domingo, 21 de agosto de 2011

Itajaí no sábado

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Neste sábado subimos mais uma vez o Morro da Cruz e, realmente, a paisagem lá de cima é deslumbrante: quase toda a cidade é visível, inclusive a Foz do Rio Itajaí e a vizinha cidade de Navegantes e sua praia. Na foto acima, um dos mais belos recantos de Itajaí: o Saco da Fazenda. Abaixo um navio-cargueiro deixando nosso porto e o restaurante Monte Castelo. Itajaí (SC), 20/08/2011.

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Mulheres

Foi o diabo quando a fulana veio morar na rua. Primeiro, encostou um táxi na porta da casa vazia. Desceram uma senhora, uma menina e a babá, uma preta gorda, imensa, de busto ilimitado. Nessa altura dos acontecimentos, já a vizinhança em peso, numa curiosidade torpe e unânime, apinhava-se nas janelas. E o fato é que, à primeira vista, a impressão não foi boa.

A tal fulana, com efeito, podia ser vistosa. Mas havia, nos seus modos, roupas e maneiras, um exagero suspeito. Além do mais, o decote deixava bem nítido, nítido demais, o princípio do seio. D. Edgardina, que estava na janela, numa curiosidade tremenda, teve um muxoxo:

— Hum!

As outras mulheres da rua também ficaram com a pulga atrás da orelha. Procurou-se o marido da recém-chegada, e só meia hora depois cochichava-se: “Viúva”. As comadres fizeram suas deduções: “Aqui há dente de coelho”. Quando chegou a mudança, com o mobiliário, as trouxas de roupas, a gaiola com o passarinho, ela se expandiu. Tratava os carregadores com festiva intimidade. Dizia para um e para outro, com uma desenvoltura plebéia:

— Põe isso aqui, velhinho!

Soltava grandes gargalhadas. Enfim, foi quase um escândalo. D. Edgardina, quando o marido chegou, fez cara de nojo. Suspirou:

— Gentinha!

JARARACA

No dia seguinte estourou a bomba: a nova vizinha era uma fulana assim, assim. Com outras palavras: “Não era séria”. Foi d. Edgardina quem deu o alarme, quem pôs as famílias em polvorosa. Perguntaram: “Batata?”. Confirmou, numa ênfase esmagadora: “Palavra de honra!”. Houve quem dissesse: “Logo vi!”. D. Edgardina, no entusiasmo da novidade, dramatizava:

— Profissional no duro! — E pigarreou para acrescentar o detalhe definitivo: — “E de janela!”.

— Credo!

A partir de então, d. Edgardina se incumbiu de promover a sistemática difamação da outra. Tinha sempre uma novidade; e, assim, foi revelando a idade da outra, os endereços anteriores, os escândalos de sua vida. Certa manhã, surgiu de repente com um recorte de jornal; chamou pelo telefone as outras vizinhas: “Vem cá, que eu vou te mostrar uma coisa”. As amigas pasmavam para o recorte. Era a notícia de um conflito numa pensão alegre, entre mulheres da “vida airada”. O jornal dizia: “A mundana Aurora de tal, de vinte e cinco anos, residente...”. Houve um frêmito quando se leu, em voz alta, a palavra mundana. Já não havia mais dúvidas. Um das senhoras, abismada, suspirou:

— Como pode! Como pode!

VERGONHA

Na sua falta de modos, Aurora dava na rua verdadeiros espetáculos. Pela manhã, punha-se a escovar os dentes à janela, com a boca espumando de dentifrício. Recebia os fornecedores em quimonos espetaculares e semi-abertos; punha todo o volume do rádio, como se ela ou os outros fossem surdos. E, da janela, queria dar e receber cumprimentos. Muito cordial, cordialíssima, vivia distribuindo “bom dia” com a mais patética efusão. Mas as mulheres que passavam por ela amarravam a cara e olhavam para o outro lado. Por sua vez, os homens a evitavam. Cada esposa da rua exigira do marido: “Não me cumprimentes essa gaja, hein!”. Um deles, ou por distração ou por leviandade, retribuiu um “boa tarde” de Aurora. Para quê? Quando chegou em casa, a mulher quase o comeu vivo:

— Seu sem-vergonha! Você é igual a ela!

