucar, pulando daqui no chão.

A onça abriu a boca e o jabuti deu um pulo, mesmo na goela do bicho, que morreu imediatamente.

Então o jabuti saiu gritando:

— Matei uma onça, meus parentes, vão ver debaixo das bananeiras!...

Uma outra onça que passava, ouviu-o e perguntou:

— Jabuti, que estás dizendo?

— Não é nada, onça, é cá uma cantiga que sei.

E foi procurando um buraco para se esconder.

Assim que encontrou uma furna, parou e disse:

— Onça, sabes o que estava cantando? É isto: matei uma onça. Vá ver em baixo das bananeiras.

A onça correu para pegá-lo, mas o jabuti meteu-se pelo buraco, onde a onça também introduziu a pata, segurando-o por uma das pernas.

— Onça, pensas que apanhaste a minha perna, mas enganaste, apenas seguraste uma raiz.

A onça largou a perna do jabuti que tinha nas garras, e retirou o braço do buraco.

— Ó sua tola, foi a minha perna que seguraste mesmo. Agora vai ver a tua parenta embaixo das bananeiras.

A onça ainda cavou um bocado, para ver se apanhava o jabuti, mas este já estava longe, porque a furna onde entrara era muito funda.

Desde esse dia, a onça anda à procura do jabuti para se vingar, mas até hoje ainda não o encontrou.
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- Pimentel, Figueiredo. Histórias da avozinha. Rio de Janeiro; Belo Horizonte, Livraria Garnier, 1994, p.179-181 (Biblioteca de autores célebres da literatura infantil, 3).
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segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Água virtuosa...

Nhô Thomé está bem disposto. Hoje deu para bulir com os pretos, agradando os piazinhos que rodeiam o fogo em suas tripeças.

- Dito! – perguntou ele a um dos crioulinhos de seus doze anos – ocê sabe porque é que os home e as muié não tem a mesma cor?

- Nha- não.

- Puis eu vô contá; botem bem o sentido...

No escuro, deitado na rede, descanço, a ver as sombras bailando nas paredes, ao labaredear do fogo aos estalos, escutando a "história".

- Puis é. Nosso Sinhô, despois de criá tudas as coisa, garrô num pelote de barro e garrô damninhá, por não ter o que fazê. Damninhô, damninhô, e feis um home chamado Adão; deu um assopro e ele virô gente.

Despois Adão garrô a ficar esquisito: hora tava triste, ora tava assanhado, cantadô divirtido e contente. Deus pensô: "Tudas as coisa tem muié... Chamô Adão:

- Venha aqui!

Grudô e rancô u’a costela dele e feis Eva p’ra casá co’ele. Ante de Adão e Eva já tinha gente, mais não erum fios de Deus, porque eles não forum assoprado co Esprito Santo e quem soprô eles foi o Cuzarruim – e é purisso que hai gente rúim na terra; são os tar que não recebero o Esprito-Bão. – Mais isso ocês num intende.

Adão casô cum Eva e nascero os fio e crescero e acharo muié e casaro e o mundo umentô in quistan de pocos anno. Moravum tudo no mesmo sítio, um lugá como num hai de havê otro iguá; só no céo. O sítio chamava Paraízo. Naquele tempo tudos os home e muié erum preto...

Neste ponto Nhô Thomé descreveu a vida de então. Adão, depois do casamento, perdeu a alegria: tornou-se ajuizado, pois entendia que ser alegre e brincalhão como em solteiro não era próprio de homem casado... É um descrédito ser divertido e alegre.

A vida era fácil: frutas por toda a parte sazonavam o ano inteiro, ora esta, ora aquela, sem ser preciso plantar e tudo era "reiuno", não pertencendo a ninguém e a todos pertencendo.

- Ocês num vê que ninguém prantô fruitêra no mato? E ótras fruita? Ponhema, guabiroba, pitanga, jaracatiá, arixicú, vapacary, amora, cambucy, joá, jovéva, cabeça-de-negro, castanha-de-ioçá, figo-manso, caju, banana, coquinho...

- Mandioca tamém é fruita ? – interroga um dos pequenos.

- É... – responde bonachão e sossegado o velho.

- I batata-doce? – perguntou outro.

- Tamêm...

- I batata-roxa?

