terça-feira, 8 de novembro de 2011

Ellen Drew

Ellen Drew (Esther Loretta Ray), atriz e modelo, nasceu em Kansas City, Missouri, em 23/11/1915, e faleceu em Palm Desert Riverside County, Califórnia, em 03/12/2003. No começo, Drew teve diversos empregos e venceu inúmeros concursos de beleza antes de se tornar uma atriz.

Mudou-se para Hollywood na tentativa de se tornar uma estrela, foi descoberta quando trabalhava numa sorveteria, onde um dos clientes, William Demarest, a conheceu e, eventualmente, a ajudou a entrar no mundo do cinema.

Ela se fixou na Paramount Pictures de 1938 a 1943, onde apareceu em até seis filmes por ano, incluindo "Sing You Sinners" (1938), com Bing Crosby e "Senhora do Kentucky" (1939) com George Raft. Em 1944 mudou-se para a RKO.

Seus filmes incluem o "Natal em julho" (1940), "Isle of the Dead" (1945), "Johnny O'Clock" (1947) e "O Homem do Colorado" (1948). Nos anos 50, com a carreira cinematográfica em declínio, ela foi para a TV.

Foi casada quatro vezes e teve dois filhos. Morreu em Palm Desert, California, em 3 de zembro de 2003, vítima de problemas no fígado.

Filmografia 

Rose Bowl (1936)
Murder Goes to College (1937)
Night of Mystery (1937)
Dangerous to Know (1938)
If I Were King (1938)
Sing You Sinners (1938)
The Buccaneer (1938)
If I Were King (1938)
Geronimo(1939)
The Gracie Allen Murder Case (1939)
The Ladys from Kentucky (1939)
Buck Benny Rides Again (1940)
Christmas in July (1940)
French Without Tears (1940)
The Texas Rangers Ride Again (1940)
Women Without Names (1940)
Night of January 16th(1941)
Our Wife(1941)
The Mad Doctor(1941)
The Parson of Panamint(1941)
The Monster and the Girl (1941)
Reaching for the Sun (1941)
Ice-Capades Revue (1942)
My Favorite Spy (1942)
The Remarkable Andrew (1942)
Night Plane from Chungking (1943)
Dark Mountain (1944)
The Impostor (1944)
That's My Baby (1944)
Isle of the Dead (1945)
China Sky (1945)
Crime Doctors Man Hunt (1946)
Sing While You Dance (1946)
Johnny O'Clock (1947)
O Espadachim (1948)
The Man from Colorado (1948)
The Crooked Way (1949)
Cargo to Capetown (1950)
Davy Crockett, Indian Scout (1950)
Stars in My Crown (1950)
The Baron of Arizona (1950)
Man in the Saddle (1951)
The Great Missouri Raid (1951)
Outlaw's Son (1957)   

Fontes: http://www.malustudio.com; Zura!

As cabeças rolantes

E ninguém fala dos estudantes tchecos. Quando os jovens da França começaram a virar carros, a arrancar paralelepípedos e a incendiar a Bolsa — as manchetes se assanharam, em todos os idiomas. Ninguém entendia nada.

A primeira Revolução Francesa fora nítida e profunda. Derrubou-se a Bastilha, decapitou-se Maria Antonieta e instalou-se o Terror. Mas sabíamos por que as coisas aconteciam e por que rolavam as cabeças. Mas a recente agitação estudantil teve um defeito indesculpável: — faltou-lhe o Terror.

O mundo ainda faz a pergunta sem resposta: — "Onde estão as cabeças cortadas?". Simplesmente, não estão, nem houve. Ninguém decapitou ninguém. E, como não havia gasolina, ninguém morria, nem atropelado.

Pode-se dizer que nem tudo se perdeu no caos estudantil. Eu diria que se salvaram algumas frases. Fala-se muito da prosa francesa. E, de fato, as maiores bobagens ditas em francês têm um insuperável requinte estilístico.

Além de arrancar a capa de asfalto e pôr fogo nos carros, os estudantes faziam as belas frases. Uma dela dizia assim: — "É proibido proibir". Houve um dia em que todos os muros parisienses não diziam outra coisa. Por toda a parte, o berro vital: — "É proibido proibir".

E todos os fatos eram possíveis. Numa assembléia de estudantes, levantou-se um barrigudo: — "Quero falar. Sou um capitalista". Um jovem líder se levanta: — "Fala o camarada capitalista". E o gorducho disse ao que veio. Em seguida, o poeta Aragon pede a palavra. Um estudante diz: — "Aqui, qualquer um pode falar, inclusive o último dos traidores". Aragon é stalinista e, como tal, o último dos traidores, não só da França, não só da poesia, como da própria pessoa humana. Falou, como o camarada canalha.