Aurora acabou percebendo. Mas o que tinha de cordial, de conversada, tinha de desaforada. Rosnou: “Essas cretinas!”. Foi para a janela, exaltada, e disse, em voz bastante alta: “São uns buchos horrorosos!”. Atribuía a má vontade existente à inveja. Fez mesmo uma frase: “A maior inimiga da mulher é a própria mulher”.

GREVE DE CRIANÇAS

Mas o que doeu em Aurora, o que machucou seu coração, foi o que fizeram à filha. Nos exageros do sentimento materno, dizia: “Podem fazer o diabo comigo. Podem até me cuspir na cara. Mas não toquem em minha filha!”. E, com efeito, tratava aquela criança como a uma princesa. Agarrava a filha e balbuciava numa estesia: “Meu Deus! Que vontade de te apertar, de te morder!”. A babá protestava: “Credo!”. Mas era amor, alucinado amor. Pois bem. As mulheres sérias da rua também declararam guerra à menina, que, na ocasião, mal completara os quatro anos. As mães advertiam os filhos: “Não te quero brincando com aquela menina!”. Outras positivavam: “Olha que tu apanhas de chinelo!”. O fato é que, sob o peso das ameaças, a menina não tinha com quem brincar. Sem idade para compreender, insistia, mas as outras crianças fugiam, como se ela tivesse coqueluche ou outra doença qualquer, mais grave. Quando Aurora soube, quando percebeu, fez na calçada uma cena terrível. Com a pequena no colo, abraçada a ela, chorou, soluçou publicamente. Interpelava a vizinhança:

— Mas que foi que minha filha fez? Digam! Que foi?

E, na verdade, o que a desesperava, o que a punha fora de si, praticamente louca, era a injustiça. Gritava:

— Eu não presto, eu posso não prestar. Mas minha filha não tem culpa! Minha filha é inocente!

D. EDGARDINA

Foi, não resta dúvida, uma situação desagradabilíssima. Os homens tiveram pena, mas cruzaram os braços, com medo das respectivas esposas. Essas é que exultavam, sobretudo d. Edgardina. Enquanto a outra chorava na calçada, com a filha nos braços, d. Edgardina rosnava: “Isso é carnaval!”. E, como continuasse o escândalo, fechou a janela violentamente. Outras vizinhas fizeram o mesmo. Houve um instante em que Aurora não teve para quem falar. Sempre chorando, meteu-se em casa; e, então, cobriu a filha de beijos, de mimos de toda a sorte. De repente, teve a idéia. Foi apanhar uma cédula de quinhentos cruzeiros, e a deu à filha para brincar. Desafiava, frenética:

— Rasga esse dinheiro, minha filha! Mostra a esses mendigos que tu és rica e que tua mãe há de ganhar muito dinheiro pra ti!

O verdadeiro ódio de Aurora, porém, era d. Edgardina. Não se lembrava direito das outras. D. Edgardina, porém, não lhe saía da cabeça. Prometia a si mesma: “Ela me paga direitinho. Deus é grande”. Não há dúvida que planejava uma vingança. E houve um momento em que pensou até em macumba.

PERDIDA

As senhoras honestas ficavam acordadas até altas horas da noite, num controle feroz. E, assim, foram verificadas as visitas masculinas que Aurora recebia a partir de onze horas da noite. Era um movimento de homens que saíam e entravam, com intervalos regulares, como se obedecessem a um cronômetro fantástico. Embora se tratasse de um pecado alheio que, em absoluto, não a computava, d. Edgardina se enchia de um furor medonho. Chegava a chorar de raiva. O marido tentava apaziguar: “Deixa pra lá! Deixa pra lá!”. Mas d. Edgardina, espiando no escuro pela janela entreaberta, uivava: “Cachorra!”.

Um dia, a menina de Aurora fez anos. A mãe, com sua mania de grandeza, comprou doces numa quantidade astronômica, encheu a casa de bolas multicores, iluminou tudo. Não compareceu ninguém da rua, é claro. Na hora de acender as cinco velinhas do bolo, a mundana teve que cantar sozinha, e chorando, o “Parabéns pra você”. O único acompanhamento foi da babá negra. No fim da festa, Aurora responsabilizava d. Edgardina pela solidão da filha. Dizia, trincando as palavras nos dentes: “Essa desgraçada!”.