- Tamem... tamêm... Mais iscuitem!...

Despois o Cuzarruim botô veneno nu’a proção de culidade de fruita, p’ra judiá de nóis; mas Deus, que é muito bão, deferençô u’a das ôtra e criô os passarinho p’ra insiná nóis a quar que não fais mar. O Cuzarruim intãoce inxeu a cabeça de uns home e de u’as muiá, insinô p’re’eles os venenoso e eles viraro fiticêro, esses praga que custumum a botá as coisa-feita nos ôtro.

Eu, na rede, espero ansioso a explicação sobre as diversidades de cores nos homens, mas Nhô Thomé, como todos os contadores de histórias para crianças, parece "não ter fim".

- Mais, cumo ia dizeno, Nosso Sinhô garrô a repará: puis sa as fror, as arve, os alimar, os passarinho, a terra, o céo, tudo tinha cor deferente um dos ôtro, mórde o quê que os home e as muié só havéra de sê preto, tudo preto, sem graça, iguá, pareio, que inté injuava a vista?

Intãoce Deus mandô pubricá p’ro mundo intero, que era o Sítio, que quem fosse se lavá nu’a lagoa, ficava branco. Aquilo foi um corre-corre que Deus nos acuda!

Animou-se o pé-do-fogo! Curiosos os pretos arregalam os olhos e os mulatinhos ficam de "olhos compridos" no velho.

- Os mais ligêro, mais vivo, mais ladino, avuaro p’ra lá. Um bando de homes e muié, na correria, da desparada, p’ra chegá premêro, machucava e matava os que ascançava:

- Os premêro chegado ficaro arvo – são os alamão.

- Os seguinte acharo aua meio sujo – são os branco.

- Os ôtro acharo aua turva – são os moreno.

- Ôtros acharo aua escura, a lagoa tava secano – são os triguêro.

- Ôtros acharo um fiapico d’aua vermeia misturada cum táuá – são os cabocro.

- E os turco? – interrompeu o Dito.

- Isso mêmo... Isso... Eles garraro a brigá e gritá tudo no mermo tempo e é purisso que eles faum tudo trapaiado.

Não me seguro... Solto uma gargalhada gostosa!

- Uéi! Pensei que mecê tava drumino... Tô contano aqui u’as patacuada p’ros crioulinho...

- Continue, Nhô Thomé: estou gostando.

- Intãoce os turco sujaro demais o restico d’aua e levantô um tijuco mais escuro e a aua garrô minguá tanto, que os ôtro que chegaro naquele mingau, sahiro mulato, cumo ocês tão sahino.

- E os ôtro?

- Os ôtro, os priguiçoso, os bobo, os durminhoco que vivia cuchilano no pé-do-fogo e no sór e arguns que num tivero jeito de chegá mórde os da frente, esses quano chegaro acharo sú um tiquinho de umidade, que mar deu p’ra moiarem as sola dos pé e as parma da mão... Arreparem nas mão de Tia Pulicena e de suas mãe...

E os pequenos, de boca aberta, assustados, exclamam uns em seguida aos outros, olhando para as mãos de Tia Polycena que, bondosa e sorridente, as mostra.

- É meeeeemo!!!

- Os que ficaro preto num desanimaro e é purisso que preto num póde vê biquinha d’aua nem tornera, nem reberão, que não vá ligêro lavá as mão, a cara, o pescoço e os pé, que dão sempre na vista.

Depois, Nhô Thomé, chegando o "isqueiro" ao cigarro, tosse e termina, malicioso:

- Ocêis sabe mórde o que que ocês tão sahino tudo mulatinho? É que Chica, Zabé e Chistina custumum lavá rôpa lá no reberão craco do Manéco Portuguêis...

P’ra mim aquela aua é virtuosa...

- Aá... Maria credo! Sinhô tem cada lembrança! – bradou Tia Polycena, rindo, enquanto a Chica, a Zabé e a Christina correm para a cozinha. E, daqui da rede, depois de esplêndidas gargalhadas, ouço-as comentando:

- Sinhô tem cada uma! O moço tá lá na rede que num pode mais de tanto sirri...
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Fonte: Jangada Brasil - (Pires, Cornélio. Conversas ao pé do fogo).
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sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

O advogado do sacristão

Um sacristão estava distribuindo círios para quem quisesse acompanhar a procissão do Senhor Morto, em certa sexta-feira da Paixão, e sobrou um. Procurou com os olhos, estavam todos servidos. Entrou na igreja, colocou o círio atrás da porta e falou:

- Este aqui fica para o diabo.