Naturalmente, vocês querem saber qual figura fez Sartre no lírico tumulto daqueles dias. Ah, Sartre, Sartre! Quando o filósofo esteve no Brasil, o nosso papel foi, se me permitem dizê-lo, meio indigno. Sim, os nossos intelectuais se comportaram como se fôssemos a mais deprimente subcolônia espiritual. Fui ver uma de suas conferências.

Quando ele apareceu, a platéia só faltou lamber-lhe as botas como uma cadelinha amestrada. E foi aí que eu descobri que há, sim, admirações abjetas.

Mas o francês não admira outro francês com esse estupor. E os estudantes de lá trataram o filósofo de alto a baixo. Quase não houve conversa. A rapaziada ouvia Sartre com irônica indulgência. Por fim, o gênio levantou-se, humilhadíssimo; disse: — "Vocês têm mais imaginação do que eu". Saiu de lá trôpego e derrotado. Os jovens o enxotaram e assim começou a solidão de Sartre.

Mas a grande frase da quase Revolução Francesa foi mesmo a do general De Gaulle. O velho herói parecia um mito exausto. A jovem massa levava cartazes assim: — "Fora De Gaulle", "De Gaulle Assassino", "Morte para De Gaulle". O general estava fora do país. Sim, o mito passeava. Quando voltou à França, declarou para o seu povo: — "Eu sou a Revolução!". Foi um espanto mundial. E todos sentiram que De Gaulle era o último "eu" do século. Olhem o nosso mundo, virem e revirem a nossa época. Não há outro "eu". E o herói setuagenário parece um momento da insânia humana. Só um louco, em sua danação, pode-se julgar um "eu".

Nem precisamos ir tão longe. Vamos olhar o Brasil.

Antes, porém, de falar do Brasil, quero lembrar os versos que Rainer Maria Rilke escreveu para o próprio túmulo. Só me lembro de um momento do epitáfio. É quando diz o poeta que o morto sente "a volúpia de ser ninguém". Aí está o mistério da nossa época. Fora um insano, como De Gaulle, que se imagina "eu ", não há mais as fortes e crispadas individualidades, que ofendiam e humilhavam os demais com a sua dessemelhança genial.

Mas deixemos de lado os outros países e os outros homens. O que me interessa é o Brasil, é o brasileiro e, em especial, o nosso teatro. Sempre digo que só os profetas enxergam o óbvio. O que eu chamo de óbvio é este fato: — o teatro brasileiro acabou antes de começar.

Na altura de 1940, sentiu-se aqui uma enorme tensão criadora; e cheguei a pensar que ia nascer a nossa tragédia. Toda uma geração de autores, diretores, atores parecia saturada de potencialidade. Essa plenitude durou pouco. De repente, estancou o processo teatral. Falei do "nascimento da tragédia" no Brasil. E o que aconteceu foi espantoso: a "tragédia brasileira" ainda não nasceu e já está decadente. Entendem? Decadente antes de nascer. Todo o maravilhoso ímpeto inicial se esvaiu e se corrompeu no show idiota.

Mas há pior e, repito, há pior. O show ainda tem uma relação com o teatro. Acontece que os diretores, autores, atores e atrizes abandonam o palco. Cabe então a pergunta: — e onde estão eles? Cada qual assume a forma impessoal, numerosa e irresponsável da assembléia, do comício, da comissão, do manifesto, da passeata e da unanimidade. Só agimos, só sentimos, só amamos e só odiamos em massa.

Sim, estamos todos massificados. E cada um sente, como no epitáfio de Rilke, a volúpia de ser ninguém. O sujeito se dissolve na passeata, na assembléia, na unanimidade. E ninguém faz as coisas simples e profundas que o teatro exige.

Em vez de realizar o Hamlet ou A dama das camélias, a classe desfila da Cinelândia à Candelária. E basta.

E, por isso, dizia eu que o teatro está morto no Brasil. Morreu a partir do momento em que nos politizamos.

Felizmente, a nossa traição ao "drama brasileiro" tem nobilíssimas razões e, eu diria mesmo, razões sublimes. Não escrevemos peças, nem as representamos e, tampouco, as dirigimos. Em compensação, salvamos o Vietnã e, ao mesmo tempo, resolvemos o problema da fome mundial. Dirá alguém que a fome do homem resistiu a Cristo, Buda, Alá, Maomé, Marx, Freud. Mas os citados falharam, por azar, inépcia, incompetência, má-fé, corrupção.