Não se passava um dia sem que Aurora soubesse de uma novidade. Disseram, por exemplo, que d. Edgardina espalhara o seguinte: “Ela está rica de tanto cinco mil-réis que já ganhou”. As comadres concordavam: “Isso mesmo! Isso mesmo!”. Mas d. Edgardina, sendo uma senhora de família, honestíssima, tinha um defeito: falava demais. E, certa vez, referindo-se a uma tal vizinha, d. Odete, tachou-a “de unha-de-fome”. D. Odete soube e ficou indignada. Foi pedir satisfações. Houve desaforos de parte a parte. As duas se tornaram inimigas mortais.

Até que, certa ocasião, Aurora estava em casa fazendo limpeza de pele, quando bateu o telefone. Foi atender e ouviu a pergunta: “É dona Aurora?”. Era voz de mulher, mas a pessoa fazia questão de anonimato. A princípio Aurora imaginou um trote. Com o correr da conversa, porém, animou-se e, pouco a pouco, já ia deixando escapar exclamações:

— Imagine! Faço uma idéia! Ora veja!

O seu interesse era tão maior quanto se tratava de d. Edgardina. Durou meia hora a conversa. Antes de se despedir, Aurora, fremente, foi dramática: “Eu não sei quem a senhora é, Mas Deus a abençoe”. Saiu do telefone, transfigurada. Chamou a babá da filha e anunciou:

— Vou me vingar direitinho.

OS CINCO CRUZEIROS

Aurora passou dois ou três dias pensando. Recebeu outros telefonemas. Uma manhã, ligou para o marido de Edgardina no escritório. Fora da vigilância da esposa, o homem teve uma alegre surpresa com uma voz feminina àquela hora. Aurora identificou-se: “É fulana”. Em suma, marcou um encontro, às tantas horas. Ele, de lábios trêmulos e olho brilhante, virou-se para um colega de trabalho; confidenciou: — “Tudo que é proibido, já sabe”.

Compareceu ao encontro, supondo-se irresistível. E, de fato, foi com Aurora para um lugar que só ela conhecia. Desceram uma rua deserta e entraram numa casa suspeitíssima. Estavam agora num corredor; e, então, Aurora disse: “Vamos esperar, aqui, no corredor, um casal que vai sair dali”. O homem não entendeu; ou só entendeu quando, de repente, abriu-se a porta indicada e apareceram d. Edgardina e um vizinho, aliás compadre do casal. D. Edgardina vinha dizendo: “Meu bem...”. Cortou a frase, estacando, diante do marido e de Aurora. Esta abriu a bolsa, tirou uma cédula de cinco cruzeiros que passou ao marido da outra:

— Dê esse dinheiro à sua mulher. Esse bucho não vale nem isso.

Não houve escândalo. Marido e mulher voltaram para casa. Mas, daí por diante, todas as manhãs, antes de sair para o emprego, ele puxava cinco cruzeiros e entregava à mulher:

— Tome!
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A coroa de orquídeas e outros contos de A vida como ela é... / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

Divina comédia

No fim de sete anos de matrimônio, o único vínculo do casal eram os cravos do marido, que Marlene gostava de espremer. Fora esta distração profunda e imprescindível, não havia mais nada. Debaixo do mesmo teto, cercados pelas mesmas paredes, eles se sentiam como dois estranhos, dois desconhecidos, sem assunto, um interesse ou um ideal comum. E, como não tinham filhos, a inexistência de criança aumentava o tédio. Até que, um dia, Godofredo toma coragem e ataca, de frente, o problema da monotonia conjugal:

— Sabe qual é o golpe? O grande golpe? A solução batata?

— Qual?

E ele:

— A separação. Que é que você acha? Vamos nos separar?

No momento, Godofredo estava com a cabeça no colo da mulher. Muito entretida, Marlene coçava e catava os cravos do marido com inenarrável deleite. O rapaz insiste:

— Como é? Topas?

Ora, Marlene estava entregue a um mister que lhe parecia de suprema volutuosidade. Justamente acabava de fazer uma des¬coberta da maior gravidade. Com água na boca, anunciou:

— Achei um formidável! Grande mesmo!

E não sossegou enquanto não completou a extração do cravo monumental. Satisfeita, eufórica, vira-se, então, para Godofredo:

— O que é que você perguntou?

Ele repete:

— Vamos nos separar?

A princípio ela não entendeu:

— Separar?