Passado algum tempo, durante um naufrágio, o sacristão foi aprisionado pelos piratas e levado para a ilha dos Mouros. Andava desesperado, quando uma voz falou perto dele:

- Quando sentir bater no seu rosto uma ramada, agarre-se nela.

Ele assim fez. Sentindo o contato dos galhos, agarrou-se aos ramos invisíveis. No mesmo instante deu um vento forte, e quando ele viu estava descendo diante da sua porta.

Porém, não ficou sabendo quem foi o seu benfeitor. Como gostava de viajar, saiu novamente correndo mundo, e, desta vez a pé, por uma região desolada e pobre. Acabou-se o dinheiro, nâo encontrava trabalho e parou diante de uma granja. Vendo tantas galinhas, pediu que a mulher lhe fritasse meia dúzia de ovos, pelo amor de Deus. Não tinha dinheiro para pagar; mas iria correr mundo; quando voltasse, assim o ajudasse Deus, pagaria a dívida.

- E desta vez acho que ficarei curado da mania de viajar. Vou ficar quieto na sacristia da igreja da minha terra, que é um lugar santo.

A mulher fritou os seis ovos, ele os comeu, deliciadamente, e partiu.

Muitas aventuras o esperavam, andou ainda bastante, porém sorriu-lhe a sorte, progrediu, fez bons negócios, enriqueceu. Quis fazer duas coisas imediatamente: pagar aqueles seis ovos comidos há tanto tempo, dez anos ou mais, e voltar para a quietude da sua igreja.

Uma tarde, estava a granjeira diante da porta, viu apear de um cavalo baio, com arreios de couro macio e prata, um homem bem-vestido. Não o reconheceu senão quando ele contou que era o devedor dos seis ovos.

- Vim pagar-lhe, boa mulher, que me atendeu na hora da fome e da necessidade. Quero pagar tudo e deixar-lhe ainda uma boa quantia de presente.

A ganância mordeu o coração da mulher, vendo-o tão generoso, parecendo endinheirado.

- Vou fazer as contas - respondeu de cara fechada.

- Contas? Que contas? - estranhou o homem. - Pois então lá é preciso estar fazendo contas para saber o preço de seis ovos? Que lhe deu, boa mulher?

E ela lhe apresentou uma conta fantástica, uma lista imensa com o preço de milhares de galinhas.

- Que é isso? - perguntou o homem.

- Se eu tivesse posto aqueles seis ovos para chocar, teriam saído cinco franguinhas e um frango. As frangas botariam e tornariam a chocar. Em dez anos, eu teria tudo isto que está aqui nesta lista.

Como o homem se recusasse a pagar aquele absurdo, foram todos ao juiz mais próximo, e o julgamento do caso ficou marcado para daí a uns dias.

Muito desgostoso, foi o antigo sacristão andar um pouco, para espairecer. Andava e pensava, de cara amarrada, cenho franzido, temendo já tornar a ficar pobre, por causa da ambição da granjeira. Numa de suas voltas, encontrou-se com um homem, todo vestido de preto, de colarinho duro, sapatos de verniz, muito bem penteado.

- Que mal o aflige, amigo, que o vejo tão transtornado?

Contou-lhe tudo o homem, e o outro, sorrindo, falou:

- Ora, não é caso para tristezas. Acontece que sou advogado. O senhor ainda nem pensou em contratar os serviços de um profissional?

- Ainda não.

- Pois então, eu me considero contratado. Vá tranqüilo. No dia do julgamento, estarei lá para defendê-lo.

Parecia tão seguro de si que o homem se animou.

Chegou o dia do julgamento. Começou a sessão. Alguns casos foram julgados. E foi a vez do sacristão. E nada de aparecer o advogado. O juiz esperou. Nada. Começou a ficar impaciente, fulminando com o olhar o pobre homem, que ainda estava mais agoniado. E o advogado não aparecia. Ele estava vendo que, por falta de defesa, ia ser obrigado a entregar todo o seu dinheiro, ia ser preso, iam matá-lo. Suava frio e maldizia a hora em que aceitara o serviço de qualquer desconhecido. Nisso, o advogado entrou. O homem se animou, mas olhando para ele, viu-lhe a barbicha em ponta, os pés de pato e tremeu.