O que não acontece com a Classe Teatral. Bem me lembro da nossa última assembléia.

Enquanto vociferávamos, o Pentágono foi surpreendido a ouvir-nos, atrás das portas; e do seu lábio vil pendia a baba elástica e bovina da pusilanimidade.
[26/7/1968]

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A Cabra Vadia: novas confissões / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

O antiteatro

Ah, gosto muito do Sábato Magaldi, o crítico paulista.

Lembro-me do nosso encontro, há anos, aqui no Rio, na esquina de Senador Dantas com Evaristo da Veiga. Eu não o via há meses. E ele me pareceu tão magro e tão só. O que me impressionou mais, porém, foi o olho do amigo, e repito: — o olho de uma doçura intensa, quase insuportável. Com um retoque aqui e ali, o Sábato Magaldi seria um santo, o primeiro santo da crítica teatral.

Mas não é isso que eu queria dizer. Eu ia falar da nossa discussão sobre cinema. Era a época dos primeiros filmes coloridos.

Há entre mim e o caro amigo uma série de cordiais abismos. Quando escreve sobre o meu teatro, sinto que não é o crítico, mas o amigo, quase o irmão (quero crer que ele sempre reage como o amigo e o irmão das coisas). Eu era a favor do filme colorido, e Sábato, contra. Ele só entendia o preto-e-branco.

No meu espanto, perguntei-lhe: — "Mas que diabo! Você é contra a cor?".

E eu não compreendia tal ressentimento visual.

Discutimos uma boa meia hora. E, até o fim, o Sábato Magaldi foi o mesmo e brioso paladino do preto-e-branco. Dizia eu: — "Vem cá, Sábato, vem cá". E insistia: — "Mas que diabo te fez o amarelo? E o verde? E o azul? E o roxo?".

Lembrei-lhe que Van Gogh gostava tanto do amarelo. O meu último argumento foi este: — "Você odeia o arco-íris?". Não o dissuadi. Hoje, imagino que o Sábato deva abominar também o poente do Leblon porque a natureza não o fez em preto-e-branco.

Falei do cinema para chegar ao teatro. Quando começou o cinema, houve o vaticínio mundial: — "O teatro vai morrer". E mais tarde surgiu a televisão. Imediatamente, outros profetas anunciaram também que a televisão era o fim do teatro. Vejam como o teatro vive de mortes e de ressurreições. De vez em quando, vem alguém passar-lhe o atestado de óbito. Mas ele continua. Não importa que a tela cinematográfica seja miguelangesca. (Contra a oposição solitária e ressentida do Sábato Magaldi, a cor vingou triunfalmente). Mas o teatro está vivo, o teatro é um cadáver salubérrimo.

Não sabemos se o cinema morrerá um dia, se outras técnicas vão devorar a televisão. Quanto ao teatro, quero crer que já demonstrou a sua eternidade. Cabe então a pergunta: — e por que sempre existirá um palco e sempre existirá um elenco representando?

Tem sido assim e assim será, para sempre. Pode parecer que o "grande artista" explica essa prodigiosa continuidade. Nem tanto, nem tanto. A eternidade do teatro depende mais do canastrão.

Foi mais ou menos isso que eu disse, no telefone, ao Sábato Magaldi. Imaginem vocês que o crítico ligou para mim, e vamos e venhamos: um interurbano é sempre uma altíssima demonstração de afeto. Lisonjeado, balbuciei: — "Quanta honra!". Não é sempre que um crítico, e dos mais lúcidos, e dos mais agudos, procura um autor.

Conversa daqui, dali, e o Sábato acaba pedindo: — "Por que é que você não faz uma entrevista imaginária com a Cacilda Becker?". Foi aí que, dentro do meu ponto de vista, expliquei que a Cacilda tinha um defeito: — era "a grande atriz".

O Sábato não entendeu: — "Se é grande atriz, melhor". Reagi: — "Pior". E expliquei que é o canastra que, inversamente, nutre a continuidade teatral. O "grande ator" é um para 10 mil. Só a massa de medíocres pode alimentar milhares de elencos e milhares de repertórios.