Godofredo confirma: “Exato”. Sem horror, sem drama, apenas surpresa, ela indaga: “Separar por quê? A troco de quê? Sinceramente, não vejo razão”. Sóbrio, mas firme, ele protesta:

— Razão há. Tenha santíssima paciência, mas há. Você quer ver como há? Nossa vida é duma chatice inominável. Te juro o seguinte: — não há no mundo uma vida mais sem graça, mais besta do que a nossa. Há? Fala francamente.

Marlene parece disposta a uma segunda pesquisa no rosto do marido. Pergunta, meio distraída:

— Você me dá três dias pra pensar?

Godofredo faz os cálculos:

— Três dias? Dou.

A VIZINHA

Na história matrimonial de ambos, não havia a lembrança de um atrito, de um incidente sério, de um ressentimento. Eles se aborreciam juntos, eis tudo. Para Godofredo, a monotonia era um motivo mais do que suficiente para a separação. Já Marlene, que respeitava mais a opinião dos parentes e vizinhos do que a do próprio Juízo Final, duvidava um pouco. De qualquer maneira, como era uma mártir, uma Joana d’Arc do tédio, é possível que acabasse concordando. Mas aconteceu uma coincidência interessante: no dia seguinte, conhece Osvaldina, sua nova vizinha. Conversa vai, conversa vem, e Osvaldina, sua vizinha, começa a pôr o seu marido nas nuvens.

— Esposa tão feliz como eu, pode haver. Mas duvido!

Isto foi o princípio. Formara-se um grupo de mulheres na calçada. E Osvaldina continuou, no mesmo tom de comício: “Estou casada há cinco anos. Muito bem. Vocês pensam que a minha lua-de-mel acabou? Que esperança!”. Houve em derredor um assombro mudo e, possivelmente, um despeito secreto. Uma lua-de-mel assim infantil e infinita era um fato sem precedente naquela rua, onde o fastio do matrimônio começava ao término da primeira semana. E a fulana prosseguia, cada vez mais cheia de si e do marido:

— Jeremias me beija, hoje, como na primeira noite etc. etc.

De noite, quando Godofredo chegou, Marlene estava indignada. Contou-lhe o caso da vizinha e explodiu:

— Uma mascarada! Pensa que é o quê? Melhor do que ninguém? Ora veja!

Godofredo rosna:

— Deixa pra lá!

Mas ela estava numa revolta sincera e profunda:

— Você conhece o marido dela? Viu? É um espirro de gente, um tampinha! E vou te dizer mais: não chega a teus pés, não é páreo pra ti!

De cócoras, ao pé do rádio, Godofredo estava procurando uma estação. Súbito, a mulher vira-se para ele. Foi misteriosa:

— Ela não perde por esperar! Vou tomar as minhas providências! Quando quero, sou maquiavélica!

MUDANÇA

De manhã, quando o marido ia sair, ela avisou: “Vou te levar ao portão”. Ele, que enfiava o paletó, espanta-se: “Que piada é essa?”. O espanto era natural, considerando-se que, após dez dias de lua-de-mel, ela jamais rendera ao marido semelhante homenagem. Interpelada por Godofredo, eleva a voz:

— Piada por quê, ora bolas? Você não é meu marido? Devo tratar meu marido a pontapés?

Ele, sem entender patavina, rosna:

— É fantástico!

E vai saindo na frente. Então, Marlene, dando-lhe o braço, exige: “Presta atenção. Lá fora, vou te beijar, percebeste?”. Houve no portão o que o próprio Godofredo chamaria depois de um verdadeiro show. Marlene dependurou-se no braço do esposo e deu-lhe um beijo cinematográfico na boca. Em seguida, enquanto o espantadíssimo Godofredo afasta-se, ela, num quimono rosa, debruçada no portão de madeira, esvazia-se em adeusinhos com os dedos.

A coisa fora tão insólita que, da cidade, o rapaz bateu o telefone para casa, fulo. Começou grosseiramente: “Você bebeu? Acordou com os azeites? Que papelão foi aquele?”.

Marlene engrolou as palavras. Ele insistiu:

— Há uns duzentos anos que tu não me beijavas na boca. Por que esse carnaval?