"Com quem me meti, neste embaraço! E agora mais esta. Acabo perdendo taimbém a alma"

Porém o temível advogado tranqüilizou-o:

- Se lembra do círio que deixou para mim, atrás da porta da igreja? Em agradecimento, já o livrei da prisão na ilha dos Mouros e aqui estou novamente para tornar a salvá-lo. Tranqüilize-se que não quero a sua alma.

E dirigindo-se ao juiz, que não sabia da sua condição satânica, falou, cortesmente:

- Queira desculpar o meu atraso, estava cozinhando um pouco de feijão, para plantar.

- Estava fazendo o quê!?

- Estava cozinhando feijão para plantar - repetiu o advogado, insensível às risadas que estalavam de todos os lados, ao ouvir o povo declaração tão esquisita.

O juiz recostou-se na sua alta cadeira e riu também.

- Amigo - disse ele -, trabalho completamente perdido, pois feijão cozido não nasce.

- Então, por que estamos aqui debatendo se de ovos fritos nascem pintos?

E foi assim que o sacristão pôde voltar em paz à sua igreja.
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Fonte: Jangada Brasil - (Guimarães, Ruth. Lendas e fábulas do Brasil, p.55)
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terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O segredo da abelha

A abelha, a aranha e a cigarra eram irmãs.

As duas mais velhas viviam ativas, sempre a trabalhar; uma colhendo o pó das flores para fazer o mel, a outra a tecer noite e dia, uma fiandeira. A mais moça, a cigarra, anunciava o verão, cantando e alegrando a todos, com suas toadas e seus psius ritmados.

Uma tarde, chegou um mensageiro avisando as três irmãs que sua mãe, muito doente, as mandava chamar, para abençoá-las antes de morrer. E a aranha falou assim:

— Diga à minha mãe que estou fazendo uns pontos difíceis; assim que terminar, lá chegarei.

E a cigarra falou assim:

— Diga à minha mãe que estou dando o terceiro psiu; assim que terminar, lá chegarei.

E a abelha, no meio da grande faina, no trabalho da colméia falou assim:

— Filhos meus, parai e deixai tudo aí, até que eu volte; pois vou já ver minha mãe.

E lá no seu leito, a moribunda sentenciou:

— Aranha, filha ingrata, nunca poderás terminar teu trabalho. Será ele sempre desfeito por alguém, principalmente pelas empregadas arrumadeiras.

E é o que sempre acontece.

— Cigarra, filha ingrata, cantarás, cantarás, até rebentar pelas costas.

E é o que sempre acontece.

— Abelha, filha boa, que tudo deixou por mim, os homens nunca saberão o segredo do fabrico do mel...

E ainda hoje, mesmo colocada em caixa de vidro, a abelha tapa tudo com cera e não deixa ver fazer o mel...
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Fonte: Jangada Brasil - (Caldas, Terezinha. "O segredo da abelha". Folha da Manhã. Recife, 12 de novembro de 1952).
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Trevo de quatro folhas

Diz a lenda, que a raridade de um trevo de quatro folhas o transformou em um poderoso amuleto. Os antigos magos druidas, que habitavam a Inglaterra por volta do ano 200 a.C., acreditavam que quem possuísse um desses trevos poderia absorver os poderes da floresta e a sorte dos deuses - com isso, também adquiria o dom da prosperidade. Ainda segundo a lenda, para que se tenha sorte com o trevo de quatro folhas, é preciso ganhá-lo de presente e depois presentear três pessoas.

O trevo de quatro folhas é o símbolo mais tradicional de boa sorte. Quando se ganha um trevo assim, diz a tradição, a pessoa recebe votos de prosperidade, saúde e fortuna. Ainda segundo as tradições, a cada trevo que se colhe, brotam seis novos, multiplicando a sorte para todos.

Existem muitas curiosidades a respeito desta planta. Uma delas descreve que cada folha do trevo tem um significado: esperança - fé - amor - sorte. O número de folhas - quatro - representa um ciclo competo, como as 4 estações, as 4 fases da lua ou os 4 elementos da natureza: Ar, Fogo, Terra e Água.