Todavia, o Sábato, com sua bondade pertinaz e persuasiva, insistia: — "Pelo amor de Deus, faz a entrevista imaginária com a Cacilda. Te peço como amigo". Eu preferia a canastrona, muito mais representativa do que o gênio. A Duse ou Sarah Bernhardt é um corpo estranho dentro de sua geração. Mas o Sábato pedia; e quem, no céu e na terra, pode resistir ao Sábato? Suspirei: — "Está bem. Você manda. Vou entrevistar a Cacilda Becker".

E, antes de me despedir, fiz o apelo: — "Me abençoa, Sábato, me abençoa". E o amigo, em sua infinita misericórdia, me abençoou.

Saí do telefone, isto é, não saí do telefone. Desliguei e, imediatamente, disquei para 01. Feita a ligação fulminante, uma voz feminina atende. Peço: — "Quer-me chamar a Cacilda?". A resposta foi taxativa: — "Não mora aqui".

Protesto: — "É esse o número, minha senhora. Cacilda Becker. Mora aí". E a outra: — "Engano". E, súbito, desconfio da verdade. Berro: — "É você que está falando, Cacilda? Sou eu, Nelson!". Há uma pausa dramática. Finalmente, explode a voz feminina: — "É mesmo, é mesmo! Agora me lembro. Cacilda Becker. Eu era Cacilda, fui Cacilda. O sobrenome é Becker? Fui Cacilda Becker".

A conversa estava meio alucinatória. Numa impressão profunda, pergunto: — "Está-me ouvindo, Cacilda? Esteja, hoje à meia-noite, no terreno baldio. Você vai-me dar uma entrevista imaginária. Entendeu? Uma entrevista imaginária, na presença da cabra vadia".

A grande atriz pluralizou: — "Lá estaremos". E eu: — "Boa noite". Ela respondeu em voz pungente, em voz plangente: — "Boa noite".

Às dez para meia-noite, estou eu no terreno baldio.

Tomei todas as providências. Reuni os gafanhotos, sapos, corujas, caramujos e minhocas. Fui de um em um, pedindo pelo amor de Deus: — "Modos, hem; modos!". E, súbito, vem correndo um caramujo: — "Está chegando a passeata". Pulo: — "Que passeata? Eu não chamei passeata nenhuma. Vou entrevistar a Cacilda Becker. Só a Cacilda e mais ninguém".

Mas era a estarrecedora verdade. Ao longe, empunhando archotes, vinha a passeata. E, no meio, hirta, sonâmbula, vestida de Ofélia, pude ver a minha entrevistada, Cacilda Becker.

Aterrado, esperei aquela massa ululante. Ouvia-se o coro: — "Par-ti-ci-pa-ção! Par-ti-ci-pa-ção!". O vozerio subia aos céus.

Lá em cima, as estrelas começaram a atirar listas telefônicas e cinzeiros sobre os manifestantes. A quinze metros do local, o Vladimir Palmeira trepa na capota do próprio automóvel. Diz, forte: — "Classe teatral!". Silêncio. E o Vladimir: — "Estamos cansados. Vamos sentar".

A docilidade foi total. A Classe sentou-se no asfalto, o Líder deixou passar cinco minutos; e comanda: — "Já descansamos. Vamos marchar!". E todos marcharam os quinze metros que faltavam.

Só então, dilacerado e confuso, dirijo-me à própria Cacilda: — "Escuta, houve um lamentável engano, um equívoco horrendo. Eu só convidei você, Cacilda!". E a atriz: — "Eu não sou Cacilda. Sou a passeata!".

Lá estava Paulo Autran: — "Você, Paulo Autran, ao menos você, é Paulo Autran?". Resposta: — "Sou uma assembléia!".

Ao lado, vi o Ferreira Gullar: — "Ferreira, diga, berre: — eu sou Ferreira Gullar!". Retruca: — "Eu sou um abaixo-assinado! Sou uma comissão de intelectuais!". Em seguida, puxou um isqueiro e incendiou um exemplar de A luta corporal.

Vozes repetiam: — "Sou um comício! Sou um panfleto! Sou a Classe!". Cada qual era ninguém. Olho aquelas caras. Todos tinham perdido a noção da própria identidade. Recuo, apavorado. Uma coruja rola com ataque.

E, então, a marcha continua. A massa coral repetia: — "Par-ti-ci-pação! Par-ti-ci-pa-ção!". A cabra vadia veio sentar-se no meio-fio e começou a chorar. As estrelas atiravam catálogos telefônicos sobre a passeata.

Foi um caso sério.
[25/7/1968]

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A Cabra Vadia: novas confissões / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1995.