EXPLICAÇÃO

Quando voltou do serviço, e pôde conversar com a esposa, Godofredo soube de tudo. Quem tomara a iniciativa de proporcionar aos vizinhos e eventuais transeuntes cenas amorosas ao portão fora a nova vizinha. Osvaldina, com efeito, dava com o marido um espetáculo de incomensurável chamego. Marlene vira aquilo e se doera. Prometera de si para si: “Eu te dou o troco!”. E dizia agora ao esposo:

— Essa lambisgóia me atira na cara a sua felicidade. Pensa, talvez, que é a única esposa amada. As outras não são, só ela é que é. Mas comigo não, uma ova!
Devidamente esclarecido, Godofredo esbravejava, por sua vez: “Você resolveu dar um espetáculo e quem paga o pato sou eu? Exatamente eu?”. Exaltada, andando de um lado para o outro, Marlene estaca: “Você é marido pra quê, carambolas?”. E ele consternado:

— Mas, criatura, raciocina! Pensa um pouco! A gente não estava combinando o desquite? Separação?

Só faltou bater no marido:

— Você pensa que eu vou dar o gostinho a essa cavalheira? Se eu me separar, ela vai mandar repicar os sinos, vai espalhar que eu fracassei como mulher. Não, nunca! Você não casou comigo? Meu filho, aqui no Brasil não há divórcio, compreendeu? Agora agüenta!

Ele, pasmo, lívido, abria os braços para o teto:

— Essa é a maior! É a maior!

RIVALIDADE

E, então, todas as manhãs, era um duplo show de indescritível felicidade conjugai. No portão fronteiro, Osvaldina atracava-se ao esposo e submergia-se nas demonstrações mais deslavadas. Beijava-o como se o pobre homem fosse partir para a Coréia ou coisa que o valha. Por sua vez, Marlene não ficava atrás. Como os dois maridos saíssem quase na mesma hora, os dois espetáculos foram muitas vezes simultâneos. A princípio, Godofredo, envergonhado da comédia, quis relutar. Mas Marlene foi intransigente. Definiu em termos precisos a situação:

— O negócio é o seguinte: aqui, dentro de casa, você pode me tratar a pontapés. Mas lá fora, não. Lá fora, eu quero, eu faço questão que você banque o apaixonado até debaixo d’água, sim? Eu nunca te pedi nada. Te peço isso!

Godofredo coçava a cabeça impressionado. Mas era um bom sujeito, doce de caráter, fraco de coração. Compreendia que, para Marlene, aquela misteriosa mistificação matinal era um problema de vida e morte. Suspirou, arrasado:

— OK! OK!

AMOR DE VERDADE

Todos os dias, ela o instigava: “Vamos embasbacar essa gente, meu filho, conta pra eles que tu me amas com loucura e vice-versa”. Pouco a pouco, o espírito de concorrência, de rivalidade, foi se apoderando de Godofredo. À noite, depois do jantar, os dois saíam num agarramento, numa inconveniência de namorados. Já se rosnava na rua: “Aqueles dois são impróprios para menores!”. Simulavam também, no cinema, um falso assanhamento que indignava as pessoas próximas. Em casa, trancados, tiravam a máscara e agiam com a maior circunspeção. Mas tanto fingiram que, uma noite, a portas fechadas, ele se vira para a mulher: “Dá cá um beijinho”. Então espantado, inquieto, Godofredo saboreia o beijo, como se lhe descobrisse, subitamente, um sabor diferente e mágico.

Levanta-se e vem, transfigurado, beijar sôfrego e brutal a pequena. Arquejante, balbucia:

— Gostei.

Pronto. A partir de então, começaram uma nova e inenarrável lua-de-mel.
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A coroa de orquídeas e outros contos de A vida como ela é... / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

A divina Ava Gardner

Ava Gardner (Ava Lavinia Gardner), atriz, nasceu em Grabtown, Carolina do Norte, EUA, em 24/12/1922, e faleceu em Londres, Inglaterra, em 25/01/1990, aos 67 anos. Atriz americana do cinema clássico de Hollywood, é considerada uma das mais belas da história do cinema e uma das grandes estrelas do século XX.

Nascida no condado de Johnston, foi a sétima criança do casal Mary (Molly) Elizabeth Gardner e Jonas Gardner. Ava teve os irmãos Raymond (que morreu, aos dois anos de idade, de uma forma trágica, quando sua mãe, Molly, jogou no fogo, por engano, um detonador de dinamite que explodiu em seguida), Melvin, Beatrice, Elsie Mae, Inez, e Myra.

