quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O paquera

Conheci o Batalha quando ele ainda era garo­to. Aliás, todos os que foram meninos aqui no bairro co­nheceram o Batalha. Naquele tempo o bairro era calmo, os garotos unidos, havia espaço, era ótimo.

O Batalha era um garoto legal, e só depois que foi crescendo é que foi ficando feio. Ao atingir a puberdade, o Batalha já era tão feio que — francamente - eu estava vendo a hora que ele ia acabar Presidente da República.

Talvez tenha sido a feiúra dele que o levou ao vício de espiar mulher de longe. Namorava à distância, sem que a moça soubesse de nada, para não estragar o namoro.

Uma de suas primeiras experiências amorosas ensinou-lhe esse truque. Laurinha, que era muito bonitinha e mui­to senhora de sua beleza, que a secura da rapaziada exaltava às pampas, era, por isso mesmo, perversa como só ela. 

O Batalha namorou-a durante dois anos e, quando ela soube, desfez. Foi até tragicômico: alguém foi dizer pra ela que o Batalha falava pra todo mundo que namorava ela. Laurinha não conversou: telefonou pro Batalha e, no que ele disse "alô", ela lascou:

— Escuta aqui, seu nojento, se eu te pegar de novo me olhando com esse teu olhar de garoupa congelada, eu cuspo, tá bem? — e desligou o telefone e as esperanças do rapaz.

Talvez tenha sido desde aí que o Batalha aprendeu a apreciar mulher de longe. Depois de homem feito e feio - definitivamente feio - já o bairro estava todo edificado na base de altos edifícios. Batalha especializou-se em espi­ar mulher da janela.

Foi quando se deu a história triste que ele me contou como, de resto, me contou esta última, pois sabe que eu não vou sair pela aí esparramando, como fizeram quando ele era paquera oficial da Laurinha.

Deu-se, eu dizia, que o Batalha ficou tempos de olho numa mocinha que mora­va no prédio em frente. Um dia ele pegou e contou pra mim que ela não só notara o interesse dele como também aderira.

Ficava do lado de lá, muitas vezes, debruçada na janela, de olhar na sua direção. Ele achou, inclusive, que a mãe dela não fazia gosto porque, em dado momento, chegava para a mocinha, segurava-a pelo braço e levava lá pra dentro, estragando tudo. A mocinha era muito dócil, e ia.

Eu nem devia ter contado esse episódio, pois é mui­to triste, mas serve para ilustrar muito bem o caipirismo do Batalha. Na verdade, a mocinha não era dócil. Era cega, isto sim. E o Batalha só descobriu muito tempo depois, quando teve oportunidade de vê-la de perto, na rua. Fi­cou sentidíssimo; afinal, a primeira que olhou fixo para ele só o fazia porque não o enxergava. É duro.

Mas não é à toa que ele se chama Batalha. Há coisa de uns meses, mudou-se para o Leme e andava entusias­mado com uma dona do edifício que dava fundos para a sua rua. É que ela tomava banho de sol no terraço com um biquíni um bocado minibiquini.

Isso foi no começo. Com o correr do tempo ele foi me contando mais coisas. Por exemplo: estava certo de que a moça percebera sua paquera, embora a paquera fosse de uma distância considerável. Ela olhava em dire­ção à sua janela e sorria:

—Ontem ela tomou banho de sol só com a parte de baixo do biquíni — me falou certa vez, com a voz embar­gada de emoção. E, num recente encontro, dei com o Batalha sobraçando enorme pacotão. Disse-me que a dona do Leme estava se despindo totalmente para ele.

— De manhã, quando eu vou espiar, ela já tá lá, nuínha no terraço. E fica horas, na mesma posição. Peladinha — garantiu. E ratificou: — Peladinha.

— E esse pacotão aí? — perguntei.

— É uma luneta. Ela merece. Meu binóculo nunca foi grande coisa. Ela merece uma luneta. Gastei uma nota para comprar esta luneta, mas ela merece. Vou estrear ama­nhã, se fizer sol.

E lá se foi o Batalha e seu pacotão. Eu não o vi mais, até esta semana. Vinha cabisbaixo e meditabundo — adje­tivos que sempre se juntam para definir o cara que entra numa fria.

— Como é Batalha? E a dona do Leme?

— Nem me fale — suspirou. —Já sei. Mudou-se.

— Pior. Ela tava me gozando... Você não se lembra que eu falei que ela ficava horas nuínha, na mesma posi­ção?

Fiz que sim com um movimento de cabeça.

— Pois é... Comprei a luneta, e só aí eu reparei. Ela sabia que eu olhava e fez aquilo...

— Mas fez o quê?

— Armou no telhado um manequim velho. Botava a peruca dela no manequim e deixava lá, para me enganar.

— Puxa vida... tem certeza?

— Absoluta... eu vi pela luneta, na coxa dela tava es­crito "Made in USA".

Por: Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).

Fonte: FEBEAPÁ 1: primeiro festival de besteira que assola o país / Stanislaw Ponte Preta; prefácio e ilustração de Jaguar. — 12. ed. — Rio de Janeiro; Civilização Brasileira, 1996.