Podemos fazer um belo amuleto com o trevo de quatro folhas: basta colher a folha, cortar bem rente à haste e colocar dentro de um livro grosso para secar bem retinha. Depois é só plastificar ou colocar num saquinho plástico e carregar dentro da carteira ou da bolsa.

Hoje os trevos de quatro folhas já não são tão raros. Nos anos 50, horticultores desenvolveram uma semente que só gera plantas com quatro ramos. Cultivados em grande quantidade, perderam muito de seu sentido mágico - o prazer de serem procurados e a sorte de encontrá-los.

A fama do trevo em trazer boa-sorte é tanta que até inspirou uma famosa marchinha de Carnaval gravada por Nara Leão: "Vivo esperando e procurando um trevo no meu jardim / Quatro folhinhas nascidas ao léu, me levaria pertinho do Céu / Feliz eu seria e o trevo faria que ela voltasse pra mim... / Vivo esperando e procurando um trevo no meu jardim".

O trevo é uma planta herbácea, que atinge mais ou menos 30 cm e produz flores na primavera e verão.

Fonte: Jardim de Flores.
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domingo, 4 de dezembro de 2011

Gustavo Barroso

Gustavo Barroso - 1956
Gustavo Barroso (Gustavo Dodt Barroso), jornalista, historiador e folclorista, nasceu em Fortaleza, Ceará, em 29/12/1888, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 3/12/1959.

Concluiu no Rio de Janeiro, em 1911, o curso de direito que iniciara em Fortaleza. Desde muito moço participou  do jornalismo cearense, escrevendo e desenhando. Até os últimos meses de vida, colaborou em revistas, pesquisando temas pouco conhecidos da história, sociologia e folclore.

Foi redator do Jornal do Ceará (Fortaleza) e do Jornal do Comércio (Rio de Janeiro), diretor das revistas cariocas Fon-Fon e Seleta, membro da Academia Brasileira de Letras (1923), do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1932) e organizador e primeiro diretor do Museu Histórico Nacional, de 1922 até a morte. Participou de vários congressos e conferências. 

Sua bibliografia, cerca de 100 volumes, compreende desde antropologia cultural até poesia, romance, conto, fábula, viagens etc. Usou do pseudônimo João do Norte. 

Publicou, entre outras obras, Terra de sol, Rio de Janeiro, 1912; Heróis e bandidos, Rio de Janeiro, 1917; Casa de marimbondos, São Paulo, 1921; Ao som da viola, Rio de Janeiro, 1921 (2 ed. aumentada, Rio de Janeiro, 1949); O sertão e o mundo, Rio de Janeiro, 1923; Através dos folclores, São Paulo, 1927; Almas de lama e de aço, São Paulo, 1930; Mythes, contes et légendes des indiens, Paris, 1930; Aquém da Atlântida, São Paulo, 1931; As colunas do templo, Rio de Janeiro, 1932. 

Fonte: Enciclopédia da Música Brasileira - Art Editora e Publifolha.
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O avarento João de Velós

Para não gastar dinheiro, um avarento chamado João de Velós comia somente uma bolacha pela manhã e outra à noite. Assim, reuniu grande fortuna, conseguindo encher duas caixas com moedas de ouro. Tendo-lhe sido proposto um negócio em que devia ganhar muito, foi a uma das caixas e abriu-a, dizendo:

— Caixa, empresta-me três contos de réis.

Deixando-o muito espantado, a caixa respondeu:

— Este dinheiro não é teu, é de João de Velós.

O avarento desconfiou da história. Aquela mágica da caixa pôs-lhe sal na moleira. Resolveu, por segurança, mudar de terra. Passou o dinheiro das caixas para duas barricas e embarcou para fora do país. Na primeira noite da viagem, quando dormia, o mar se encapelou e quase afunda a embarcação. Diante do perigo de naufrágio, para aliviá-la, o capitão mandou lançar às ondas aquelas duas pesadas barricas, cujo conteúdo julgava sem grande valor, pois o dono declarara estarem cheias de chumbo.