Seu cunhado Larry Tarr era fotógrafo em Nova Iorque e encheu suas vitrines com fotos de Ava Gardner, então com 16 anos de idade. Uma dessas fotos foi vista por um funcionário da Metro Goldwyn Mayer, Barney Duhan que aconselhou Larry Tarr a encaminhar fotos de sua cunhada para o estúdio. O diretor George Sidney gostou do que viu e convidou-a para Hollywood, onde desembarcou a 23 de agosto de 1941. Conseguiu um teste e um contrato com a produtora a 50 dólares por semana.

Foi também modelo da agência nova-iorquina de John Powers. Estudou dicção a fim de perder o forte sotaque sulino e estreou em um filme de Norma Shearer, "We Were Dancing" de 1942 e a partir daí fez uma série de pontas em filmes em que seu nome nem sequer aparecia nos letreiros.

Em 1941, Mickey Rooney era o pequeno rei da Metro: fazia um musical chamado "Babes On Broadway", no qual imitava Carmen Miranda, de baiana e maquiagem exagerada. Ava foi-lhe apresentada nesse dia. Casaram-se em 10 de janeiro de 1942, divorciando-se um ano depois, após uma série de brigas, em 21 de maio de 1943 (no mesmo dia em que sua mãe faleceu).

Seu segundo casamento deu-se em 17 de outubro de 1945, com o músico, compositor e regente Artie Shaw, homem extremamente culto e inteligente, que tentou fazer dela uma erudita, "inundando" sua vida com obras literárias clássicas e famosas. Esse casamento também não deu certo, durando apenas um ano e sete dias.

Seu último casamento foi com o célebre cantor Frank Sinatra, em 7 de novembro de 1951 e durou dois anos, embora a separação oficial só ocorresse em 1957. Ela nunca teve filhos e nem se casou mais, embora tenha mantido um romance com o toureiro Luis Dominguin por alguns anos.

Também teve um caso amoroso nos anos 1940 com o aviador bilionário Howard Hughes que durou até os anos 1950.


Para o cineasta Cecil B. DeMille, Ava era "a mulher mais linda do mundo". Nos estúdios ela era definida como possuidora de um olhar de gata, por isso o poeta Jean Cocteau a definiu como o "mais belo animal do mundo".

Passou seu último ano de vida reclusa em seu apartamento de Londres - eram suas companheiras apenas sua antiga governanta Carmen Vargas e seu amado Welsh Corgi, Morgan. Frank Sinatra pagou todas as suas despesas médicas após seu acidente vascular cerebral em 1989, que a deixou parcialmente paralisada e acamada.

Vargas levou seu corpo para sua casa nativa na Carolina do Norte para um funeral privado. Nenhum de seus ex-maridos participou. Gardner foi sepultada no Sunset Memorial Park, Smithfield, ao lado de seus irmãos e seus amados pais, Jonas (1878-1938) e Mollie Gardner (1883-1943). O centro de Smithfield tem o Ava Gardner Museum.

Prêmios

Academy Awards:

1954 Melhor Atriz, Mogambo

BAFTA Awards:

1957 Melhor Atriz Estrangeira, Bhowani Junction
1960 Melhor Atriz Estrangeira, On the Beach
1965 Melhor Atriz Estrangeira, The Night of the Iguana

Golden Globes:

1965 Best Motion Picture Actress - Drama, The Night of the Iguana

Laurel Awards:

1958 Top Estrela Feminina - sétimo lugar

San Sebastián International Film Festival:

1964 Melhor Atriz, The Night of the Iguana

Filmografia

1941 Fancy Answers
1941 Shadow of the Thin Man
1941 H.M. Pulham, Esq.
1941 Babes on Broadway
1942 We Do It Because
1942 Joe Smith, American
1942 This Time for Keeps
1942 Kid Glove Killer
1942 Sunday Punch
1942 Calling Dr. Gillespie
1942 Mighty Lak a Goat
1942 Reunion in France
1943 Du Barry Was a Lady
1943 Ghosts on the Loose
1943 Young Ideas
1943 Swing Fever
1943 Lost Angel
1944 Two Girls and a Sailor
1944 Three Men in White
1944 Maisie Goes to Reno
1944 Blonde Fever
1945 She Went to the Races
1946 Whistle Stop
1946 The Killers
1947 Singapore
1947 The Hucksters
1948 One Touch of Venus
1949 The Bribe
1949 The Great Sinner
1949 East Side, West Side
1951 Pandora and the Flying Dutchman
1951 My Forbidden Past
1951 Show Boat
1952 Lone Star
1952 The Snows of Kilimanjaro
1953 Ride, Vaquero!
1953 Mogambo
1953 Knights of the Round Table
1954 The Barefoot Contessa
1956 Bhowani Junction
1957 The Little Hut
1957 The Sun Also Rises
1958 The Naked Maja
1959 On the Beach
1960 The Angel Wore Red
1963 55 Days at Peking
1964 Seven Days in May
1964 The Night of the Iguana
1966 The Bible: In the Beginning…
1968 Mayerling
1970 Tam Lin
1972 The Life and Times of Judge Roy Bean
1974 Earthquake
1975 Permission to Kill
1976 The Blue Bird
1976 The Cassandra Crossing
1977 The Sentinel
1979 City on Fire
1981 Priest of Love
1982 Regina Roma
1985 A.D. (minisseries)
1985 The Long Hot Summer (TV)
1986 Harem (TV)

