quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Flagrante n.°2

Mais um flagrantezinho carioca, desta vez colhido pelo ator Milton Morais, que comprou cigarro num botequim da Rua Alcindo Guanabara, e ficou espiando um gari que, de imensas luvas e não menos avantajada vassoura, varria sumariamente a calçada.

O que chamou a atenção de Milton foi o estado deplorável do gari: estava impressionantemente empoeirado e parecia que um monte de carvão se abatera sobre sua cabeça. Apesar disso, assoviava um sambinha, prazenteiramente, e mexia com as mocinhas que transitavam pelo local.

Veio uma moreninha mais ou menos e ele, parando de assoviar, falou:

— Como é, bonitinha... vamos a um cinema aí?

A moça nem olhou e foi em frente. O gari não se deu por achado, voltou a assoviar e a varrer. Foi quando apareceu uma lourinha das mais apetecíveis. Veio vindo e passou pertinho do gari, que parou de varrer, pigarreou e falou:

— Era uma coisa assim que minha mãe gostaria de ter como nora!

Aí Milton Morais se chateou com a presunção do gari e chamou-lhe a atenção, perguntando se ele pensava mesmo que uma daquelas mulheres ia querer alguma coisa, encontrando-se ele naquele estado de sujeira. Resposta do gari:

— Vai ser difícil, doutor. Mas "as veis" uma delas pode ser tarada.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: GAROTO LINHA DURA - Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975

Flagrante n.°1

Um flagrantezinho carioca. De vez em quando é bom. Foi ali no Bar Shirley, em Copacabana (esquina de Siqueira Campos com a Praça Serzedelo Correia). Lá dentro, pendurada na parede, uma fotografia comovente de Shirley Temple aos 8 ou 9 anos, quando era uma das artistas mais famosas do mundo.

O bar Shirley tem um feijão legal que alimenta mais o proletariado do que todos os pelegos juntos, do antigo e do atual Governo: que este, apesar da banca que bota, também tem pelego.

Mas vamos ao flagrantezinho carioca. O crioulo entrou no Bar Shirley, chegou perto do balcão e, mostrando-se crioulo extravagante, berrou:

— Bota um limão.

Antigamente, quem botava limão era limoeiro, mas a plebe ignara tem preguiça de falar e vai diminuindo o nome de tudo.

Batida-de-limão agora pede-se assim:

— Bota um limão aí.

Puseram e o crioulo começou a beber. Largou umas gotinhas pro santo e vapt... virou a cachaça.

Foi aí que passou a mulatinha na rua. Era dessas de andar raçudo, muito bem encadernada e ia pisando legal; calando conversa.

O crioulo saiu do bar e ficou espiando a coisinha fofa até a mulata dobrar lá na Avenida Atlântica. Suspirou, voltou para junto do balcão e falou:

— Deus faz, a natureza "creia" e eu "apreceio". Me bota aí outro limão.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: GAROTO LINHA DURA - Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975