As correntes submarinas rolaram-nas até a costa, levando-as a um curral de pesca dum sujeito que, por coincidência, também se chamava João de Velós, o qual as abriu e, sendo muito caridoso e sem ambição, deu todo o ouro de esmola.

O primeiro João de Velós, na manhã seguinte, quando soube o que o capitão fizera, ficou desapontado e furioso. Tomou um escaler e desembarcou no litoral fronteiro ao lugar onde as barricas tinham sido afundadas, procurando-as como louco.

Foi ter, enfim, faminto e esfarrapado, à casa do seu homônimo. Contou-lhe a perda de suas preciosas barricas e o outro não lhe disse que as tinha achado e distribuído o que continham com os pobres. Ouviu-o em silêncio e, penalizado, mandou rechear um pão com moedas de ouro, dando-o ao primeiro João de Velós, quando este se foi embora.

O avarento encontrou no caminho uma comadre do segundo João de Velós que o ia visitar. Ela achou o pão que ele trazia muito fresco e bonito, gabou-o muito e propôs comprá-lo por cinco patacas, pois não queria chegar em casa de seu compadre com as mãos vazias. Levaria, assim, um presentinho. À vista das patacas, o sovina não resistiu e vendeu o pão, ignorando o precioso recheio.

Desta sorte, o João de Velós generoso recebeu de volta suas moedas e o avaro foi, por castigo de Deus, reduzido à miséria.

Este conto é uma como variante bárbara da velha canção portuguesa do sapateiro, que recebeu do rei um bolo com recheio de moedas e dele se não aproveitou, dando razão ao estribilho que repetia:

Ribeiros correm pros rios
E os rios correm pro mar
Quem nasceu para ser pobre
Não lhe vale o trabalhar

No fundo, o conto sertanejo também é parente daquela interessantíssima história de Saad e Saadi, nas Mil e uma noites, com certeza avó da cantiga portuguesa.
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 - Barroso, Gustavo. Ao som da viola (folclore); nova edição correta e aumentada. Rio de Janeiro, 1949, p.511-512.
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terça-feira, 29 de novembro de 2011

História de João Grilo

Era uma vez um moço muito preguiçoso, por nome João Grilo, casado de novo, mas não queria trabalhar. A mulher apertou com ele, que precisava ganhar mais, pois eles viviam de alugar o pasto para os tropeiros, naquele tempo, a vintém por cabeça, ché! o que dava?

João Grilo pensou, pensou e falou:

— Vou ser adivinhador!

Pegou três cavalos, dos melhores, que estavam de pouso, levou para o meio do matão e escondeu bem.

Os tropeiros, no outro dia, procuraram que procuraram, nada de encontrarem os cavalos. João Grilo propôs a eles adivinhar onde estavam os cavalos. Aceitaram. Arranjou um pouco de cinza e traçou, traçou no terreiro, fez umas historiadas e disse:

— Estão em tal e tal lugar, uma picada às direitas da estrada larga, no matão. Os tropeiros voltaram contentes com os cavalos e deram uma boa gratificação a João Grilo.

Ele foi se mostrar à mulher:

— Eu não disse que arranjava o dinheiro?

Depois mandou escrever um letreiro em cima da porta de sua casa: João Grilo, adivinhador.

Foram contar pro rei. O rei mandou buscar  tal para o palácio e fazer a ele umas perguntas.

Se não respondesse, a cabeça dele voava pelos ares.

Fechou uma porca num quarto e mandou que ele adivinhasse. João Grilo se viu perdido, coçou a cabeça e falou:

— Agora é que a porca torce o rabo.

O rei gostou muito, pegou um grilo e fechou a mão.

— Me diga, então, o que é que eu tenho na mão?

O nosso homem lida que lida, viu que não podia adivinhar e respondeu:

— João Grilo está perdido!

O rei gostou.

Depois, sua majestade mandou encher de fezes uma tigela (com perdão da palavra!) e pôr na mesa no meio de outros pratos. Perguntou o que era.

João Grilo nada de adivinhar. Só pôde mesmo dizer:

— Bem, minha mãe me dizia que as minhas adivinhações iam dar em fezes!

Foi perdoado e saiu muito contente.
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Em Brandão, Téo. Seis contos populares do Brasil. Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Folclore; Maceió, Universidade Federal de Alagoas, 1982, p.59. - Fonte: Jangada Brasil.
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