Fonte: Wikipédia.

Anne Francis

Anne Francis, atriz americana, nasceu em Ossining, Nova Iorque, em 16/09/1930, e faleceu em Santa Barbara, California, em 02/01/2011. Começou bem cedo trabalhando como modelo, aos seis anos já trabalhava no rádio e aos 11 estreou na Broadway.

Contratada pela MGM, apareceu em pequenos papéis em musicais e dramas a partir de 1948, mas retornou a Nova Iorque logo depois, onde atuou na TV. Chamou a atenção do magnata do cinema Darryl F. Zanuck e assinou novo contrato com a 20th Century Fox.

Viveu sua cota de papéis de louras ingênuas, mas teve boas oportunidades em Sementes de Violência (1955) e no clássico da ficção científica Planeta Proibido (1956), no papel da encantadora Altaira, ao lado de Leslie Nielsen e de Robby, o robô.

Na TV, nos anos de 1950, teve participações especiais em séries como Os Intocáveis, Além da Imaginação, Rawhide, Rota 66, Dr. Kildare, Culpado ou Inocente, Alfred Hitchcock Apresenta, Ben Casey, Histórias do Velho Oeste/Death Valley Days, O Agente da UNCLE, O Fugitivo, A Lei de Burke, Os Invasores, Missão: Impossível, Dan August, Os Audaciosos, O Homem de Virgínia, Gunsmoke, Columbo, Kung Fu, Barnaby Jones, Petrocelli, A Mulher Maravilha, Demônios do Ar, Police Woman, Vegas, As Panteras, Os Grandes Heróis da Bíblia, Dallas, A Ilha da Fantasia, Assassinato por Escrito”, Nash Bridges, The Drew Carey Show e Without a Trace.

Entre 1965 e 1966, estrelou Honey West, primeira tentativa de Aaron Spelling de produzir uma série estrelada por uma detetive feminina. A decisão de produzir a série veio da paixão de Spelling pela inglesa Os Vingadores/The Avengers, na época estrelada por Patrick McNee e Honor Blackman. Spelling tentou reproduzir seu estilo em várias ocasiões diferentes ao longo de sua carreira, como em As Panteras e Jovens Bruxas/Charmed.

Para estrelar Honey West, Spelling convidou Honor Blackman para o papel principal, mas ela recusou. Por isso, o produtor procurou por alguém que fosse fisicamente parecida com ela. Foi assim que encontrou Anne Francis, que estrelara o filme Planeta Proibido, ao lado de Leslie Nielsen.

Introduzida como um episódio de A Lei de Burke, a série, adaptada da literatura policial, apresenta Honey, uma jovem que assume a agência de detetives do pai após sua morte. Para ajudá-la a resolver seus casos, ela conta com o apoio de Sam Bolt (John Ericson), da tia Meg West (alusão a Mae West), interpretada por Irene Verney, e do leopardo Bruce, seu bichinho de estimação.


A personagem era uma espécie de James Bond de saias. A proposta foi bem recebida pelo público e pela crítica, levando a atriz a ser indicada ao Emmy e ao Golden Globe. Mesmo assim, a ABC cancelou a série. Dizem que o motivo teria sido o fato do canal ter comprado Os Vingadores. O valor de compra da produção inglesa seria menor que o custo de produção de Honey West. A série foi cancelada com apenas uma temporada de 30 episódios. No entanto, ao longo dos anos, Honey West ganhou status de cult.

Em 1982, a atriz publicou sua autobiografia, com o título de Voices From Home: An Inner Journey. Anne foi casada duas vezes, sendo que as duas relações terminaram em divórcio. Em seu segundo casamento, teve uma filha, Jane Elizabeth Uemura. Em 1970, a atriz adotou Margaret West, tornando-se uma das primeiras mulheres solteiras a adotar uma criança no estado da Califórnia.

Em 2007, Anne foi diagnosticada com câncer no pulmão, passando por um tratamento de quimioterapia. Em 2008, foi submetida a uma cirurgia para remoção de parte de seu pulmão direito. A doença retornou, atingindo o pâncreas. Nos últimos anos, Anne vivia em uma casa de repouso em Santa Barbara.

A atriz faleceu no dia 2 de janeiro de 2011, aos 80 anos, vítima de câncer no pâncreas.

Fontes: Revista Carcasse; Anne Francis - Wikipédia; Anne Francis (1930-2011) - Revista Veja.

Ursula Andress, a bond girl

Ursula Andress, atriz, nasceu em Ostermundigen, próximo a Berna, na Suíça, filha da suíça Anna e de Rolf Andress, diplomata alemão que foi expulso da Suíça por motivos políticos. Andress tem quatro irmãs e um irmão, e é fluente em inglês, francês, italiano e alemão.

Em 1953 iniciou sua estréia nos estudios de Roma, apesar de alguns trabalhos como figurante, atraiu mais a atenção por seu casamento com o ator John Derek que por suas primeiras interpretaçoes.

A fama veio dez anos depois, como Honey Rider no primeiro filme de James Bond, o agente 007 Dr. No (1962) interpretado pelo ator ingles Sean Conery, sob a direção de Terrence Youg. Ela fez sucesso pelo seu corpo sensual e pelo seu traje de banho reduzido ostentando um largo cinturão com enorme fivela e portando um fuzil-arpão.

Honey Rider - Dr. No (1962)
Posteriormente fez alguns papéis com mais ou menos roupa e foi muito bem dirigida por Robert Aldrich em Quatro Heróis do Texas (1963). Fez também uma feiticeira imortal em Ela a Feiticeira (1965) de Robert Day, baseado numa novela de Edgar Rice Burrougs o célebre criador de Tarzan.

Ursula trabalhou com atores famosos como Jean Paul Belmondo, James Masson, George Peppard, David Nivem e muitos outros.

Curiosamente Ursula Andress não queria trabalhar em Dr No, no entanto seu marido John Derek, aconselhou-a a aceitar o papel, pelo qual recebeu 12.000 dólares, e lhe abriu as portas do mundo da sétima arte.

Na vida pessoal, namorou astros como James Dean, Marlon Brando. Foi casada com John Derek, entre 1957 e 1966. Tem um filho, Dimitri Alexander Hamlin (nascido em 1980), com Harry Hamlin.


Filmes

Die Vogelpredigt (2005)
Cremaster 5 (1997)
Alles gelogen (1996)
Fantaghirò 4 (1994) (TV)
Fantaghirò 3 (1993) (TV)
Man Against the Mob: The Chinatown Murders (1989) (TV)
Il professore - Diva (1989) (TV)
Klassäzämekunft (1988)
Liberté, égalité, choucroute (1985)
Krasnye kolokola, film pervyy - Meksika v ogne (1982)
Clash of the Titans (1981)
The Fifth Musketeer (1979)
Letti selvaggi (1979)
La montagna del dio cannibale (1978)
Doppio delitto (1977)
Le avventure e gli amori di Scaramouche (1976)
Africa Express (1976)
Safari Express (1976)
Spogliamoci così senza pudor (1976)
L'infermiera (1975)
Colpo in canna (1975)
L'ultima chance (1973)
Soleil rouge - Sol Vermelho (1971)
Perfect Friday (1970)
The Southern Star (1969)
Le dolci signore (1968)
Casino Royale (1967)
Once Before I Die (1966)
The Blue Max (1966)
La decima vittima (1965)
Les tribulations d'un Chinois en Chine (1965)
What's New Pussycat - O que é que há gatinha? (1965)
She (1965)
Nightmare in the Sun (1965)
4 for Texas (1963)
Fun in Acapulco - O Seresteiro de Acapulco (1963)
Dr. No - 007 contra o Satânico Dr. No (1962)
La catena dell'odio (1955)
Un americano a Roma (1954)

Fontes: Cinema Clássico; Sapo Cinema, Wikipédia.